Juízes poderão ser sujeitos a segunda audição sobre o mesmo assunto e a comissão parlamentar de inquérito
A auditoria à privatização das ANA, Aeroportos de Portugal demorou onze anos e continua a ser um pesadelo sem precedentes na história do Tribunal de Contas (TdC). As respostas, por escrito, às 27 perguntas formuladas pelos deputados do PSD e Iniciativa Liberal (IL) só serviram para lançar mais achas para a fogueira da desconfiança instalada entre os partidos da direita parlamentar quanto à isenção e à competência dos juízes responsáveis pelo relatório de auditoria à privatização da Ana, Aeroportos, publicado dois meses antes das últimas eleições legislativas.
Na réplica, de 23 páginas, enviada ao Parlamento, o juiz relator, José Manuel Quelhas, não admite um único da longa lista de erros detetados pelos deputados no seu trabalho. “Estas respostas foram novamente um exercício de chutar para canto e continuar sem responder às questões”, reagiu Gonçalo Lage, do PSD, na reunião da Comissão Parlamentar de Economia (CPE) realizada esta terça-feira. Na avaliação deste deputado, essas respostas persistem em “erros técnicos graves, que não podem ser admitidos numa instituição como o TdC, e considerações também graves, porque revelam falta de imparcialidade e posições subjetivas não fundamentadas”.
O Chega vai pôr à votação o regresso do TdC à CPE, para explicar o mesmo assunto, e ameaça avançar com uma comissão parlamentar de inquérito. “Antes de acionar qualquer outro mecanismo legalmente previsto, devemos ouvir novamente os representantes do TdC, sob pena deste assunto ficar esquecido, que por nós não vai ficar seguramente, é grave demais para ficar esquecido”, anunciou o deputado Filipe Melo. O partido de André Ventura recusou repetir, por escrito, as perguntas a que os juízes “ficou patente que não responderam”, quando foram ouvidos na CPE. Filipe Melo “adivinhava” que a troca epistolar conduzisse ao mesmo resultado correspondência e voltou a acusar os juízes de “falta de consideração pela Assembleia da República”.
Relatórios simpáticos ou competentes
Na audição realizada em 11 de setembro, para além do juiz relator da auditoria à ANA, os deputados ouviram José Tavares, na sua última visita ao Parlamento como presidente do TdC, garantir a independência da instituição. Este juiz conselheiro foi, entretanto, substituído por Filipa Urbano Calvão, por indicação do primeiro-ministro e nomeação do Presidente da República. “Os nossos desejos são que possamos vir a ter um TdC que seja credível, imparcial, eficiente e competente. O país precisa e a Democracia precisa”, declarou Gonçalo Lage na CPE desta terça-feira.
O PS saiu em defesa da imparcialidade do TdC. “Nós respeitamos o TdC e a soberania do TdC. Da mesma forma que respeitamos relatórios que possam de alguma forma não ser simpáticos para governos do PS, também respeitamos relatórios que não são simpáticos para governos do PSD”, expôs o deputado Hugo Costa. O parlamentar socialista considerou “estranho” o PSD fazer “uma análise a um órgão de soberania independente”.
Hugo Costa desafiou Gonçalo Lage a fazer “a mesma análise em relação a relatórios do TdC que não são favoráveis a governos do PS”. E deu como exemplo o relatório sobre a nacionalização da Efacec, citado pelo ministro da Presidência, António Leitão Amaro, em conferência de imprensa. “O grupo parlamentar do PSD concorda com o TdC quando o TdC, com o mesmo presidente e a mesma direção, faz relatórios politicamente importantes para o PSD”, declarou o deputado socialista.
O Chega aproveitou esta querela para carregar nas suspeitas quanto à isenção do TdC. “Parece-nos grave, muito grave, que o PS diga que o TdC toma decisões mais favoráveis ao PSD ou ao PS, porque aqui está em causa a violação do princípio da separação de poderes”, criticou Filipe Melo.