Confirmadas as conquistas da Casa Branca e do Senado, a grande questão no imediato é se o Partido Republicano também vai conseguir manter a atual maioria na Câmara dos Representantes. À hora de fecho deste artigo, as principais corridas-chave que vão definir o equilíbrio de poderes nos EUA, pelo menos até às intercalares de 2026, continuavam muito renhidas, mas os conservadores mantinham uma ligeira vantagem. Se o partido conseguir o hat-trick, e “acreditarmos no que Trump diz que vai fazer, haverá mudanças profundas”
Foram milhares de milhões de dólares gastos até ao último cêntimo pelos dois partidos norte-americanos no combate pelo Senado e pela Câmara dos Representantes, numas eleições em que, a par da Casa Branca, estiveram em disputa 468 assentos no Congresso – o total de 435 lugares da câmara baixa e 33 dos 100 que compõem o Senado.
Ao longo da campanha, as sondagens e os analistas previram a tomada republicana do Senado, atualmente com curta maioria democrata, de forma bem mais certeira do que tentaram antever o resultado das presidenciais. O que não foi previsto de todo foi a possibilidade de o partido de Trump reconquistar também a Câmara dos Representantes – algo que ainda pode vir a acontecer.
“Antecipo que os democratas ganhem um pouco mais dos assentos disputados na Câmara e se tornem o partido maioritário ali, embora por uma curta margem”, adiantava há duas semanas o analista político Paul Beck, da Universidade Estatal do Ohio, em entrevista à CNN Portugal – que, contactado esta quarta-feira para uma reação aos resultados, ressaltou que ainda tudo está em aberto na corrida à câmara baixa do Congresso.
“Serão provavelmente as corridas em Nova Iorque e na Califórnia a determinar que partido vai controlar a Câmara”, diz Beck. “Ainda não espreitei os resultados em Nova Iorque e os resultados na Califórnia ainda vão demorar cerca de uma semana, uma vez que o estado permite prazos mais alargados para o voto antecipado por correio” (os absentee ballots, diferentes do típico voto por correspondência).
Se as sondagens antes da ida às urnas tiverem acertado, e os democratas conseguirem virar a Câmara dos Representantes, será a primeira vez que os dois partidos trocam de câmaras numa mesma eleição, refere a Associated Press. E isso irá traduzir-se em renovados combates partidários em questões como o orçamento e os limites à despesa pública semelhantes aos que marcaram os últimos dois anos, desde as eleições intercalares de 2022, com impacto numa série de políticas federais (para o Senado desbloquear fundos, precisa do aval de uma maioria dos representantes).
“Se os democratas conquistarem a Câmara dos Representantes, será provavelmente por uma curta margem, mas ainda assim funcionarão como um mecanismo de fiscalização das políticas da administração Trump”, adianta Paul Beck, já que “a Câmara é a primeira a votar o orçamento proposto pelo Presidente e é ela que tem de aprovar a legislação que o Presidente e o Senado possam propor”.
Mas se, a par da vitória já confirmada no Senado, os republicanos reconquistarem a Câmara dos Representantes, não só estaremos diante de um feito raro – o mesmo partido a conquistar o hat-trick (Casa Branca, Senado e Câmara dos Representantes), a juntar à atual maioria conservadora no Supremo Tribunal federal – como o equilíbrio de poderes será completamente diferente.
Num comunicado às primeiras horas de quarta-feira, o atual líder da maioria republicana na Câmara dos Representantes já prometia que o partido “está pronto e preparado para implementar imediatamente a agenda América Primeiro de Trump para melhorar as vidas de cada família, independentemente da sua raça, religião, cor ou credo, e tornar a América grande outra vez”.
Um Senado republicano garante a Trump um cheque praticamente em branco no que toca a nomeações judiciais: veja-se como, no seu primeiro mandato, quando os republicanos também conquistaram a Casa Branca e o Senado, Trump conseguiu nomear 234 juízes para os vários circuitos judiciais, incluindo três para o Supremo Tribunal dos EUA, o que se provou determinante para, já em 2022, a lei federal de acesso ao aborto Roe vs. Wade ser revertida. (Foi também no primeiro mandato de Trump, concretamente nos primeiros dois anos do mandato, que os republicanos conseguiram a presidência e as duas câmaras do Congresso.)
Dependendo das corridas na câmara baixa, uma renovada maioria republicana na Câmara dos Representantes funcionará como facilitadora da administração Trump numa série de outras políticas federais, incluindo a promessa de reverter o Affordable Care Act (ACA), que veio alargar os cuidados de saúde a milhões de norte-americanos, a alocação de mais fundos para garantir a “segurança da fronteira” e para levar a cabo as “deportações em massa” que Trump prometeu ao longo da campanha, e a redução de impostos cobrados às grandes empresas e aos mais ricos.
“Se os republicanos mantiveram o controlo da Câmara dos Representantes, a administração Trump não estará sujeita a qualquer fiscalização na transposição das suas prioridades para a lei e para o Orçamento”, explica Paul Beck. “Se acreditarmos no que Trump diz que vai fazer, haverá mudanças profundas.” Isto passará não apenas por mudanças no código fiscal, adianta o especialista em Ciência Política do Ohio. “com a continuação das reduções de impostos implementadas pela anterior administração Trump”, como também em alterações nas relações dos EUA com o resto do mundo, na forma de “mais tarifas sobre bens estrangeiros, novas alianças em todo o mundo democrático e o apoio a Israel, que ficará à solta para conduzir ataques ao Irão”.
Como referia o Financial Times na quarta-feira: “A enfática eleição de Trump confirma as mudanças que já vinham sendo sinalizadas rumo a uma nova ordem mundial na qual a América exerce o seu poder de forma diferente, menos como um modelo de liberalismo e mais como uma superpotência que espera que a sua vontade seja aplicada.”
A par disso, se os republicanos ganharem de uma ponta à outra, também se espera que Trump altere as políticas e o funcionamento do poder executivo “para bloquear os processos judiciais contra ele, para virar a burocracia na sua direção e para procurar vingar-se dos seus inimigos”, acrescenta Paul Beck – e “uma Câmara dos Representantes de maioria democrata não poderia impedir que estas coisas acontecessem”.
Esta quinta-feira de manhã, dia e meio depois do fecho das últimas urnas nos EUA, a distribuição de assentos na câmara baixa do Congresso continuava algo renhida. Os republicanos já tinham conquistado um distrito detido pelos democratas na Pensilvânia que inclui a terra-natal de Joe Biden, Scranton, e tirado assentos aos democratas na Carolina do Norte e no Michigan. Do outro lado, os democratas já tinham conquistado um assento aos republicanos em Nova Iorque e outro no Alabama. De acordo com a contagem da CNN Internacional, pelas 10h da manhã em Lisboa, o Partido Republicano contava com 209 lugares garantidos, contra 191 para o Partido Democrata – para conquistar a maioria, é preciso um mínimo de 218 assentos.
À mesma hora, em Nova Iorque, a distribuição de assentos continuava taco a taco: com 94% do total de votos apurados, os democratas já tinham 4 representantes eleitos contra 7 republicanos de um total de 26, e uma corrida-chave entre o democrata Josh Riley e o republicano Marc Mollnaro continuava renhida, com Riley ligeiramente à frente do republicano em exercício.
Com os republicanos a 9 lugares da vitória, os democratas precisam de conquistar um mínimo de mais 27 assentos, vendo-se forçados a virar alguns lugares atualmente detidos pela oposição e estando dependentes das corridas na Califórnia: no estado onde, como aponta Paul Beck, os resultados finais poderão levar ainda vários dias a chegar, e com 66% dos votos apurados à hora de fecho deste artigo, eram 7 os republicanos eleitos contra 33 democratas, incluindo o lusodescendente Eric Swalwell.
Ainda em disputa continuavam os restantes 13 assentos do estado, incluindo três em que lusodescendentes seguiam ao leme, entre eles um lugar para representar o 21.º distrito de Nova Iorque, a ser disputado pelo democrata Jim Costa. Das 9 corridas mais decisivas no estado, duas poderão ser vencidas por republicanos com origens açorianas – um assento pelo 13.º distrito, disputado por John Duarte, e um pelo 22.º distrito, disputado por David Valadão – o que, em última instância, poderá ajudar a carregar o partido de Trump ao trio de governação.