Quinta-feira, Novembro 7

Confirmadas as conquistas da Casa Branca e do Senado, a grande questão no imediato é se o Partido Republicano também vai conseguir manter a atual maioria na Câmara dos Representantes. À hora de fecho deste artigo, as principais corridas-chave que vão definir o equilíbrio de poderes nos EUA, pelo menos até às intercalares de 2026, continuavam muito renhidas, mas os conservadores mantinham uma ligeira vantagem. Se o partido conseguir o hat-trick, e “acreditarmos no que Trump diz que vai fazer, haverá mudanças profundas”

Foram milhares de milhões de dólares gastos até ao último cêntimo pelos dois partidos norte-americanos no combate pelo Senado e pela Câmara dos Representantes, numas eleições em que, a par da Casa Branca, estiveram em disputa 468 assentos no Congresso – o total de 435 lugares da câmara baixa e 33 dos 100 que compõem o Senado. 

Ao longo da campanha, as sondagens e os analistas previram a tomada republicana do Senado, atualmente com curta maioria democrata, de forma bem mais certeira do que tentaram antever o resultado das presidenciais. O que não foi previsto de todo foi a possibilidade de o partido de Trump reconquistar também a Câmara dos Representantes – algo que ainda pode vir a acontecer.

“Antecipo que os democratas ganhem um pouco mais dos assentos disputados na Câmara e se tornem o partido maioritário ali, embora por uma curta margem”, adiantava há duas semanas o analista político Paul Beck, da Universidade Estatal do Ohio, em entrevista à CNN Portugal – que, contactado esta quarta-feira para uma reação aos resultados, ressaltou que ainda tudo está em aberto na corrida à câmara baixa do Congresso. 

“Serão provavelmente as corridas em Nova Iorque e na Califórnia a determinar que partido vai controlar a Câmara”, diz Beck. “Ainda não espreitei os resultados em Nova Iorque e os resultados na Califórnia ainda vão demorar cerca de uma semana, uma vez que o estado permite prazos mais alargados para o voto antecipado por correio” (os absentee ballots, diferentes do típico voto por correspondência).

Se as sondagens antes da ida às urnas tiverem acertado, e os democratas conseguirem virar a Câmara dos Representantes, será a primeira vez que os dois partidos trocam de câmaras numa mesma eleição, refere a Associated Press. E isso irá traduzir-se em renovados combates partidários em questões como o orçamento e os limites à despesa pública semelhantes aos que marcaram os últimos dois anos, desde as eleições intercalares de 2022, com impacto numa série de políticas federais (para o Senado desbloquear fundos, precisa do aval de uma maioria dos representantes).

“Se os democratas conquistarem a Câmara dos Representantes, será provavelmente por uma curta margem, mas ainda assim funcionarão como um mecanismo de fiscalização das políticas da administração Trump”, adianta Paul Beck, já que “a Câmara é a primeira a votar o orçamento proposto pelo Presidente e é ela que tem de aprovar a legislação que o Presidente e o Senado possam propor”.

Mas se, a par da vitória já confirmada no Senado, os republicanos reconquistarem a Câmara dos Representantes, não só estaremos diante de um feito raro – o mesmo partido a conquistar o hat-trick (Casa Branca, Senado e Câmara dos Representantes), a juntar à atual maioria conservadora no Supremo Tribunal federal – como o equilíbrio de poderes será completamente diferente.

Num comunicado às primeiras horas de quarta-feira, o atual líder da maioria republicana na Câmara dos Representantes já prometia que o partido “está pronto e preparado para implementar imediatamente a agenda América Primeiro de Trump para melhorar as vidas de cada família, independentemente da sua raça, religião, cor ou credo, e tornar a América grande outra vez”.

Um Senado republicano garante a Trump um cheque praticamente em branco no que toca a nomeações judiciais: veja-se como, no seu primeiro mandato, quando os republicanos também conquistaram a Casa Branca e o Senado, Trump conseguiu nomear 234 juízes para os vários circuitos judiciais, incluindo três para o Supremo Tribunal dos EUA, o que se provou determinante para, já em 2022, a lei federal de acesso ao aborto Roe vs. Wade ser revertida. (Foi também no primeiro mandato de Trump, concretamente nos primeiros dois anos do mandato, que os republicanos conseguiram a presidência e as duas câmaras do Congresso.)

