A Comissão de Trabalhadores (CT) da CP acusou esta segunda-feira o Governo de ignorar deliberadamente as causas da sinistralidade ferroviária e ter optado por humilhar os trabalhadores, com proposta de lei que cria suspensão de condução sob efeito de álcool.
“O Governo, confrontado com uma comparação genérica sobre os dados gerais da sinistralidade ferroviária em Portugal versus outros países, ignorou puramente as causas e responsáveis dessa sinistralidade e optou por humilhar os trabalhadores e marcá-los indelevelmente: para a opinião pública, os acidentes ferroviários devem-se ao facto dos maquinistas abusarem do álcool”, referiu a CT da CP — Comboios de Portugal, em comunicado sobre a proposta de lei do Governo de prevenção de acidentes ferroviários.
Anunciada pelo ministro da Presidência, António Leitão Amaro, na quinta-feira, a proposta de lei que prevê o reforço de medidas de contra-ordenação, criando uma proibição de condução sob efeito de álcool, estupefacientes ou substâncias psicotrópicas.
A CT hoje em dia demonstra ignorância e constitui um insulto, não só aos maquinistas, mas a todos os trabalhadores. “Fossem os membros do Governo controlados como são os trabalhadores ferroviários, quer na taxa de alcoolemia (máximo 0,2g/l álcool no sangue, no caso da CP), quer nos restantes interrupções de saúde, provavelmente esta medida nunca teria chegado a um Conselho de Ministros”, referiu aquela estrutura.
Na mesma nota, a CT vincou que a “esmagadora maioria” dos acidentes está diretamente ligada à infra-estrutura, a cargo da Infra-estruturas de Portugal (IP).
Tendo em conta unicamente os indicadores de segurança da CP, detalhadamente, registaram-se 29 acidentes graves em 2023, dos quais 52% foram “acidentes com pessoas causados por material circulante em movimento”, genericamente associados a atravessamentos em locais não autorizados, 38% foram acidentes em passagens de nível, principalmente situações de desrespeito de automobilistas e pessoas pelo código da estrada, 7% foram colisões com objetos na via e 3% foram descarrilamentos, “na sua maioria ligada ao estado degradado da via, com destaque para a Linha do Vouga”.
Estes acidentes somaram-se 28 “suicídios presumíveis” no ano passado, e cinco “tentativas de suicídio”, que também tiveram impacto nas tripulações de comboios, “constituindo uma causa significativa de baixas prolongadas por acidente de trabalho”, sublinhou a CT.
A estrutura refere ainda que, “dado o despropósito da medida”, não acredita que o Governo tenha consultado o Instituto de Mobilidade e Transportes (IMT) e o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAFF), nem que tenha reunido com as empresas ferroviárias, “parte das quais já se demarcou desta medida”.
“O que se exigia do Governo seria um plano de mitigação de acidentes ferroviários, sério, consequente, decidido”, que regularasse “as consequências das políticas de desinvestimento que estão marcadas para a ferrovia e que ditam hoje o estado decrépito da infra-estrutura de carga da IP, a consistência das obras que foram realizadas, e que depois se traduz no inqualificável atraso dos planos sucessivamente anunciados”, vincou a CT.
A Associação Portuguesa de Empresas Ferroviárias (APEF), o Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses (SMAQ) e a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (Fectrans) também condenaram as afirmações do ministro Leitão Amaro.
A Lusa questionou o Ministério das Infra-estruturas e Habitação, que tutela os transportes, sobre os dados em que se baseou o Governo para proporcionar o reforço das medidas de contra-ordenação para os maquinistas, mas não obteve resposta até ao momento.