Sábado, Outubro 19

NOTA DO EDITOR | Call to Earth é uma série editorial da CNN empenhada em informar sobre os desafios ambientais que o nosso planeta enfrenta, bem como sobre as soluções. A Iniciativa Planeta Perpétuo da Rolex estabeleceu uma parceria com a CNN para promover a sensibilização e a educação em torno de questões fundamentais de sustentabilidade e para inspirar ações positivas

O terramoto em si podia ser medido em segundos, mas para a população de Antáquia, na Turquia, as réplicas foram dificilmente quantificáveis.

Mais de 50 mil pessoas morreram e milhões de outras ficaram desalojadas quando dois terramotos de magnitude 7,8 e 7,5 abalaram a região sul do país e o norte da Síria a 6 de fevereiro do ano passado. As Nações Unidas estimaram o custo da reconstrução da região em mais de 100 mil milhões de euros.

A cidade de Antáquia (historicamente conhecida como Antioquia), capital da província de Hatay, foi uma das mais atingidas na Turquia, com quase 80% dos edifícios alegadamente danificados sem possibilidade de reparação.

Foi uma devastação “para além da imaginação”, segundo Nicola Scaranaro da Foster + Partners, a empresa de arquitetura que publicou no mês passado o seu plano diretor para não só reconstruir e revitalizar a cidade, mas também para a “preparar para o futuro” contra terramotos, inundações e outras catástrofes naturais.

Trata-se de um objetivo mais fácil de concretizar numa área historicamente propensa a terramotos, tendo o do ano passado sido o sétimo a destruir Antáquia desde a sua fundação no século IV a.C., garante Scaranaro.

A cidade está aninhada no sopé do monte Habib Neccar, no vale do rio Asi, e a sua proximidade do rio significa que o impacto destrutivo dos sismos é exacerbado por um fenómeno designado por liquefação do solo, que faz com que o solo perca a sua rigidez e se comporte mais como um líquido.

Com vastas áreas de construção ao longo das margens do Asi, as inundações também representam há muito um perigo para os habitantes de Antáquia. Segundo as estimativas da Foster + Partners, mais de 45 mil residentes em 2,5 milhões de metros quadrados corriam o risco de serem afetados por inundações, mesmo antes do terramoto do ano passado, sendo que a probabilidade de incidentes só tende a aumentar com a crise climática.

Grande parte de Antáquia foi reduzida a ruínas depois do terramoto (Hassan Ayadi/AFP via Getty Images)

Resiliência

Assegurar a resiliência a ambas as ameaças recorrentes esteve no centro das considerações quando, seis meses após o terramoto, a empresa foi contratada pelo Türkiye Design Council – uma organização não governamental – para liderar um consórcio internacional de equipas no desenvolvimento de uma estratégia para reconstruir a região.

A arquitetura e o desenho das ruas funcionarão como a primeira linha de defesa contra o impacto do terramoto, incluindo edifícios compactos que deverão resistir melhor à atividade sísmica do que as grandes e longas estruturas em forma de L que pontuavam Antáquia anteriormente.

Os “super quarteirões” dos bairros, inspirados nos de Barcelona, promoverão zonas livres de carros que asseguram múltiplas rotas na sequência de uma catástrofe, tanto para os serviços de emergência como para a fuga dos residentes.

Esta configuração também beneficia a qualidade de vida, explica Scaranaro, conduzindo a uma diminuição do tráfego – uma grande mudança para uma cidade anteriormente dominada pelos automóveis – e a um maior número de espaços verdes urbanos.

Os espaços verdes podem desempenhar um papel fundamental na proteção contra as inundações, acrescentou, com terrenos significativos ao longo do rio marcados para não serem reconstruídos. Em vez disso, a fachada contínua do rio e os parques preencherão estas áreas de alto risco, atuando como uma “zona tampão” natural quando as margens rebentarem e absorvendo a água das cheias.

Plantada com espécies autóctones, a rede de espaços verdes e os parques comunitários locais proporcionarão habitats vitais para a flora e a fauna e vão atuar como “corredores verdes”, permitindo a livre circulação da vida selvagem. A abordagem também ajudará a cumprir o objetivo do plano diretor de duplicar a quantidade de espaço verde dedicado per capita.

Um artista está a tentar revitalizar Antáquia, tendo o rio como centro (Türkiye Design Council)

“Sentimos que [anteriormente] o acesso aos espaços verdes não era muito democrático”, diz Scaranaro.

“Se utilizarmos realmente o que existe, respeitarmos a natureza e criarmos este belo corredor de biodiversidade, damos à cidade alguns percursos pedonais, ciclovias e espaços verdes agradáveis”, acrescenta.

Construir confiança

A construção começou enquanto o plano diretor estava a ser elaborado, com a empresa de consultoria de engenharia Buro Happold a prever que a revitalização completa da cidade demorará 10 anos.

No entanto, os autores do plano diretor esperam que se possam tirar lições muito antes de se colocar o último tijolo. O consórcio de planeamento quer estabelecer um “novo modelo de cooperação para a revitalização de cidades atingidas por catástrofes” em todo o mundo, uma abordagem que coloca o clima em primeiro lugar e que Scaranaro acredita que tem faltado muito.

“Deveria estar na vanguarda, mas nem sempre está”, aponta.

Infelizmente, quando lemos as notícias, há muitas catástrofes naturais semelhantes a acontecer… como podemos implementar este nível de resiliência antes que algo aconteça?

“É fundamental que olhemos para isso. Utilizamos o termo sustentabilidade, mas por vezes precisamos de lhe dar um significado”, lembra o especialista.

No entanto, apesar do seu âmbito mundial, o plano foi escrito principalmente para (e em parte pela) população de Antáquia, insiste Scaranaro.

No meio de toda a conversa sobre revitalização e novas funcionalidades, a preservação do “espírito” da cidade era um objetivo fundamental. Os cidadãos mais velhos, em particular, foram convidados para entrevistas presenciais para transmitir as suas memórias e esperanças para a cidade.

Numa entrevista com um residente idoso que vivia num dos complexos de contentores criados para os cidadãos deslocados imediatamente a seguir ao terramoto, Scaranaro foi informado: “Já não confio nestes edifícios, porque estes edifícios traíram-me”.

Para o italiano, esta foi uma frase que sustentou o seu objetivo na cidade.

“Não se trata de edifícios; trata-se de criar confiança e um sentimento de pertença. Queremos que as pessoas sintam que construíram o lugar de volta”, termina Scaranaro.

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