No seu primeiro discurso desde que o republicano Donald Trump foi declarado vencedor das presidenciais, Kamala Harris concedeu a derrota – “quando perdemos uma eleição, aceitamos os resultados” – mas deu a entender que não vai sair da cena política, lembrando que a luta vai continuar “nas urnas, nos tribunais e na praça pública”
Passou quase um dia entre o mapa eleitoral confirmar a vitória do republicano Donald Trump nas presidenciais e a sua rival democrata, a atual vice-presidente Kamala Harris, falar à nação. A partir da Universidade de Howard, onde se licenciou e onde milhares dos seus apoiantes a aguardavam esta quarta à noite (final da tarde em Washington DC), Harris destacou que está “de coração cheio” após a sua campanha ter “unido” as pessoas pelo “amor ao país” e a “luta pelo futuro da América” – uma que, garantiu, está longe de ter terminado.
“Os resultados destas eleições não foram os que queríamos, não foram aquilo por que lutámos, por que votámos, mas ouçam-me quando digo que a luz da promessa americana irá sempre brilhar forte desde que nunca desistamos e continuemos a lutar”, disse, no único momento em que a voz quase ficou embargada de emoção, agradecendo à família, ao Presidente Biden, ao governador Tim Walz, sua escolha para vice.
Num tom animado, com direito a várias rondas de aplausos, Kamala Harris agradeceu também à “extraordinária equipa, aos voluntários que tanto deram de si, aos funcionários eleitorais” e disse estar “muito orgulhosa da corrida e da forma como a conduzimos ao longo destes 147 dias de campanha” – desde que o atual Presidente, Joe Biden, cedeu às pressões do Partido Democrata para desistir da recandidatura, no final de julho – uma campanha aposta em “construir comunidades e coligações” e guiada pela noção de que “temos muito mais em comum do que aquilo que nos separa”.
O discurso teve lugar pouco depois de a sua campanha ter confirmado aos jornalistas que Harris já tinha telefonado a Donald Trump para o felicitar pela sua vitória eleitoral, concordando com o rival quanto à “importância de trabalhar para unir o país”, uma mensagem que repetiu aos apoiantes no discurso da derrota.
“Sei que estão a sentir uma série de emoções, mas temos de aceitar os resultados das eleições. Hoje falei com o Presidente eleito e disse-lhe que vamos ajudá-lo e à sua equipa na transição pacífica do poder. Um princípio fundamental da América é que, quando perdemos uma eleição, aceitamos os resultados, é isso que distingue a democracia de uma monarquia ou da tirania”, adiantou, em mais outra indireta ao rival. “Neste país devemos lealdade não a um Presidente ou a um partido, mas à Constituição dos EUA, lealdade à nossa consciência e ao nosso Deus.”
Guiada por esses três pilares, adiantou, aquela que viria a ser a primeira mulher e a primeira afroamericana a ocupar a presidência fez questão de sublinhar: “Apesar de conceder a derrota nestas eleições, não admito a luta que alimentou esta campanha, a luta pela liberdade, pelas oportunidades, pela justiça e pela dignidade de todas as pessoas. Uma luta pelos ideais no cerne da nossa nação, os ideais que refletem a América no nosso melhor – nunca desistirei dessa luta”, uma luta “pela democracia, o Estado de Direito, a justiça social e os direitos fundamentais” que promete manter viva e em marcha “nas urnas, nos tribunais e na praça pública”.
Também lembrou a importância de cada um tratar o próximo com “bondade e respeito”, em mais um contraponto com a retórica xenófoba, sexista e divisiva do rival republicano, e assumiu que a luta vindoura pelos direitos de todos vai envolver muito trabalho.
“A luta pela nossa liberdade vai envolver trabalho duro, mas como eu gosto de dizer: trabalhar no duro é bom e vale sempre a pena. Aos mais jovens que estão a ver-nos: é OK sentirem-se tristes e desapontados, mas saibam que vai ficar tudo bem. Na campanha disse muitas vezes que, quando lutamos, ganhamos. A questão é que, por vezes, a luta demora o seu tempo, mas isso não quer dizer que não vamos vencer. Nunca desistam, vocês têm poder e nunca ouçam quando alguém vos diz que algo é impossível porque nunca foi feito antes. […] Esta é a altura de arregaçar as mangas, de nos mobilizarmos e de lutar pelo futuro que sabemos que podemos construir juntos.”
O discurso terminou com um adágio pedido emprestado a um historiador: “Só quando está suficientemente escuro é que é possível ver as estrelas.”
“Sei que muita gente sente que estamos a entrar num período negro, a bem de todos espero que não seja esse o caso. Mas eis a questão: América, se assim for, que possamos sentir o céu iluminado pela luz brilhante de milhares de milhões de estrelas, pela luz do otimismo, da fé, da verdade e do serviço. Que esse trabalho nos guie rumo à extraordinária promessa dos Estados Unidos da América.”