Segunda-feira, Dezembro 23

Vítima de um acidente mortal ao princípio da manhã deste sábado, quando foi recolhido por um automóvel junto à Cordoaria Nacional, em Lisboa, Pedro Sobral, o presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), propôs dias antes ao PÚBLICO um artigo de opinião que é uma defesa da leitura como resposta aos défices de literacia da população portuguesa divulgados recentemente. Por acordo com a família e com a APEL, o PÚBLICO edite aqui o texto proposto.

Um alerta para Portugal: competências em declínio e o futuro da cidadania

Os resultados do Inquérito às Competências dos Adultos da OCDE (2023) trouxeram para a ribalta um tema que deveria preocupar todos os portugueses: o défice de literacia, numeracia e resolução de problemas entre os adultos no nosso país. Com 42% dos adultos com competências de alfabetização de Nível 1 ou inferior (contra uma média da OCDE de 26%) e 40% nas camadas mais baixas de numeracia (média OCDE: 25%), Portugal enfrenta um problema estrutural que não pode ser ignorado.

Mais alarmante ainda é o facto de apenas 4% dos adultos portugueses atingirem os níveis mais elevados de literacia, um contraste gritante com os 12% da média da OCDE. Esses números são preocupantes, não apenas pelos seus reflexos na produtividade econômica, mas, sobretudo, pelo impacto direto na cidadania ativa e no funcionamento da democracia. Afinal, as faixas etárias avaliadas foram pensadas para votar, decidir políticas e influenciar o rumo do país.

A baixa proficiência em competências é essencial para o pensamento crítico, a capacidade de avaliar informações de forma independente e, consequentemente, a participação ativa na sociedade. Quando uma população tem dificuldade em interpretar um texto simples ou realizar operações matemáticas básicas, abre-se caminho para a desinformação, a apatia política e a exclusão social. Em termos mais amplos, coloca-se em risco a democracia e o Estado de direito.

Neste cenário, a leitura desponta como uma ferramenta poderosa para transformar esta realidade. Estudos comprovam que o hábito de leitura promove o desenvolvimento de competências cognitivas, sociais e cívicas, além de fomentar o senso crítico tão necessário para o pleno exercício da cidadania e é um dos pilares fundamentais para inverter estes números.

O caminho da leitura: uma solução ao nosso alcance

No entanto, para que a leitura seja este motor de mudança, é imprescindível criar condições que incentivem este hábito desde cedo. Portugal precisa de uma política robusta que fomente a literacia através do acesso aos livros e de iniciativas que se aproximem da leitura do quotidiano das pessoas.

A continuidade do cheque-livro, um programa é essencial para incentivar o hábito de leitura entre os jovens e deve ser expandido para atingir ainda mais beneficiários, a atualização da Lei do Preço Fixo, uma medida crucial para fortalecer o ecossistema livreiro e garantir que os livros mantidos acessíveis, o apoio às livrarias independentes, reconhecê-las como startups culturais podem revitalizar o setor e aumentar a proximidade com as comunidades locais, e o reforço das bibliotecas públicas, onde é fundamental priorizar a aquisição de títulos de qualidade em detrimento de plataformas digitais subutilizadas, são algumas das propostas defendidas pela APEL.

Estas são medidas que não apenas incentivam a leitura, mas também promovem um ambiente cultural mais vibrante e acessível a todos.

Um apelo à ação

Este Natal, cada um de nós pode dar o primeiro passo rumo a um Portugal mais informado e participativo. Ofereça livros. Escolha autores portugueses. Apoie iniciativas culturais. Como cidadãos, temos a responsabilidade de não deixar que os resultados alarmantes do Inquérito às Competências dos Adultos se transformem num retrato definitivo do nosso futuro.

O compromisso não é apenas individual. O Governo, as instituições e a sociedade civil precisam unir esforços para criar uma cultura de alfabetização que alcance todas as gerações. Só assim poderemos construir um país mais crítico, informado e resiliente. Afinal, uma sociedade que lê é uma sociedade que pensa, questiona e transforma.

Começamos agora. Pegue um livro. Leia. Partilha. Transformar.

O autor escreveu segundo o novo acordo ortográfico

O velório de Pedro Sobral terá lugar esta segunda-feira, 23 de Dezembro, pelas 15h, na Basílica da Estrela, em Lisboa. A missa terá início às 17h e será aberta ao público, com as cerimónias fúnebres posteriores a serem reservadas à família mais próxima.

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