Esta quinta cumpre-se o oitavo dia de paralisação e manifestações em todo o país, com a generalidade a levar à intervenção da polícia, que dispersa com tiros e gás lacrimogéneo, enquanto os manifestantes cortam avenidas, atiram pedras e incendeiam equipamentos públicos e privados
Várias pessoas foram esta quinta-feira detidas em Maputo na sequência de pilhagens a lojas num centro comercial na cidade, palco de manifestações a contestar os resultados das eleições gerais. Segundo um segurança do centro comercial localizado na Avenida Acordos de Lusaka, “mais de 100 invadiram e vandalizaram duas lojas”. A polícia tentou depois recuperar material roubado, como televisores, telemóveis ou frigoríficos.
Na capital moçambicana veem-se grandes colunas de fumo, sobretudo devido a pneus a arder em várias ruas, e ouvem-se constantemente disparos de balas reais e explosões de granadas.
Tal como acontece há uma semana, esta quinta-feira registam-se novamente fortes condicionalismos no acesso à Internet, nomeadamente redes sociais. O anúncio pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) de Moçambique a 24 de outubro, em que atribuiu a vitória a Daniel Chapo, apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, partido no poder desde 1975) na eleição a Presidente da República, com 70,67% dos votos, espoletou protestos populares, convocados por Venâncio Mondlane.
Segundo a CNE, Mondlane ficou em segundo lugar, com 20,32%, mas este afirmou não reconhecer os resultados, que ainda têm de ser validados e proclamados pelo Conselho Constitucional. Após protestos nas ruas que paralisaram o país, Mondlane convocou novamente a população para uma paralisação geral de sete dias, desde 31 de outubro, com protestos nacionais e uma manifestação concentrada em Maputo convocada para hoje.
A Ordem dos Advogados de Moçambique alertou que “existem todos os condimentos” para que haja “um banho de sangue”, apelando a “um diálogo genuíno” para que isso não aconteça. Esta quinta cumpre-se o oitavo dia de paralisação e manifestações em todo o país, com a generalidade a levar à intervenção da polícia, que dispersa com tiros e gás lacrimogéneo, enquanto os manifestantes cortam avenidas, atiram pedras e incendeiam equipamentos públicos e privados.
Gás lacrimogéneo para dispersar centenas de manifestantes
A polícia dispersou com gás lacrimogéneo centenas de pessoas que tentavam sair do bairro de Maxaquene, nos arredores de Maputo, em direção ao centro da capital moçambicana para se manifestarem contra o resultado das eleições gerais. A primeira carga policial, aconteceu às 09:20 locais (07:20 em Lisboa) e levou à dispersão dos manifestantes, mas pouco depois estes voltaram a juntar-se e ripostaram lançando pedras e garrafas na direção da polícia.
Nestes confrontos, pelo menos uma pessoa ficou ferida.
Nas principais ruas de Maputo e nos bairros suburbanos há uma forte presença da polícia e militares, com viaturas blindadas e elementos da Unidade de Intervenção Rápida (UIR), e os manifestantes começaram a deslocar-se a partir dos subúrbios em direção à capital moçambicana, que hoje de manhã estava praticamente deserta e com a quase totalidade das atividades e estabelecimentos encerrados.
Amnistia Internacional pede fim da repressão violenta
A Amnistia Internacional já pediu ao governo moçambicano para pôr fim à violenta repressão pós-eleitoral antes da marcha agendada para esta quinta-feira, respeitando os direitos de todos à liberdade de expressão. Em comunicado, a Amnistia Internacional considera que a crise em Moçambique “é a pior repressão dos últimos anos contra os protestos no país”, lembrando que a polícia já matou “mais de 20 pessoas e feriu ou prendeu centenas de outras”.
A nota da Amnistia Internacional surge no dia para o qual está agendada uma manifestação, em Maputo, convocada pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, contra os resultados eleitorais. “As últimas duas semanas em Moçambique foram marcadas por um derramamento de sangue completamente desnecessário, uma vez que as autoridades tentaram parar um movimento de protesto pacífico com força letal”, argumenta a Amnistia.
Citado no comunicado, o diretor regional adjunto da Amnistia Internacional para a África Oriental e Austral, Khanyo Farise, sublinha que “as pessoas nem sequer podem protestar nas suas próprias casas sem correrem o risco de serem atingidas por gás lacrimogéneo”.
Na nota divulgada, a Amnistia recorda que, além da repressão violenta da contestação, o Governo “cortou repetidamente o acesso à Internet em todo o país” e “bloqueou as redes sociais durante quase uma semana”.
“Homens armados desconhecidos assassinaram duas figuras importantes da oposição [Elvino Dias e Paulo Guambe] e o líder da oposição Venâncio Mondlane está escondido”, refere a organização, sublinhando que o governo moçambicano “tem a responsabilidade primária” de respeitar e defender os direitos humanos.
Apela ainda aos países vizinhos e às organizações internacionais, incluindo a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral e a União Africana, para se pronunciarem “vigorosamente” para evitar mais mortes ilegais e outras violações dos direitos humanos.
“Este capítulo ultrajante da história de Moçambique deve terminar agora e os autores devem ser levados à justiça. O governo de Moçambique tem de recuar para evitar mais violações dos direitos humanos”, considera Khanyo Farise.