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O governo de Portugal prometeu, em junho deste ano, dentro do novo plano para migrações, ampliar o número de funcionários nos consulados portugueses no Brasil e nos demais países da Comunidade de Língua Portuguesa (CPLP). O primeiro-ministro, Luís Montenegro, chegou a cravar o número de pessoas que seriam contratadas para esses e demais postos consulares: 50. Seis meses se passaram, e o que se vê é o aumento do caos nas repartições lusas espalhadas pelo mundo, sobretudo, no território brasileiro. A demora para a emissão de vistos é tamanha que as famílias estejam sendo afastadas e a frustração impera.
O pernambucano Alexandre Alves fez tudo como manda o figurino. Preparou a documentação, contratou uma empresa de consultoria e um advogado para auxiliá-lo a solicitar o visto de procura de trabalho em Portugal. Ele e a mulher, Camila, 28 anos, seguiram todas as recomendações. Compraram passagem de volta para o Brasil (R$ 3,5 mil cada), contrataram alojamento para o casal por quatro meses (R$ 5 mil) e gastaram mais de R$ 2 mil para exigir o visto e apostilar os documentos. Era junho deste ano.
Após Alexandre e Camila darem entrada formal nos pedidos, os funcionários do consulado garantiram que tudo seria resolvido em, no máximo, 90 dias úteis. “Acreditamos e nos planejamos dentro do que nos foi orientado. Mas o tempo passou e só acumulamos prejuízos. Tipo de comprar outras passagens e marcar quatro vezes o alojamento em Portugal. Perdemos muito dinheiro. Não é justo”, afirma o pernambucano de Caruaru, operador de logística.
O pior, para ele, está sendo passar o Natal longe da mulher, cujo visto saiu em outubro. Para evitar mais perdas financeiras, Camila embarcou sozinha para Portugal, onde já tinha emprego garantido como designer de unhas em gel.
Alexandre faz parte de várias comunidades nas redes sociais com centenas de pessoas enfrentando o mesmo problema nos consulados: atrasos de seis, oito meses nos processos de vistos. “Há casos relatados sendo relatados, como o de uma senhora e sua filha, menor de idade, que conseguiu os vistos, mas o marido, não. A menina está doente, teve uma trombose, e o pai não pode estar próximo dela. Tudo por causa da burocracia”, relata o pernambucano.
São muitos os casos
Ricardo Nascimento, 41, de Natal, também está enfrentando problemas no consulado de Salvador. Ele invejou o processo em junho e até agora não recebeu uma resposta definitiva, mesmo após cumprir todos os critérios de comprovação de capacidade financeira e estadia. “Já mandei e-mails e liguei várias vezes, mas só recebo respostas automáticas solicitando para aguardar. O planejamento foi por água abaixo, e o psicológico está muito abalado”, desabafa.
A educadora física Jhay Figueiredo, 46, também de Natal, vive drama semelhante. Após dar entrada no pedido de visto em junho, ela relata que precisou cancelar e remarcar reservas de alojamento e passagens por diversas vezes, acumulando multas e gastos inesperados. “Perdi os dois empregos que tinha e estou há seis meses sem trabalhar, gastando o dinheiro das coisas que vendi. É desumano”, afirma.
Apesar de ter enviado as mesmas documentações para o processo dela e do esposo, apenas o visto dele foi aprovado. “Não faz sentido. É um descaso completo com as pessoas, e quem inveja os pedidos depois já está tendo respostas. Isso mostra que não está seguindo uma sequência correta”, reclama Jhay.
Alívio nova da lei
Neste ano, mais de 50% de todos os vistos emitidos pelos consulados portugueses no Brasil são para procura de trabalho. Em 2023, os pedidos representavam 31% do total de documentos emitidos. Por meio desses vistos, brasileiros e demais cidadãos da CPLP podem ficar 120 dias em Portugal em busca de trabalho, prazo que pode ser estendido por mais 60 dias com autorização da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).
Especialistas ouvidos pelo PÚBLICO Brasil acreditam, porém, que as requisições desses vistos tenderão a diminuir antes da decisão da Assembleia da República de mudar a Lei de Estrangeiros (23/2007). A partir da promulgação do novo texto pelo presidente Marcelo Rebelo de Sousa, brasileiros e timorenses poderão entrar em Portugal como turistas e, já em território luso, necessitar de autorização de residência. A expectativa é de que as novas regras entrem em vigor ainda no primeiro trimestre de 2025.
Se a medida aliviar a crise vivida pelos consulados portugueses no Brasil, o tempo dirá. Para pessoas como Alexandre, Ricardo e Jhay, o prejuízo financeiro e emocional já está acumulado, deixando marcas difíceis de apagar.