Para Zelensky, os americanos estão enganados quando dizem que os EUA estão envolvidos há demasiado tempo nesta guerra – é que nunca foi bem assim, argumenta. Ou nunca foi nada assim. E sublinha: a Ucrânia está a evitar um “golpe enorme” na América, está evitar que se percam países, está a evitar uma nova migração em massa, está a evitar que a América tenha de combater diretamente
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, acredita que a resiliência da Ucrânia perante a invasão russa “protegeu a América de uma guerra total” e impediu que os EUA perdessem influência na Europa. Em entrevista à New Yorker, publicada antes da visita do líder ucraniano aos EUA para apresentar ao presidente norte-americano o designado “plano de vitória”, Zelensky afirma que elaborou este documento “com o apoio de Biden em mente”, até porque, diz, “se a Ucrânia não se tivesse mantido firme, Putin teria avançado” não só na Ucrânia mas em toda a Europa.
E as consequências disso seriam devastadoras, diz Zelensky, sobretudo para os EUA: “Número um, vocês teriam cerca de 40 milhões de migrantes a vir para a Europa, América e Canadá. Segundo, perderiam o maior país da Europa – um golpe enorme para a influência da América no continente. A Rússia passaria a ter total influência lá. Vocês perderiam todos – Polónia, Alemanha -, a influência dos EUA ficaria reduzida a zero.”
Questionado sobre o que diria aos norte-americanos que começam a levantar dúvidas quanto aos apoios que têm sido enviados à Ucrânia, Zelensky responde que “o povo americano deve perceber que o facto de a Ucrânia ainda estar de pé não é o problema” e que, apesar das “dificuldades” da guerra, “a resiliência da Ucrânia permitiu que a América resolvesse muitos outros desafios.”
“Imaginemos que a Rússia atacava a Polónia em seguida – e depois? Na Ucrânia, a Rússia encontrou um enquadramento legal falso para justificar as suas ações, alegando que está a proteger o povo de língua russa, mas podia ter sido a Polónia ou os países bálticos, que são todos membros da NATO. Isso teria sido um desastre, um murro no estômago para os EUA, porque aí sim estariam definitivamente envolvidos em grande escala – com tropas no terreno, financiamento, investimento e com a economia norte-americana a afundar para um estado de guerra.”
Assim, Zelensky diz não concordar com a ideia de que os EUA estão envolvidos “há muito tempo” nesta guerra. “Muito pelo contrário: acredito que protegemos a América de uma guerra total.”
O presidente ucraniano está de visita aos EUA para apresentar a Joe Biden o chamado “plano de vitória”, que descreve como “um plano concreto para acabar com a guerra”, em contraste com a “retórica vazia” de Vladimir Putin, que acusa de “fingir” estar interessado no diálogo para terminar o conflito.
“O plano de vitória é um plano que fortalece rapidamente a Ucrânia. Uma Ucrânia forte vai forçar Putin a ir à mesa de negociações. Estou convencido disso”, sublinha o chefe de Estado ucraniano, adiantando que o plano elaborado inclui “argumentos específicos e passos específicos para fortalecer a Ucrânia durante os meses de outubro, novembro e dezembro”.
Desta vez, diz, “Putin terá compreendido a profundidade deste plano e o compromisso dos nossos parceiros em fortalecerem-nos” e vai perceber, assim, um “facto muito importante”: “Se ele não estiver pronto para acabar com esta guerra de uma forma que seja justa e correta, e em vez disso quiser continuar a tentar destruir-nos, então uma Ucrânia fortalecida não o deixará fazer isso. Não apenas isso, mas continuar a perseguir esse objetivo também enfraqueceria consideravelmente a Rússia, o que ameaçaria a própria posição de Putin”.
“Trump não sabe realmente como parar a guerra”, J.D. Vance quer “uma guerra global”
Interrogado sobre as recentes declarações de Donald Trump sobre a guerra na Ucrânia, nomeadamente sobre o facto de não responder diretamente sobre se quer que Kiev saia vitoriosa desta guerra, Zelensky diz ter a sensação de que “Trump não sabe realmente como parar a guerra”. “Eu vi muitos líderes que estavam convencidos de que sabiam como acabar com a guerra amanhã e, à medida que se inteiravam do assunto, perceberam que não é tão simples assim”.
Ainda sobre as eleições norte-americanas, Zelensky foi questionado sobre o plano do ‘vice’ de Donald Trump, J.D. Vance, para acabar com a guerra, corrigindo o jornalista: segundo ele, é um plano “para desistir” dos territórios ucranianos. “A mensagem dele parece ser que a Ucrânia deve fazer um sacrifício. (…) A ideia de que o mundo deve acabar com esta guerra às custas da Ucrânia é inaceitável. Mas não considero esse conceito dele um plano, em nenhum sentido formal. Seria uma ideia horrível se uma pessoa realmente fosse executá-la, fazer a Ucrânia arcar com os custos de parar a guerra desistindo dos seus territórios. Mas certamente não há maneira de isso acontecer. Esse tipo de cenário não teria base em regras internacionais, no estatuto da ONU, na justiça. E não acabaria necessariamente com a guerra também. É apenas slogan.”
Para Zelensky, este plano de J.D. Vance é um “sinal perigoso”, sobretudo vindo de “um potencial vice-presidente” dos EUA. “Eu devo dizer que não foi assim com Trump”, ressalva. “Conversei com Trump ao telefone e a sua mensagem foi muito positiva, do meu ponto de vista. Ele disse coisas como ‘eu entendo’, ‘eu vou apoiar’, e assim por diante”, revela.
“Não levo as palavras de J.D. Vance a sério, porque, se isso fosse um plano, então a América estaria a caminhar para um conflito global. Envolveria Israel, Líbano, Irão, Taiwan, China, assim como muitos países africanos”, afirma Zelensky, acrescentando que essa abordagem transmitiria a seguinte mensagem: “Eu cheguei, eu conquistei, agora isto é meu”.
“E esta regra aplicar-se-ia em todo o lado: reivindicações de terras e fronteiras entre nações. Isso implicaria que quem quer que afirme o controlo sobre o território . não o legítimo proprietário, mas quem quer que tenha chegado há um mês ou há uma semana com uma metralhadora na mão – é quem está no comando. Assim acabaremos num mundo onde o poder é o direito. E será um mundo completamente diferente, uma guerra global.”