No plano bilateral, não se esperam grandes mudanças. A ligação diplomática entre Portugal e os EUA é antiga. E, a partir de Washington D.C., não há motivos sequer para pensar num país com a dimensão do nosso. Trump chegou a admitir em 2018, quando uma comitiva portuguesa entrou na Casa Branca, que a relação problemática é mesmo com a União Europeia. E é por aí, pelas integrações internacionais, que, enquanto país, podemos ficar a perder. Se Trump exigir que os membros da NATO cumpram com a contribuição de 2% do PIB, em Lisboa vai ser preciso fazer muitas contas
Era junho de 2018. Marcelo Rebelo de Sousa rumava à Casa Branca, em Washington D.C. para reunir-se com o então presidente dos Estados Unidos da América. Sim, Donald Trump, que vai voltar a ocupar a Sala Oval.
“Acompanhei o Presidente da República nessa viagem, que correu bastante bem”, recorda Augusto Santos Silva, à época ministro dos Negócios Estrangeiros. De Trump, enquanto figura, a memória também é clara: “Lembro-me da sua personalidade, que se caracteriza por uma certa excentricidade e excesso”.
Afinal, Trump é o exemplo perfeito de como uma celebridade pode tornar-se um líder mundial. No encontro, Marcelo Rebelo de Sousa falou de outra estrela: Cristiano Ronaldo que disputava o Mundial de futebol na Rússia. Seis anos depois, a Rússia – ou melhor, a sua guerra na Ucrânia – é precisamente um dos pontos onde a nova presidência de Trump gera ansiedades.
E Portugal, como membro da NATO, pode ficar a perder.
Portugal pode sentir os efeitos via NATO
Ao chegar à Casa Branca, Marcelo surpreendeu Trump com um aperto de mão vigoroso. Lembrou a “longa e duradoura amizade” entre os dois países, o facto de Portugal ter sido o “primeiro país neutral” a reconhecer a independência dos EUA – um feito celebrado “com o nosso vinho da Madeira”.
Além disso, vincou o Presidente da República, há 1,5 milhões de portugueses e lusodescendentes em território americano. “Não é apenas uma aliança militar, política e económica”.
E como fica essa aliança perante um Trump que parece mais extremado? Nas relações bilaterais, dizem os especialistas ouvidos pela CNN Portugal, não há muito a temer ou que vá mudar. Os “problemas” vão é chegar pela integração nacional nas instituições onde o presidente norte-americano não se revê.
“A última coisa com que os EUA se preocupam é com Portugal e com a Base das Lajes”, resume o embaixador jubilado Francisco Seixas da Costa.
A posição atlântica de Portugal traz outra referência à conversa: a NATO. “O problema para Portugal pode ser a exigência de Trump que todos os estados-membros contribuam com 2% do PIB”, vinca José Palmeira, especialista em relações internacionais. “É um problema, porque afeta os nossos orçamentos”, completa Seixas da Costa.
Os dois países têm ainda acordo de cooperação na defesa e segurança. José Palmeira admite à CNN Portugal que a postura protecionista de Trump, com “desinvestimento” fora das fronteiras americanas, poderá “enfraquecer um pouco o papel de Portugal como plataforma entre os diferentes continentes”.
“Portugal não é como os Estados Unidos”
“Temos uma relação tremenda com Portugal”, “um país de grande beleza e de grandes pessoas”, caracterizou Trump em 2018. Apesar de ter sido convidado por Marcelo Rebelo de Sousa, não fez qualquer visita oficial a Portugal.
Se a nível europeu é esperado que a nova presidência de Trump traga uma diferente abordagem na relação, com Portugal deverá ser para manter como está.
“O relacionamento bilateral é sempre bastante fácil. A coisa complica-se é quando se passa para o nível europeu. Lembro-me de, nessa reunião [em 2018], o presidente Trump fazer essa distinção”, refere Augusto Santos Silva, lembrando a relação “muito boa, sólida e equilibrada” entre os dois países. “Não vejo como pode piorar. Nunca fomos nem somos um problema para os EUA”.
O que não quer dizer que Portugal não possa vincar as diferenças dos dois lados do Atlântico. Foi isso que, em 2018, Marcelo Rebelo de Sousa fez num tom amigável quando Trump lhe disse que Cristiano Ronaldo ganharia num frente a frente por Belém: “Portugal não é como os Estados Unidos. É um pouco diferente”.
Trump “arrogante” a olhar para dentro, Europa a ter de descobrir trunfos
Já em 2024, e antes de conhecido o resultado, Marcelo alertava que a vitória de Trump poderia significar “um mau relacionamento com a Europa”. Sendo o “segundo adversário económico dos EUA”, o velho continente acabar por ser um alvo do protecionismo do futuro presidente americano.
Mas como vai a Europa – e o mundo – dialogar com um Trump com um “poder desmesurado”, centrado na sua pessoa, que lhe é dado por liderar a principal economia do mundo, mas também pelo voto nacional, pelo Congresso, pelo Supremo Tribunal e pela maioria dos governadores do país?
“É um desafio imenso. No fundo, dialoga-se nos espaços que ele nos dá. As instituições que lidam com Trump têm de ter esta realidade presente, jogar as próprias cartas e, sobretudo, jogá-las entre si”, resume Francisco Seixas da Costa.
E acrescenta: “Trump tem um poder praticamente inédito em termos de personalização. E vai, provavelmente, afirmar os interesses norte-americanos de uma forma arrogante. Vai ser um capítulo totalmente negociações diplomáticas”.
Mas, vincam os especialistas, Trump não tem necessariamente rédea solta, mesmo sendo presidente. “Não sei até que ponto haverá uma mudança nos principais vetores da política externa americana. Trump pode ficar bastante condicionado pelo Partido Republicado. E, ao contrário do mandato anterior, tem um vice-presidente bastante sólido do ponto de vista ideológico”, argumenta José Palmeira.
Para concluir: “uma coisa é o que se diz quando não se tem responsabilidade, outra é o que se faz quando se tem essa responsabilidade”.