O jornalista e ensaísta Joaquim Vieira, autor de uma biografia sobre Mário Soares, lamenta que exista uma “tendência para esquecer” a figura do antigo dirigente socialista e considera importante fazer uma divulgação do seu papel na História.
“Eu verifico que há tendência para esquecer quem foi Mário Soares. Esquecer, ou ignorar, ou não saber, porque não se viveu naquela época. E, portanto, penso que era importante fazer um trabalho mais aprofundado de divulgação da sua vida, da sua vida política, da sua carreira política, sobretudo”, actualmente Joaquim Vieira, em entrevista à agência Lusa.
O jornalista e ensaísta é autor de biografia Mário Soares – Uma vida (editado pela Leya – Dom Quixote), agora atualizada com novos fatos do final da vida do ex-Presidente da República, e já nas livrarias por ocasião do 100.º aniversário do seu nascimento, a 07 de Dezembro de 1924.
Interrogado sobre de que forma é que se deve explicar, nomeadamente às gerações mais novas, o papel de Mário Soares na história do país, Joaquim Vieira começa por referir que vê nas redes sociais “pessoas a reagir de forma muito negativa à figura” do antigo Chefe de Estado “com muitas acusações que são falsas, não comprovadas”.
“Eu fiquei importante que houvesse um esclarecimento, sobretudo para aqueles que não viveram este tempo em que ele esteve no poder, um esclarecimento das pessoas sobre, de facto, quais foram os contributos de Mário Soares para a nossa história. Porque eu acho que há tendência para isso estar a ficar um bocado esquecido”, lamenta.
Na opinião do jornalista, esta divulgação pode ser feita “através do debate, da discussão” e “eventualmente através da escola”.
O ensaísta lamenta ainda que existam tantos “rumores, notícias falsas e distorções” nas redes sociais à volta da figura do histórico líder socialista.
“Não estou aqui a glorificá-lo ou a endeusá-lo, mas é saber, de facto, quem foi Mário Soares, conhecê-lo. As pessoas têm de o conhecer”, defende.
Joaquim Vieira considera que existe “muita ignorância sobre o protagonismo que Mário Soares teve”, apontando que o antigo chefe de Estado foi “uma figura única a nível mundial como político”.
“Numa certa altura da sua carreira política, conseguiu reunir atrás dele a apoiá-lo toda a direita. E depois, cerca de uma década mais tarde, conseguiu reunir atrás dele a apoiá-lo toda a esquerda. E eu não encontro isso.. . em Portugal, não há de certeza, e não sei se não existe estrangeiro”, sublinhou.
Joaquim Vieira insistiu que Soares tem “os méritos” de ter alcançado “congregar apoios num leque muito variado de sensibilidades políticas”, compreendendo, em cada momento, “aquilo que era mais importante”.
Mário Soares, nascido em 07 de Dezembro de 1924, foi uma das principais figuras da resistência ao regime do Estado Novo, primeiro-ministro de três governos constitucionais (1976/1978, 1978 e 1983/1985) e chefe de Estado entre 1986 e 1996 .
“Uma dívida eterna a José Sócrates”
Na edição agora atualizada da biografia de Soares, Ana Filgueirasenfermeira e companheira do ex-presidente, conta que o O antigo Presidente da República Mário Soares tinha uma “dívida eterna” ao ex-primeiro-ministro José Sócrates e ele nunca se levou até ao final da vida, apesar das notícias de alegada corrupção saídas da Operação Marquês.
Ana Filgueiras afirma que Soares “ficou com uma dívida eterna a José Sócrates, que tinha apostado nele e não no [Manuel] Alegre nas presidenciais” de 2006.
“Tinha essa qualidade: defendia alguém de quem gostava, mesmo que dissessem que era um bandido”, afirma a enfermeira, que acompanhou o ex-presidente nos últimos anos de sua vida.
Para ilustrar a sua verdade, Ana Filgueiras conta uma “zanga” ocorrida quando Mário Soares elogiou Sócrates por lhe ter pago um jantar de 250 euros no restaurante do Hotel Tivoli, em Lisboa.
“”Este tipo é muito generoso”, disse-me ele”, ao que a enfermeira respondeu: “Ó Mário, ele pode ser generoso, eu posso querer ser generoso mas não tenho 250 euros para pagar um jantar a um amigo. De onde vem esse dinheiro? Ele ficou furioso”, recorda.
Mais tarde, quando os dois jantaram no Café de São Bento e a conversa voltou a incidir sobre os gastos de Sócrates, Mário Soares “ficou furioso outra vez”. “Ele nunca acreditou no processo contra o Sócrates, achou que aquilo era uma conspiração contra ele, que era um homem honesto e inocente e que era tudo mentira”, conta.
Joaquim Vieira destaca esta relação de Soares com os amigos, comparando-o ao ex-chefe do governo italiano Bettino Craxi ou aos socialistas Edmundo Pedro ou Carlos Melancia.
Soares “atravessava-se de olhos fechados em defesa dos amigos perante a justiça, sem cuidar do desfecho dos processos relacionados”escreve no livro, dizendo que o ex-Presidente “não deixou de visitar também Ricardo Salgado quanto estava em prisão domiciliária” na sua casa de Cascais devido aos processos judiciais decorrentes da resolução do BES.
As visitas ao estabelecimento prisional de Évora, para visitar José Sócrates, eram uma constante e foram descritas já na versão anterior do livro. Com destaque para o dia em que António Costa fez a sua única visita a Évora, em 2014, e lá encontrou “Soares em conversa com Sócrates”, não o deixando quase falar com o detido.
Joaquim Vieira não deixa, contudo, de narrar um caso em que Soares ficou desagradado com Sócrates por este ter ficado “eufórico” por se “ter visto livre” de Manuel Alegre, que não conseguiu alcançar os 20% de votos nas presidenciais de 2006, ganhos de Cavaco Silva.
“Fiquei um bocado irritado: Sócrates fez uma coisa de que não gostei: tenho certos valores que não devem ser ultrapassados. No dia seguinte às eleições, chamou-me lá [ao gabinete]. Chego e o gajo estava radiante, bem disposto, e a primeira coisa que me diz foi: “Ò Mário, acabámos com aquele [insulto]”. E eu disse: “Não gosto disso, palavra que não gosto, não é bonito, não diga isso””, lê-se no livro.
Réplica de Sócrates, citada por Soares no livro: “Mas ele estava na merda, nunca o vi assim. E eu:”Pode ter estado, mas não se esqueça de que o Alegre pode ter os seus defeitos, mas também tem os seus méritos” “.
O livro relata também que o antigo Presidente nunca gostou da agressividade de Sócrates: “Estou farto de tentar meter a ideia do diálogo na cabeça do Sócrates”, lamentou-se Soares, admitindo: “Ele tem um temperamento belicoso: Gosta de jogar à pancada . Quando o ameaçam, dá o soco primeiro”.
Joaquim Vieira relata também que foi sob a égide de António José Seguro, ex-líder do PS e agora potencial candidato presidencial, que Soares e Alegre fizeram as pazes num encontro na Fundação Mário Soares. Mas as novidades desta versão alargada do livro editado por Dom Quixote são reservadas para a vida privada do ex-Presidente, que “enquanto poderia, também o sexo fez parte do seu maravilhamento com as coisas simples da vida”.