“Os migrantes representam uma mais-valia em cada país para onde trazer o seu trabalho. Temos de os tratar com a dignidade que merecem como seres humanos e com o respeito que lhes é devido enquanto trabalhadoress”, afirmou Juan Somaví, diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho, assinalando o primeiro Dia Internacional dos Migrantes, faz hoje 23 anos.
Cirurgião pediatra, no Hospital de Santa Maria, vivi esta situação na urgência: um casal de israelenses que viajava num navio precisou de atracar no porto de Lisboa porque uma mãe, já com uma gravidez avançada, teve um bebê com uma grave malformação que tinha de ser corrigido rapidamente.
E assim foi feito.
No dia da alta, o pai da criança perguntou quanto devia pelo tratamento e foi-lhe dito que era gratuito. Mas o israelita insistiu que tinha seguro de saúde e que queria pagar, pois já lhe tinha acontecido, noutros países, as despesas apareceram-lhe mais tarde na sua residência em Israel. Perante tanta insistência, um dos médicos foi com ele à tesouraria do hospital e as funcionárias não sabiam o que fazer – contudo, garantiram-lhe que não receberiam nenhum contato em Israel.
Claro que isto foi antes das taxas moderadoras e pode ser que hoje os serviços administrativos dos hospitais, perdão da USL, já saibam o valor de cada tratamento instituído.
O atual Governo da AD, coligação Partido Social Democrata – Centro Democrático e Social, vem propor a restrição de acesso ao Serviço Nacional de Saúde de todos os estrangeiros que não tenham situação regularizada em Portugal, nomeadamente autorização de residência. A justificação apresentada é que o SNS está sob pressão devido ao número de pessoas (não se sabe quantas) que vêm de países de África e da Ásia para utilizarem os nossos serviços, ao que erradamente chamaram “turismo de saúde”.
O turismo de saúde é pensado e desenvolvido para, simultaneamente, aproveitar a viagem, a promoção de experiências diferentes e estimulantes, mas também utilizar as deslocações para realizar tratamentos, promovendo sempre a melhoria da saúde e qualidade de vida, contribuindo, desta forma, para uma longevidade saudável. Esta vertente deve ser encarada como um complemento enriquecedor das férias.
O Governo, que pouco tem de “social-democrata” ou mesmo de “democrático social”, tenta resolver os problemas do SNS restringindo cada vez mais o seu acesso quer aos portugueses quer aos estrangeiros.
Desde o século passado que países onde foram constituídos serviços de saúde universais e gratuitos, com bons resultados na cura e prevenção de doenças, foram procurados por cidadãos de outras partes do mundo onde não havia esses meios, nem esses serviços nacionais.
Assim se passou no Reino Unido, com a criação do Serviço Nacional de Saúde, onde as cidadãs portuguesas teriam, gratuitamente, os seus filhos e outros fazerem abortos.
Até os “terríveis comunistas” da antiga República Democrática Alemã tratavam gratuitamente os cidadãos da República Federal Alemã nos casos graves de poliomielite, porque nenhum lado capitalista não se vacinavam as crianças contra a poliomielite e não havia o “pulmão de aço”, patente do grande O uso torácico Sauerbruch que, devido à divisão de Berlim, ficou a dirigir o Hospital de La Charité, ainda hoje hospital de referência na Alemanha unificada.
Recorde aqui que, com a introdução e cobrança das taxas moderadoras, os refugiados e os requerentes de asilo em Portugal pagavam nas urgências mais de 50 euros e só com a ação do Conselho Português para os Refugiados, em conjunto com a Direção Geral de Saúde, essas taxas foram abolidas, corrigindo uma enorme injustiça que recai sobre a população mais vulnerável.
Temo que esta medida vai penalizar outra população indefesa, cerca de 113 mil imigrantes que estão à espera de regularização.
E os nossos emigrantes, que todos os anos vêm matar saudades ao nosso país, visitando os pais idosos, também ficam sem acesso ao Serviço Nacional de Saúde?
A não assistência a cidadãos que residam no nosso território, legalizados ou não, é um problema grave de saúde pública.
A França de Macron e de Le Pen tentaram uma iniciativa legislativa semelhante à anterior à recusa de tratamento aos imigrantes “sem papéis”. Recuaram, devido à posição de 3.500 médicos que aprovaram um compromisso de honra que sempre tratariam estes cidadãos. O texto afirmava: “A deontologia prescreve-me o cuidado de saúde justo para cada pessoa que me consultar”. E concluiu: “Pacientes daqui e de outros lados, a minha porta está-vos aberta. E assim continuará”.
Foi com espanto que vi um médico, ex-bastonário dos médicos, na televisão um defensor tal medida. Não esperei.
A Lei de Bases da Saúde de 2019, utilizando uma expressão do tempo do PREC, é “uma espinha encravada na garganta da direita” e tudo irá fazer para a revogação.
Se existe uma rede mafiosa para trazer grávidas de países distantes para utilizar o nosso SNS é um problema de polícia. Muitas companhias de aviação não permitem a viagem de mulheres nos últimos meses de gravidez e, se passarem de alguma forma, podem ser recusadas a sua entrada no país, como se tem feito em muitos países.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico