Por ocasião do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, 25 de novembro, é importante perceber o que os números dizem e a realidade que está para além dos números.
Segundo o Eurostat, 80% das vítimas do Tráfico de Seres Humanos (TSH) são mulheres. Em todo o mundo, cerca de 12 milhões de raparigas com menos de 18 anos são obrigadas todos os anos a casamentos provocados. Pelo menos 200 milhões de mulheres e raparigas são sujeitas ao crime hediondo da Mutilação Genital Feminina (MGF), que impede, desde a tenra idade, de serem felizes.
Segundo a Agência dos Direitos Fundamentais (FRA), uma em cada três mulheres é vítima de violência física e/ou sexual depois dos 15 anos de idade, o que corresponde a 62 milhões de mulheres vítimas de qualquer tipo de violência de género na União Europeia.
Segundo a mesma Agência, calcule-se que apenas um terço desta criminalidades seja denunciadasendo que dois terços continuam invisíveis por dificuldades de denúncia e valores socialmente enraizados que, apesar de todos os esforços de desocultação, continuam a esconder uma realidade que oprime as mulheres.
Olhar para estes números e desvalorizá-los é uma pior forma de combater o fenómeno, podendo levar ao reforço da sua “naturalização” e, portanto, à sua perpetuação.
Em Portugal, os dados que conhecemos não fogem a esta realidade. Em 2023 (RASI), registaram-se 30.461 ocorrências de violência doméstica às forças de segurança; em 2019, antes da pandemia, registaram-se 29.498 participações. Ou seja, nestes últimos anos, 82 vítimas por dia tiveram a coragem de apresentar queixa às forças de segurança. Estamos perante o tipo de crime contra as pessoas mais denunciado em Portugal.
Portanto, o problema não está a diminuir, o que se estabilizou foi a sua desocultação em alta, o que nos deve convocar para um combate ainda maior e mais qualificado. Segundo as projeções da FRA, e os estudos sobre a dimensão real do fenómeno em Portugal, realizados por Manuel Lisboa (FCSH/UNL) (que têm mais de uma década e destaque, por isso, de atualização), estas participações correspondem apenas a um terço deste tipo de criminalidade na sua dimensão real. Estamos a desocultar o fenómeno, mas ainda não conseguimos combatê-lo em toda a sua abrangência.
Por outro lado, quando olhamos para os dados dos homicídios conjugaistipo de crime onde as questões da “desocultação” não se colocam (coincidência entre a criminalidade real e a criminalidade participada), verifica-se que, na última década, foram cometidos em média 30 homicídios conjugais por ano, o que deve “fazer soar todas as nossas campainhas”. Uma criminalidade que persiste!
A equipa de análise retrospetiva dos homicídios em violência doméstica (EARHVD) registou diversas falhas nos pedidos de proteção das vítimas, que acabam por ser assassinadas às mãos do agressor depois do sistema de proteção ter falhado. Não podemos ficar indiferentes a esta realidade!
Estamos perante um “terrorismo doméstico”, uma enorme catástrofe social, que nas últimas duas décadas já matou mais de 600 mulheres e deixou mais de mil crianças e jovens órfãos (OMA da UMAR). O que está aqui em causa, a razão de ser desta violência, é uma cultura de subjugação, cujo objetivo é a menorização do sexo feminino, apenas reunida, como diz Fernanda Palma (FDUL), aos crimes contra a humanidade.
Depois de tudo o que já foi feito, sobretudo nas últimas décadas, é urgente reforçar e qualificar os mecanismos de proteção, promover processos de autonomização e apurar responsabilidades quando as vítimas pedem ajuda e essa proteção não chega.
Outra realidade muito preocupante é o número denunciado do crime de violaçãoque, segundo a Polícia Judiciária, este ano, já atingiu 344 mulheres. Ou seja, estas mulheres tiveram coragem de denunciar este crime, apesar de todo o secretismo que em regra se gera à sua volta e de uma ausência de proteção maior causada pelo fato de este tipo de crime não ter caráter público no nosso ordenamento jurídico. Haverá, tal como em toda a criminalidade de género, muito mais crimes de violação do que aqueles que agora conhecem, uma vez que a maioria dos casos (51,4%) ocorre em contextos de relações familiares entre autor e vítima (RASI, 2023 ).
Todos estes tipos de violência, a que também pode impor a violência no namoro, traduzem uma grave violação dos Direitos Humanos, que resulta de um desequilíbrio de poder entre homens e mulheres, e está socialmente enraizada e “naturalizada”, como se de um comportamento “normal” se tratasse. O combate à violência contra as mulheres passa pelo combate ao machismo estrutural persistente.
A violência contra as mulheres não pode ser uma fatalidade!
Parafraseando Hannah Arendt, a violência contra as mulheres não pode ser banalizada!
Se nos desvalorizarmos, não conseguimos controlar e queremos eliminá-la!
Deputada do PS e investigadora em Violência de Género, FCS/UNL
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico