Um caneiro costa do século XVIII foi detectado sem recurso a escavação numa prova do uso da tecnologia quântica, que será mostrada na Conferência Europeia de Tecnologias Quânticas, a decorrer entre esta segunda e quarta-feira em Lisboa.
A “primeira prospecção arqueológica no mundo” utilizando a tecnologia emergente foi realizada há um mês em Lisboa na Baixa Pombalina, com a utilização de um gravímetro quântico, que detectou uma estrutura de um canal da época do Marquês de Pombal sem qualquer escavação. Os resultados da experiência serão apresentados na abertura da “maior conferência europeia sobre ciência e tecnologia quântica” (assente no comportamento de partículas subatómicas).
O gravímetro quântico, que detecta as variações da densidade do terreno, poderá facilitar o trabalho dos arqueólogos, permitindo assinalar ou confirmar a existência de algo num local definido antes de uma escavação. “Isto é muito revolucionário, porque não obriga a escavar”, assinalou, em declarações por telefone à agência Lusa, Yasser Omar, presidente do Instituto Quântico Português (PQI, na sigla em inglês), um dos organizadores da conferência, considerando que esta “ primeira experiência” constitui um “marco histórico” e abre “grandes perspectivas”.
Esta tecnologia pode ser usada “para encontrar recursos minerais debaixo da terra, como petróleo, ou água (…) ou gases depositados em esconderijos” ou mesmo para prever onde poderá aparecer um buraco numa determinada estrada, acrescentou. Segundo o investigador, uma conferência, que se realiza anualmente, “ganha um sentido maior” este ano, tendo em conta a comemoração dos 100 anos do desenvolvimento da mecânica quântica e a decisão das Nações Unidas de elegerem 2025 como o Ano Internacional da Ciência e Tecnologia Quânticas.
As tecnologias quânticas são “tecnologias de informação futuristas”, importantes porque “abrem a perspectiva de ter novos tipos de supercomputadores muito mais rápidos que os actuais e ambientais muito mais eficientes do ponto de vista energético e, portanto, com menor impacto ambiental, que é uma questão importante na supercomputação clássica de hoje”, explicou Yasser Omar.
Tem também aplicação nas comunicações cifradas, possibilitando um nível de segurança, ou seja, de privacidade, muito maior do que os sistemas actuais, sem esquecer os sensores quânticos, “aparelhos que permitem detectar coisas com muito maior sensibilidade ou precisão”, acrescentou.
Uma potencial aplicação destes aparelhos é a medicina. Enquanto os sensores atuais precisam de “um sinal relativamente grande” para detectar as doenças, o que exige algum grau de desenvolvimento destas, os sensores quânticos trabalham à “escala muito pequenina dos átomos” permitindo uma “maior resolução” e a detecção numa fase mais precoce . “O que obviamente teria impactos muito importantes para a nossa saúde”, indica o professor do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa.
A décadas de um computador quântico
Na sessão de abertura da conferência, que inclui mais de 50 palestras e terá cerca de 500 participantes, será feita ao vivo “uma demonstração pioneira de comunicações quânticas usando um cabo submarino”, o que será “uma estreia a nível europeu”.
Segundo Yasser Omar, “está demonstrado matematicamente que, com este sistema quântico, a comunicação é indecifrável”, embora possa haver “sempre vulnerabilidades na implementação”. Apesar de se tratar de “uma tecnologia em desenvolvimento”, que ainda não consegue competir com o real “em termos de alcance, de distância, e também em volume de dados”, já pode ser adquirido e violado.
“Neste momento é uma espécie de criptografia prêmio para governos, organizações de defesa, organizações de soberania, algumas empresas, que têm informação que querem mesmo que tenham todas as garantias de confidencialidade”.
O físico indica que a tecnologia quântica, sendo “bastante promissória”, está basicamente em desenvolvimento, em diferentes graus, ou a ser aprofundada, considerando que as “comunicações quânticas são talvez uma tecnologia mais madura”.
Além disso, apesar de haver variação quântica, “são protótipos com muitas limitações”, e ainda que não se veja “nenhum obstáculo fundamental” será necessário “escalar estes protótipos para especificação com maior capacidade de processamento para resolver problemas que sejam práticos e úteis para a sociedade, para a indústria, para a ciência”. Resumindo, a existência de um computador quântico “pode demorar anos ou décadas”, disse Yasser Omar, acrescentando ser “difícil de prever”, mas que até “pode haver uma surpresa inesperada”.
A sessão de abertura da Conferência Europeia de Tecnologias Quânticas contará também com uma intervenção de Gustav Kalbe, da Comissão Europeia, sobre o programa europeu de Tecnologias Quânticas e o Pacto Quântico recentemente assinado pelos 27 países-membros.