Com a saída de cena de Mitch McConnell, atual líder dos republicanos do Senado que anunciou a sua reforma em fevereiro, uma das grandes questões no rescaldo das eleições é quem irá chefiar a maioria conservadora na câmara alta do Congresso Foto: Cliff Owen/AP

Dependendo das corridas na câmara baixa, uma renovada maioria republicana na Câmara dos Representantes funcionará como facilitadora da administração Trump numa série de outras políticas federais, incluindo a promessa de reverter o Affordable Care Act (ACA), que veio alargar os cuidados de saúde a milhões de norte-americanos, a alocação de mais fundos para garantir a “segurança da fronteira” e para levar a cabo as “deportações em massa” que Trump prometeu ao longo da campanha, e a redução de impostos cobrados às grandes empresas e aos mais ricos.

“Se os republicanos mantiveram o controlo da Câmara dos Representantes, a administração Trump não estará sujeita a qualquer fiscalização na transposição das suas prioridades para a lei e para o Orçamento”, explica Paul Beck. “Se acreditarmos no que Trump diz que vai fazer, haverá mudanças profundas.” Isto passará não apenas por mudanças no código fiscal, adianta o especialista em Ciência Política do Ohio. “com a continuação das reduções de impostos implementadas pela anterior administração Trump”, como também em alterações nas relações dos EUA com o resto do mundo, na forma de “mais tarifas sobre bens estrangeiros, novas alianças em todo o mundo democrático e o apoio a Israel, que ficará à solta para conduzir ataques ao Irão”. 

Como referia o Financial Times na quarta-feira: “A enfática eleição de Trump confirma as mudanças que já vinham sendo sinalizadas rumo a uma nova ordem mundial na qual a América exerce o seu poder de forma diferente, menos como um modelo de liberalismo e mais como uma superpotência que espera que a sua vontade seja aplicada.”

A par disso, se os republicanos ganharem de uma ponta à outra, também se espera que Trump altere as políticas e o funcionamento do poder executivo “para bloquear os processos judiciais contra ele, para virar a burocracia na sua direção e para procurar vingar-se dos seus inimigos”, acrescenta Paul Beck – e “uma Câmara dos Representantes de maioria democrata não poderia impedir que estas coisas acontecessem”.

Esta quinta-feira de manhã, dia e meio depois do fecho das últimas urnas nos EUA, a distribuição de assentos na câmara baixa do Congresso continuava algo renhida. Os republicanos já tinham conquistado um distrito detido pelos democratas na Pensilvânia que inclui a terra-natal de Joe Biden, Scranton, e tirado assentos aos democratas na Carolina do Norte e no Michigan. Do outro lado, os democratas já tinham conquistado um assento aos republicanos em Nova Iorque e outro no Alabama. De acordo com a contagem da CNN Internacional, pelas 10h da manhã em Lisboa, o Partido Republicano contava com 209 lugares garantidos, contra 191 para o Partido Democrata – para conquistar a maioria, é preciso um mínimo de 218 assentos.

À mesma hora, em Nova Iorque, a distribuição de assentos continuava taco a taco: com 94% do total de votos apurados, os democratas já tinham 4 representantes eleitos contra 7 republicanos de um total de 26, e uma corrida-chave entre o democrata Josh Riley e o republicano Marc Mollnaro continuava renhida, com Riley ligeiramente à frente do republicano em exercício.

Com os republicanos a 9 lugares da vitória, os democratas precisam de conquistar um mínimo de mais 27 assentos, vendo-se forçados a virar alguns lugares atualmente detidos pela oposição e estando dependentes das corridas na Califórnia: no estado onde, como aponta Paul Beck, os resultados finais poderão levar ainda vários dias a chegar, e com 66% dos votos apurados à hora de fecho deste artigo, eram 7 os republicanos eleitos contra 33 democratas, incluindo o lusodescendente Eric Swalwell.

Ainda em disputa continuavam os restantes 13 assentos do estado, incluindo três em que lusodescendentes seguiam ao leme, entre eles um lugar para representar o 21.º distrito de Nova Iorque, a ser disputado pelo democrata Jim Costa. Das 9 corridas mais decisivas no estado, duas poderão ser vencidas por republicanos com origens açorianas – um assento pelo 13.º distrito, disputado por John Duarte, e um pelo 22.º distrito, disputado por David Valadão – o que, em última instância, poderá ajudar a carregar o partido de Trump ao trio de governação.

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