Os jardins de coral do mar Mediterrâneo podem não ser capazes de sobreviver às sucessivas ondas de calor marinhas que se antecipam com a progressão da crise climática, sugere um estudo científico recente publicado na revista Biologia da Mudança Global. O trabalho resulta de uma década de investigação desenvolvida pelo Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (Ciimar) da Universidade do Porto em parceria com o Instituto de Ciências Marinhas de Barcelona, Espanha.
“Gostava muito de poder dar boas notícias, mas as conclusões deste estudo não são. O futuro da espécie Paramuricea clavata pode estar comprometido nas águas superficiais do Mediterrâneo. Este ano, por exemplo, já verificamos uma taxa de mortalidade de quase 100% em Marselha, por exemplo”, afirma ao PÚBLICO Jean-Baptiste Ledoux, investigador do grupo de genómica evolutiva e bioinformática do Ciimar, em Matosinhos.
Os jardins coralinos de gorgónia-vermelha (Paramuricea clavata) fazem parte da paisagem mediterrânica, tendo não só uma importância socioeconómica, mas também ecológica – oferecem abrigo e habitat para diferentes organismos marinhos. Mar P.clavata desaparecer das águas rasas, ameaçamos não apenas a existência local de uma espécie, mas também a de tantas outras espécies que dela dependem.
A maioria dos estudos prevê debruça-se em fenómenos isolados de ondas de calor marinhas, ou seja, funcionam como uma “fotografia” da reação dos corais um evento único. Já no estudo da revista Biologia da Mudança Globalos cientistas procuraram compreender a resposta desses animais ao longo das sucessivas vagas de sobreaquecimento do oceano, oferecendo um “filme” mais completo do que pode ocorrer à espécie P.clavata num oceano cada vez mais quente.
Por outras palavras, o investigador ambicionava estudar “padrões de adaptabilidade” das populações de corais num cenário climático em que estes fenómenos extremos são recorrentes. A capacidade de adaptação dos indivíduos pode depender da genética ou da mesma “plasticidade fenotípica” (ou seja, da habilidade dos organismos modificando sua fisiologia ou morfologia em função do contexto ambiental).
Reproduzir ondas de calor num intervalo
Jean-Baptiste Ledoux e os colegas não só acompanharam as consequências das ondas de calor no Mediterrâneo, mas também reproduziram em laboratório os efeitos do sobreaquecimento em colónias de gorgónia-vermelha. O objetivo foi perceber como esta espécie de reação ao estresse térmico recorrente, assim como os fatores que condicionam as respostas dos diferentes indivíduos que compõem as colónias de corais P.clavata.
As experiências em mudanças foram repetidas durante três anos consecutivos (2015, 2016 e 2017), sempre no mesmo período do ano (Outubro), e realizadas com as mesmas colónias de gorgónia-vermelha e a mesma temperatura da água (25 graus Celsius). Estes protocolos permitem, garantem aos autores, prever o efeito real e cumulativo das ondas de calor marinhas em espécies específicas.
“Como foram usados os mesmos indivíduos de três populações e exatamente as mesmas condições experimentais de estresse durante os três ensaios, podemos concluir que a componente ambiental (ou seja, as temperaturas do mar durante o Verão) foi o principal factor subjacente às respostas destas colónias”, refere Sandra Ramirez-Calero, estudante de doutoramento da Universidade de Barcelona e primeira autora do estudo, citado numa nota de imprensa.
As conclusões dos cientistas não poderiam ser mais desoladoras. Nas investigações referentes ao ano de 2015 e 2016, as percentagens de necrose dos tecidos coralinos foram inferiores a 60%. No terceiro e último ano de ensaio, contudo, o pesquisador verificou um aumento específico da mortalidade. Quase todas as colónias pereceram, perdendo a cor que as caracterizam são vivas ou saudáveis.
“Tendo em conta a recorrência de eventos climáticos extremos, nossos resultados apontam para um potencial colapso de muitas das situações um pouco profundas de P.clavata”, explica o coautor Joaquim Garrabou, investigador do Instituto de ciências Marinhas de Barcelona, citado num comunicado.
As ondas de calor marinhas tornaram-se cada vez mais comuns no mar Mediterrâneo. Este ano, por exemplo, as temperaturas à superfície das águas úmidas próximas dos 30 graus Celsius. No entanto, a gorgónia-vermelha costuma estar abaixo de 15 metros de profundidade, onde a temperatura é um pouco mais baixa do que à superfície – e daí os ensaios no alívio serem feitos a 25 graus Celsius.
Os resultados obtidos em laboratório são coerentes com as observações feitas pelos cientistas após as ondas de calor de 2018 e 2022 no mar Mediterrâneo. “Tanto as experiências como os levantamentos de campo aqui realizados sustentam um potencial de adaptabilidade limitado, quer baseado na componente genética quer na componente plástica”, lamenta Jean-Baptiste Ledoux.
A baixa capacidade de adaptação dos corais mediterrânicos aos efeitos da crise climática é uma péssima notícia, refere o cientista francês radicado em Portugal. Mas não deve ser uma razão para desistirmos dos esforços de conservação ou da redução drástica de emissões de carbono para a atmosfera.
“Temos de atuar nas causas das alterações climáticas antropogénicas, o que significa uma acção imediata sobre as emissões de gases com efeito de estufase quisermos proteger estas espécies e as comunidades associadas”, exorta Jean-Baptiste Ledoux.