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Morar em Portugal tem sido objeto de desejo de muitos brasileiros. Mas, sem o devido planejamento, a mudança de país pode se transformar num tormento. Frustrados porque o projeto não saiu como o esperado, muitos acabam retornando para o Brasil. E cheio de dívidas, que são deixadas para trás.
O que esses devedores não sabem é que, mesmo no Brasil, podem ser acionados pelos credores portugueses para honrar os compromissos que fizeram enquanto estavam em território luso. Se as dívidas pararem na Justiça portuguesa, os cobradores podem acionar o Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Brasil para homologar a cobrança.
“Nada impede que as dívidas feitas em Portugal sejam cobradas no Brasil”, diz a advogada Catarina Zuccaro. Ela explica que, para que a cobrança ocorra, a Justiça portuguesa deve dar uma sentença contra os devedores. “A partir dessa decisão, os cobradores terão de homologá-la junto ao STJ no Brasil, de acordo com o Artigo 961 do Código de Processo Civil (CPC). Para iniciar a homologação, a parte interessada deverá apresentar uma petição eletrônica ao STJ, assinada por um advogado, com o devido pagamento das custas judiciais”, explica.
A partir daí, o STJ providenciará a citação, seja por meio de carta rogatória (quando o devedor estiver no exterior), seja por carta de ordem (no Brasil). A advogada ressalta que os cobradores de dívidas têm corrido cada vez mais às redes sociais para encontrar os devedores, especialmente se eles demonstram sinais de ostentação ou padrão de vida incompatível com o alegado. Todo esse processo, no entanto, só valerá a pena, na avaliação de Catarina, se os valores das dívidas explicam os custos dos esforços envolvidos na execução transnacional.
Bancos mantêm cobranças
Segundo o advogado Fábio Pimentel, do escritório CPPB Law, as obrigações civis feitas em Portugal, como aluguel, por exemplo, prescrevem depois de dois anos. No caso dos subsídios com bancos, por terem musculatura jurídica, o processo de cobrança se arrasta por anos, o que acaba impedido que elas prescrevam. Já as dívidas fiscais, com o Estado português, não prescrevem, desde que a Autoridade Tributária (AT) mantenha um fluxo constante de notificações e de cobrança aos devedores.
Há, na atuação da Autoridade Tributária, um ponto que muita gente desconhece: o órgão tem autorização para cobrar desenvolvedores de serviços de entregas públicas. Isso vale, inclusive, para as dívidas com pedágios nas estradas portuguesas. Essa cobrança está prevista na Lei nº 25/2006. Pimentel reforça, porém, que, nesse e em outros casos, as cobranças só chegam ao Brasil se os subsídios são reconhecidos pela Justiça. “A partir do momento em que o Estado português valida as dívidas, o Estado brasileiro pode determinar a busca de bens dos devedores e determinar a penhora”, frisa.
A brasileira Joana Oliveira (nome fictício), 61 anos, que regressou ao Brasil em 2023, depois de cinco anos morando em Portugal, sabe que deixou dívidas para trás, tanto de pedágios, quanto com a Autoridade Tributária. Mas ela acredita que, como os valores somados não passam de 800 euros (R$ 5 mil), os subsídios serão prescritos em, no máximo, cinco anos. “Não pretendo devolver a Portugal nesse período, portanto, estou contando com a prescrição”, afirma ela, que aponta despesas prioritárias no Brasil para não honrar as dívidas em Portugal.
Problemas com vistos
Presidente da consultoria Aliança Portuguesa, Fábio Knauer ressalta que, além da possibilidade de os credores portugueses cobrarem dívidas no Brasil, o Governo de Portugal pode agir para punir quem deixou os subsídios para trás. “Esses devedores, por exemplo, podem enfrentar restrições para conseguir vistos de entrada no país”, assinala. “Os nomes dessas pessoas ficam registados no Banco de Portugal”, acrescenta.
Ele lembra, ainda, que as dívidas não pagas por brasileiros e outros imigrantes fizeram com que o sistema financeiro português fosse mais rígido na concessão de crédito para estrangeiros. “Agora, a maior parte dos bancos exige autorização formal de residência para abrir contas e para liberar financiamentos e empréstimos. As restrições incluem até cartão de crédito”, afirma. “Nesse caso, os bons pagadores pagam pelos maus”, emenda.
Knauer diz que nos financiamentos habitacionais, quando não pagos, os bancos tomam o imóvel. O mesmo acontece no caso de carros comprados por meio de crédito bancário. Porém, ainda que a legislação permita a retomada desses bens, as instituições financeiras portuguesas têm dificultado os serviços a imigrantes que não comprovam que são regulares no país e que têm fontes de renda formal.
Em vez de fazer dívida, poupe
Para reforçar o funcionamento da estrutura de cobrança de desenvolvedores em Portugal, os especialistas lembram o caso de um servidor público português que foi pega no Aeroporto de Lisboa. Quase todos os dias, ela estacionava o carro num lugar proibido quando chegava para trabalhar, e era multada. Em vez de pagar as multas, ela jogava as notificações dentro da porta-luvas do carro.
Um dia, o servidor precisau viajar às pressas para o exterior. Ao apresentar o passaporte no guichê da companhia aérea, foi encaminhada às autoridades. Ela desviou quase 5 mil euros (R$ 31 mil) em multas. Só consegui deixar Portugal porque desistiu de toda a parcela dos subsídios. Nesse caso, no entendimento dos especialistas, revela que os credores não escolhem a nacionalidade dos devedores para receber o que têm direito.
“O melhor que as pessoas têm a fazer é gastar apenas o que podem e manter as contas em dia. Em vez de fazerem dívidas, devem poupar para enfrentar períodos mais complicados, de emergência financeira”, recomenda Marcelo de Souza Sobreira, professor da HB Escola de Negócios.