A vitória categórica de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos é uma expressão inequívoca do seu posicionamento protecionista e isolacionista. Enquanto os líderes mundiais se dividem cada vez mais entre alianças regionais e confrontos de interesses energéticos, a ascensão de Trump representa o desejo de um país focado em si mesmo, distante das interdependências globais que caracterizaram as últimas décadas.
Desde o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos assumiram uma posição de liderança no processo de globalização, promovendo uma economia aberta e um mercado global interligado. No entanto, esse modelo de integração global, que durante anos garantiu uma maior aproximação entre países e blocos económicos, começa a desmoronar-se. Como observava Durão Barroso há pouco tempo, o mundo está a caminhar para a “regionalização”. Alguns especialistas chegam mesmo a considerar esta análise muito moderada face ao que está realmente a acontecer: uma cisão global.
A tendência fragmentária reflete-se em decisões estratégicas de outros grandes atores. China, Rússia e Coreia do Norte aproximam-se com uma visão de “nova ordem mundial”, movida por uma noção de autossuficiência que parece dispensar a hegemonia ocidental. A enfraquecida União Europeia tenta afirmar-se de forma independente dos Estados Unidos, com Emmanuel Macron a defender a “autonomia estratégica” europeia. A Rússia encontra na Índia e na China parceiros cruciais para escoar o seu petróleo, contornando as sanções ocidentais. Trata-se de um cenário em que os recursos energéticos, particularmente o petróleo, deixam de ser apenas commodities e tornam-se armas geopolíticas.
Nesse contexto de crescente fragmentação e conflito de interesses, a visão protecionista de Trump encontra ressonância. A sua política de “América Primeiro” pretende recuperar o controlo económico e político do país, limitando a interferência externa e reduzindo a dependência de parceiros comerciais que, agora, se alinham em blocos que desafiam diretamente os interesses norte-americanos. É uma estratégia que faz sentido num mundo onde os riscos da interdependência se tornaram mais evidentes e onde o petróleo, cada vez mais disputado, gera alianças que ameaçam os equilíbrios tradicionais.
Depois, o seu regresso à Casa Branca simboliza o retorno à política de isolamento face às responsabilidades climáticas globais. Com a crise climática a intensificar-se, a transição energética urgente defendida por instituições como a ONU encontra na vitória de Trump um obstáculo difícil de ignorar. Trump sempre se mostrou cético em relação às metas de redução de emissões e à transição para energias renováveis, preferindo investir em combustíveis fósseis para assegurar o crescimento económico imediato dos Estados Unidos. Ao assumir esta postura, o agora presidente reeleito intensifica o fosso entre os blocos que ainda tentam liderar a transição e os que se mostram relutantes.
Enquanto António Guterres e outros líderes mundiais alertam para os perigos de uma cisão cada vez mais acentuada, a vitória de Trump materializa o que muitos consideram ser o desmoronamento de um mundo globalizado. A lógica de blocos, fomentada pela interdependência dos recursos e pela instabilidade dos mercados, leva a uma competição feroz onde o nacionalismo económico de Trump se tornará, provavelmente, o reflexo natural de uma nova era.
Se a globalização foi a marca do final do século XX, o início do século XXI parece destinado a ser lembrado como a era dos blocos e da regionalização, em que interesses energéticos e geopolíticos dividem o mundo. A vitória de Donald Trump, nesse sentido, é coerente com o momento atual: um mundo que se afasta das alianças tradicionais e que entra, inevitavelmente, numa cisão marcada pela rivalidade entre grandes potências.