Deontologicamente sério, o PÚBLICO noticiou a 18 de Outubro, em premonição, o “chumbo” do julgamento do Supremo Tribunal de Justiça Maria João Vaz Tomé para julgamento do Tribunal Constitucional, proposta para este pelo PSD.
A razão para tal, nomeadamente, do lado do PS, é que a respectiva audição na Assembleia da República “deixou evidente que o perfil técnico da senhora juíza não se adequa ao cargo no Tribunal Constitucional”.
A lei que regula a organização do Tribunal Constitucional, na versão vigente, diz para que sejam elegíveis os cidadãos portugueses no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos e que sejam doutores, mestres, ou licenciados em Direito ou juízes dos restantes tribunais.
Por sua vez, o art. 16.º n.º4 da mesma lei estabelece que se selecionem eleitos para aqueles cargos os candidatos que obtiverem o voto de dois terços dos deputados presentes na Assembleia da República, desde que ultrapassem a maioria absoluta deles, em cargos.
Admitindo (plausivelmente) que a reprovação se tornou a dever, em boa parte, as afirmações da candidatura prestada perante a Comissão de Assuntos Constitucionais, valorizando a vida intra-uterina, merece, pois, no mínimo, ser sindicado o referido fundamento da recusa, ainda que se entenda como a possível incapacidade da candidatura, em julgamento, de se abstrair das convicções pessoais ético-religiosas: o tal “perfil técnico”, deficiente…
Anota-se, desde já, as escassas reações públicas adversárias, designadamente a esse voto socialista, o que indicia ser o assunto considerado, no nosso dia-a-dia, já uma não-questão. Há mais de, meses atrás, o Parlamento Europeu aprovou uma recomendação, por 336 votos contra 163 e 39 abstenções, defendendo que o direito de acesso da mulher ao aborto deve constar da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
E, no entanto, pelo último censo ainda cerca de 80% dos portugueses diziam seguir o catolicismo cuja posição dominante nesta matéria é bastante “conservadora”…
Mas voltamos ao cerne da questão – o entendimento da existência, ainda que gradativa, de vida, a seguir à fecundação do óvulo humano e, como tal, com direito a relativa protecção legal no ordenamento jurídico português, incluindo nas instruções do Tribunal Constitucional – conflituando , assim, com o direito da mulher, nesta situação, de dispor integralmente do seu corpo.
Tal construção teórica, a supor-se, tem naturalmente implicações face ao direito ao aborto e seus condicionamentos, divergindo do que se entende comumente que estes últimos só se porão, no máximo, a partir da fase em que o embrião trouxe a ter alguma sensibilidade.
Ainda que hoje no dia aquela primeira doutrina possa ser minoritária e para alguns, mesmo algo troglodita, nem assim é vedado ao cidadão português tentar legitimamente sustentá-la, face aos arts. 37.º e 41.º da Constituição; como outros compartilharão uma visão marxista da História, sem por tal serem apedrejados cá, na praça pública, e menos certo no Tribunal Constitucional.
Diria mesmo que esse “conservadorismo” de valorização é politicamente necessário a um jogo dialéctico público, indispensável ao contínuo e equilibrado avanço social e a evitar igualmente o que alguém chamou “a ditadura do pensamento único” sobre o tema.
Porventura, bastante menos peremptório que a voluntária e consistente conselheira Vaz Tomé, penso, em acréscimo, que uma atitude tida sobre a matéria arrastará impactos nomeadamente demográficos, como está a acontecer genericamente na Europa de cultura ocidental.
Este, hoje em dia, pratica em geral de valores laicos, liberais e hedonistas, também pelas suas baixas taxas de natalidade está em queda na comparação, por exemplo, com os índices previstos de crescimento nos EUA e outros povos, já para não referir, a prazo, o influxo nas sustentabilidades da Segurança Social de tal tendência.
Delito, pois, de opinião na Assembleia da República vinda da senhora conselheira, ou pretexto para uma reflexão séria de todos sobre o assunto?!