A maioria dos pais prefere falar sobre preservativos a falar sobre cartões de crédito, Mellody Hobson, co-CEO da Ariel Investimentos
Saíram por estes dias os resultados de proficiência dos adultos em alfabetização, numeração e resolução de problemas. Portugal participou pela primeira vez neste inquérito da OCDE (31 países, adultos 16-65 anos). Trinta por cento dos adultos tiveram as piores derrotas nos três domínios em conjunto, em contraste com a média de 18%. E se analisarmos cada indicador por si próprio, em todos eles ultrapassamos 40% nas mais baixas, o que é um cenário altamente preocupante. Talvez possamos pôr em perspectiva: 40% das pessoas não entendem este parágrafo.
No que diz respeito à “literacia”, 42% dos adultos obtiveram pontuação no Nível 1 ou abaixo (média 26%). Na prática, o que significa é que proporciona, “no máximo, compreenda frases curtas e simples”. Quarenta e 42% dos adultos obtiveram pontuação no Nível 1 ou abaixo em “numeracia” e “resolução de problemas”, respetivamente. Na prática, são feitos cálculos básicos, mas eles têm dificuldade em tarefas com mais de uma etapa ou calcular uma proporção. Ou seja, se só tiver cinco ovos e quiserem fazer uma receita de seis, qual o ajuste que deve fazer na farinha?
Os dados são prejudicados nas gerações mais velhas, o que se deve naturalmente à influência do acesso e da qualidade à educação ao longo das gerações, mas também significando uma incapacidade na aprendizagem, autoformação e falhanço nos programas de requalificação. Quanto à geração mais nova – a tal mais qualificada de sempre (o que é normal, os filhos estão sempre mais bem preparados do que os pais, exceto em situações extremas como no Afeganistão) –, a OCDE salienta que os nossos licenciados têm menor literacia do que os finlandeses com o secundário. Não está tudo bem.
Os são francamente maus, e importantes pensar nos resultados. Uma ótica mais econômica alerta logo para problemas de qualificação da mão de obra e de produtividade. Num mundo em transformação, dificulta a requalificação profissional e perpetua o desemprego de longa duração em pobreza menos deficiências e em zonas económicas mais deprimidas. A solução de recurso é apostar em trabalhos repetitivos ou no turismo. É um padrão de especialização amargo, sem possibilidade de gerar elevado valor acrescentado, inviável com o design de melhores resultados.
Os impactos continuam: dificuldades no dia a dia, desde a comparação de preços de produtos no supermercado até a otimização de custos e horários nos transportes.
Numa altura em que proliferaram notícias falsas via redes sociais, a permeabilidade à manipulação ou fraude é muito maior. O exercício dos direitos (e também das obrigações) fica mais difícil. Incapacidade de interpretar o que nos rodeia, de pedir informações e receber instruções, seja num hospital ou na tremenda barreira de informações na administração pública.
Tudo isto agrava as diferenças socioeconómicas e deteriora a qualidade da democracia. Não será mais livre se formos conscientes nas escolhas e com escolhas mais informadas? Não é também a luta pela alfabetização uma luta em favor de menos lacunas socioeconômicos? Este é um fenómeno complexo que passa pela formação, de educadores a entidades públicas e de orientação até na comunicação social. É uma das maiores lutas que podemos ter como cidadãos, famílias, sociedade civil organizada, produtores de política pública ou seja em que dimensão for.
Há que promover uma alfabetização mais abrangente e funcional, que capacite as pessoas para os desafios de um mundo cada vez mais complexo. Será preciso fazer escolhas sobre o modelo de recuperação de alfabetização, o modelo de ensino e econômico ou até sobre a forma de comunicação da administração pública. Nem todas as escolhas são simples. Mas olhar para o lado é que não.
A autora é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico