Este sábado assinalam-se os 35 anos da queda do Muro de Berlim. A CNN Portugal compilou alguns trabalhos para recordar o dia. Pode vê-los aqui
Donald Trump não é o primeiro líder a querer erguer um muro na fronteira.
As barreiras defensivas existem desde o início dos tempos e as primeiras muralhas surgiram há 11.500 anos na Turquia para proteger as cidades de ataques.
“Ao longo da história, os muros têm tido tanto uma função simbólica como uma barreira mecânica”, afirma John Linnell, investigador sénior do Instituto Norueguês de Investigação da Natureza. “Isto vai desde a vedação do jardim até à Grande Muralha da China”.
Nem todos os muros cumpriram o objetivo para que foram concebidos e, tal como a Grande Muralha da China e o Muro de Berlim, acabaram por se transformar em atrações turísticas. Historiadores e investigadores aconselham que há lições a tirar de todos os grandes muros, incluindo os seus efeitos na migração, no ambiente e na história.
A Grande Muralha da China
Provavelmente uma das três muralhas mais famosas do mundo, e uma das mais antigas, a Grande Muralha da China foi construída já no século III a.C. para se defender de invasores. A muralha tem 5.500 quilómetros de comprimento, quase três vezes mais do que a fronteira entre os EUA e o México.
“A Grande Muralha da China foi construída tanto para manter o povo chinês dentro como para manter os mongóis fora”, explica Linnell.
A muralha tinha 15 metros de altura em algumas zonas, o que representa mais do dobro do muro fronteiriço proposto por Trump. A dinastia Ming foi a última a construir partes da Grande Muralha para defesa, em 1474. Na década de 1950, partes da muralha foram reconstruídas, mas apenas por razões estéticas. Atualmente, é uma importante atração turística e Património Mundial da UNESCO.
A Muralha Romana
A Muralha Romana, também conhecida como Muralha de Adriano, foi construída pelo imperador romano Publius Aelius Hadrianus em 122 d.C. Foi construída pelos romanos na Grã-Bretanha para separar o norte do sul – que era um território do Império Romano. Tinha 4,5 metros de altura (apenas 0,9 metros mais baixo do que o muro proposto por Trump), 117 quilómetros de comprimento e demorou seis anos a construir. Os historiadores dizem que o ímpeto para a construção da muralha foram as ameaças de outras culturas do norte, mas não se sabe ao certo qual era a dimensão da ameaça. Outros historiadores sugerem que a muralha pode ter sido simplesmente usada como uma declaração para exercer o poder do Império Romano – também conhecido como um jogo de poder ou um aumento de ego.
A muralha ficou concluída em 128 d.C. e, 10 anos depois, Adriano morreu. Um novo imperador tomou o seu lugar e não deu muita importância à muralha. Pouco tempo depois, o poder dos romanos na região começou a diminuir e, em 410 d.C., o domínio romano terminou.
“A muralha não impediu a perda da Bretanha”, lembra Daniel Jütte, professor associado de História da NYU. “E não impediu o colapso do Império Romano.”
Hoje, a Muralha Romana é Património Mundial.
O Muro de Berlim
O Muro de Berlim foi construído em 1961 com um objetivo específico: cercar Berlim Ocidental e impedir qualquer pessoa de entrar ou sair.
Os historiadores apontam o muro como a “cortina de ferro” literal durante a era da Guerra Fria. O muro de 4,5 metros era fortemente vigiado e a única forma de passar legalmente era através de postos de controlo. Durante os 28 anos de existência do muro, houve cerca de cinco mil fugas bem-sucedidas para a Alemanha Ocidental, mas algumas centenas de pessoas também perderam a vida a tentar atravessar o muro.
Algumas pessoas recorreram à escavação de túneis para passar por baixo do muro, uma técnica também utilizada com o muro na fronteira entre os EUA e o México.
“Agora é uma atração turística – o que resta dele”, disse Jütte. “Como todos os outros muros da história, não resistiu ao curso do tempo”.
A queda do Muro de Berlim, em 1989, simbolizava um novo mundo sem fronteiras que encorajava o fluxo de pessoas e bens.
Atualmente, o Muro de Berlim desapareceu há mais tempo do que estava de pé.
Muro da fronteira EUA-México
Esse novo mundo sem fronteiras mudou com os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 e os muros começaram a ser erguidos novamente. Em 2006, foi aprovado o Secure Fence Act e foram erguidas as primeiras vedações na fronteira entre os EUA e o México. De acordo com a Alfândega e Proteção das Fronteiras dos EUA, foram detidas 1.071.972 pessoas em 2006. No ano seguinte, iniciou-se a construção da vedação e as apreensões diminuíram em mais de 200 mil. O muro também reduziu a migração de animais. Espécies ameaçadas de extinção, como as jaguatiricas do Vale do Rio Grande, vivem ao longo da fronteira há quase um século. Existem apenas 52 jaguatiricas documentadas nos EUA e todas estão no sudeste do Texas.
“O delta do Rio Grande é uma das áreas de desenvolvimento mais rápido dos Estados Unidos”, diz Michael Tewes, da Texas A&M University, que estuda jaguatiricas há 35 anos. “Portanto, esse será um aspeto ameaçador para a população de gatos e para a sua capacidade de se dispersar e ocupar outras áreas”.
A administração Trump propôs um muro fronteiriço que atravessaria o Refúgio de Vida Selvagem de Santa Ana, no Texas – um habitat privilegiado para as jaguatiricas.
Fronteira Eslovénia-Croácia
A próxima grande migração foi a crise dos refugiados na Europa. Em 2015, os migrantes começaram a fugir de África e do Médio Oriente em números recorde. A Hungria fechou as suas fronteiras, o que deixou a fronteira entre a Eslovénia e a Croácia totalmente aberta. Em resposta, a Eslovénia construiu uma vedação de arame farpado com 416 quilómetros. Os investigadores do Instituto Norueguês de Investigação da Natureza afirmam que a vedação transnacional pode causar estragos na vida selvagem que se estende por ambas as fronteiras.
“A vida selvagem será sempre uma vítima inocente de uma vedação fronteiriça”, observa Linnell.
Três espécies ameaçadas de extinção que utilizam a fronteira como via migratória: o urso pardo, o lobo cinzento e o lince poderão sofrer perdas populacionais devido à impossibilidade de se reproduzirem. O lince – tal como a jaguatirica – está ameaçado pela sua pequena população e pelo grau de consanguinidade, que se torna exacerbado por uma barreira física.
A vedação “foi uma reação imediata a um movimento de pessoas sem precedentes”, refere Linnell. “É provável que as pessoas ainda estejam a sair da Síria, mas simplesmente não estão a conseguir chegar à Europa.”
Quase todos os muros anteriores ao 11 de setembro têm algo em comum: ou já não existem ou já não são utilizados como fronteira defensiva.
“Não estávamos à espera de toda esta questão”, completa Linnell. “Penso que nenhum de nós previu a dimensão dos problemas que iriam surgir no século XXI. Pensávamos que tínhamos deixado tudo isto para trás durante a Guerra Fria, mas na realidade estava a acontecer totalmente o contrário.”