A falta de recursos na área da saúde mental em Portugal desafia-nos a procurar soluções criativas e aproveitar estratégias já existentes. A saúde mental, essencial para o bem-estar individual e coletivo, é um tema de saúde pública que não pode ser ignorado. Afinal, como cada vez mais se regularizar: não há saúde física sem saúde mental. Uma sociedade só será verdadeiramente produtiva, igualitária e progressista se investir e promover a saúde mental em todos os setores.
Recentemente, numa petição online, a Livraria Lello (Porto) propôs que os médicos pudessem prescrever livros como forma terapêutica, reforçando a importância da cultura e da literatura para o bem-estar físico e mental. Esta ideia sublinha que o efeito terapêutico não se limitará exclusivamente ao efeito per se dos medicamentos, mas também residirá na empatia e na conexão humana, pilares fundamentais do ato médico, já que através de um livro poderá abrir a página de um encontro intimista entre pelo menos dois seres humanos, um escritor e um leitor.
A poesia poderá ter, sim, uma utilidade terapêutica única. Pode ser um espelho da alma que convida à reflexão, valida emoções e promove o autoconhecimento. A poesia, catártica e sublimadora, pode ser uma ferramenta útil na prática clínica, como um sereno
convite à meditação reflexiva sobre as diversas inquietações e interrogações existencialistas do ser humano.
Neste contexto, e em ambiente terapêutico de consulta, utilizado em determinadas situações clínicas a Poetoterapia — seleção individualizada e adaptada às necessidades do paciente de poemas e sua leitura em conjunto — como uma forma de facilitar a expressão de sentimentos, a identificação de emoções difíceis de verbalizar ou explicar, a ajudar a esclarecer melhor os sintomas psicopatológicos, bem como a fortalecer a relação empática entre médico e paciente.
Os principais objetivos terapêuticos da Poetoterapia incluem: promoção do bem-estar emocional, desenvolvimento de habilidades de comunicação, fortalecimento da autoestima e da autopercepção (maior compreensão de si próprio e do mundo em redor), auxiliar no processamento de traumas e emoções complexas, bem como ajudar a encontrar caminhos de transformação emocional e psicológica.
Na depressão, por exemplo, uma das doenças psiquiátricas mais prevalentes, onde ocorre frequentemente dificuldade em expressar subjetivamente as experiências emocionais devido ao humor deprimido e lentificação psicomotora, a poesia poderá ajudar a desbloquear ou libertar emoções internas através do envolvimento ou identificação pessoal com um poema . A riqueza criativa e simbólica dos versos (lidos ou até escritos de forma espontânea) agirá como um espelho, permitindo ao paciente encontrar no poder das palavras, metáforas e imagens poéticas uma nova forma de compreender e expressar a sua experiência subjetiva e individual dos sintomas da doença, e a catalisar uma melhor leitura do seu estado emocional, ajudando a dar “voz” a sentimentos “anestesiados” e a libertar emoções profundas reprimidas.
Além de estar documentada em estudos clínicos sobre sua praticidade e benefícios ao nível de resiliência, autoestima, estresse, sintomas de ansiedade e depressão, a Poetoterapia constitui uma ferramenta terapêutica flexível, acessível, adaptável a diferentes idades e culturas, e pode ser aplicada em escolas , comunidades ou como complemento a tratamentos e terapias mais convenientes em diferentes ambientes clínicos.
Num momento em que a sociedade enfrenta níveis crescentes de estresse, ansiedade, pior qualidade de sono, e esgotamentoa par do aumento dos aparentes “supressores” da empatia na Medicina (constrangimento ao nível dos recursos, diminuiu do tempo nas consultas, registos electrónicos, telemedicina à distância, e “bots de bate-papo” com empatia “fabricada” baseada em Inteligência Artificial), a poesia emerge como uma fonte de esperança e renovação da empatia humana.