Foi aprovada, esta terça-feira, a proposta de referendo local sobre o Alojamento Local (AL) na Assembleia Municipal de Lisboa (AML). A iniciativa partiu do Movimento Referendo pela Habitação e das questões a seguir para aprovação do Tribunal Constitucional.
A proposta de conversão da iniciativa popular para referendo local foi aprovada com os votos compostos do PS, Bloco de Esquerda, Livre, PAN, PEV e deputados não inscritos Daniela Serralha e Miguel Graça. O PCP e a Aliança abstiveram-se. Já PSD, CDS, Iniciativa Liberal, Chega, PPM, Aliança e a deputada não inscrita Margarida Penedo votaram contra, mas não foi suficiente para travar o processo.
O Movimento Referendo pela Habitação (MRH) encabeçou a iniciativa, entregando na AML, a 8 de Novembro, cerca de 6600 assinaturas de residentes do concelho e, assim, solicitando a realização do referendo.
A proposta que avança para o Tribunal Constitucional para validação de duas questões. A primeira sobre o cancelamento, no prazo de 180 dias, de todos os alojamentos locais em imóveis destinados a habitação e a segunda sobre a exclusão de novos registos de AL nessas condições.
O Tribunal Constitucional terá 25 dias para a apreciação da proposta e formulação das questões sobre sua constitucionalidade. Caso a valide, caberá ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, marcar os dados da consulta popular.
Se aprovada pelo TC, esta proposta pode tornar-se a primeira consulta popular em Portugal originada por um movimento de cidadãos. Acontecendo e tendo uma vitória do “Sim” à primeira pergunta, Lisboa poderá ver extintos mais de 19 mil alojamentos locais actualmente em funcionamento.
CML com pouca representação no momento histórico
A representante da MRH, Teresa Mamede, agradeceu aos deputados por analisarem uma iniciativa de mais de 11 mil pessoas que apoiaram a proposta de referendo, por um “movimento que ousou ativar, pela primeira vez na história, uma ferramenta de democracia directa prevista na Constituição “.
A deputada municipal Isabel Pires (BE), autora do relatório da comissão eventual criada ao abrigo do regime jurídico do referendo local, salientou o “momento inédito” na democracia portuguesa e, por isso, gostaria de ver a Câmara Municipal “muito mais representada” , depois do presidente da autarquia, Carlos Moedas (PSD), e de outros vereadores saíram da sessão.
O deputado municipal António Morgado Valente explicou que “o PAN não é contra o alojamento local, no entanto em cidades como Lisboa ou Porto existem graves problemas com a falta de oferta de imóveis no mercado de locação”, mas “infelizmente não se agiu a tempo ” para resolver esses problemas.
Para José Sobreda Antunes, do PEV, uma iniciativa baseia-se na dificuldade do “acesso à habitação”, com o preço insuportável das casas que obriga os lisboetas a sair da cidade, e na falta de medidas dos “poderes públicos” que levaram habitantes a defender um direito na Constituição, citando a canção Hostel da Mariquinhas de Gisela João.
A deputada Natacha Amaro notou que, para o PCP, “o crescimento desregulado do alojamento local”, no quadro geral desordenado do turismo, “é uma das causas do problema da falta de habitação a preços acessíveis, mas também é preciso intervir sobre a lei do empréstimo e das taxas de juros nos empréstimos bancários.
“Já percebemos que não querem regular o alojamento local, querem é acabar com ele”, referiu Angélique Da Teresa (IL), acusando a iniciativa de “caça às bruxas” e que com “clínicas, centros de diagnóstico, escritórios, pensões, centros de estudo, cabeleireiros, centros de estética, sedes de partidos políticos e hotéis” não há “problema algum”.
O socialista Ricardo Marques também assinalou o momento histórico que mereceria ter presente “toda a vereação, de todos os partidos”, pela iniciativa do movimento popular, frisando que a assembleia não ia “debater o alojamento local”, mas se as 6550 assinaturas de munícipes merecem ser transformados em referendo, dando como exemplo a consulta popular em Benfica sobre zonas de estacionamento tarifadas.
Para Martim Borges de Freitas, do CDS-PP, “o referendo, a existir, não será pela habitação”, antes será “completamente contra o alojamento local”, atividade económica que, pelas suas características, é desenvolvida por “famílias e pequenos proprietários “em imóveis de habitação.
A deputada Ofélia Janeiro, do Livre, saudou a “iniciativa cidade”, que “está previsto na lei”, defende “o direito à habitação” e, por isso, cabe ao Tribunal Constitucional a “verificação jurídica” e não à assembleia municipal.
A social-democrata Ana Mateus entende que as perguntas levadas ao Tribunal Constitucional “se enquadram em suprimentos do referendo local”, por se tratar de questões reguladas por ato legislativo ou relativas às autarquias.
Este processo foi iniciado em 2022, mas desde 2017 que a acção de grupos na luta pelo direito à habitação se faz sentir em Lisboa. O Movimento Referendo pela Habitação, apesar de ter nascido um ano antes, iniciou a recolha de assinaturas em Novembro de 2023.
O MRH reuniu um total de 11 mil assinaturas, mas apenas 6.550 eram residentes de residentes em Lisboa. Ainda assim, o número foi suficiente para realizar as 5000 ocorrências.
Raquel Antunes, uma das representantes do movimento, explicou ao PÚBLICO, a 7 de Novembro, que “o grande objectivo, explícito desde o princípio do processo, é fazer frente à crise da habitação. Acreditamos que as casas têm, sobretudo, um fim social e entendemos que seria legítimo usar esta ferramenta da democracia direta para responder às imensas dificuldades que as pessoas têm sentido nesse campo”.
Um referendo local é um instrumento de democracia direta, através do qual as pessoas são chamadas a pronunciar-se sobre um determinado assunto, por sufrágio. Previsto no artigo 240º da Constituição, o referendo pode acontecer em qualquer autarquia local, com exceção de freguesias em que a assembleia seja obtida pelo plenário dos cidadãos eleitores. No entanto, só pode ser usado em questões de interesse específico local, a serem decididas por órgãos autárquicos municipais ou de freguesias.
Notícia atualizada às 23h52 com declaração dos deputados municipais.