Terça-feira, Novembro 26

A presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) de Lisboa e Vale do Tejo, Teresa Almeida, defende que a região de Lisboa precisaria muito mais do que 26 mil fogos para resolver o problema da habitação, referindo-se ao aumento na meta de construção pública que o atual Governo juntou-se à que já vinha do anterior Governo de António Costa. Em entrevista ao PÚBLICO/Renascença, elogia o modelo de regiões que domina a Europa, mas não se compromete sobre o modelo de regionalização em Portugal.

Lida com a aplicação de fundos comunitários e também do PRR em diversos projectos na região de Lisboa e Vale do Tejo. Como é que está a execução desses projetos e há motivos para preocupação? Há risco de perdermos fundos por atrasos na aplicação?
Temos uma responsabilidade direta na gestão dos fundos regionais de Lisboa, 18 municípios, e não a totalidade da região de Lisboa e Vale do Tejo. Ontem fizemos formalmente o encerramento do Programa 2020. Fechou com 105% de taxa de execução.

Em termos de PRR, não temos uma gestão direta. É um programa com uma aplicação nacional, não é regionalizado.

Em última análise, tivemos um papel crucial nas escolas. O PRR alocou uma palavra muito significativa para que o pacote de entrega aos municípios seja com uma garantia de uma intervenção e reabilitação no Parque Escolar e as CCDR estão a gerir esse pacote. Contratualizámos em Maio 125 milhões de euros e agora entregaremos mais 50 milhões.

Isso vai permitir fazer intervenção em futuras escolas?
Vinte e nove. Tito 62 candidaturas.

Na aplicação dos fundos 2020, qual foi a maior fatia?
Nós tivemos 817 milhões de euros e a região de Lisboa é uma região desenvolvida, única do país e, por isso, aquela parte que financia as empresas e a competitividade foi o montante mais robusto.

Nós somos uma região que tem crescido, temos novos residentes, muitos imigrantes e que têm jovens e crianças que vêm para os nossos estabelecimentos de ensino, e chegou-se à conclusão de que havia insuficiências de oferta de salas e, portanto, também estamos a financiar essa capacidade de aumento do número de salas para acolher uma população jovem que aqui se está a radicar.

E na habitação?
Os fundos de coesão nunca tiveram qualquer necessidade de apoio à habitação, mas o PRR sim. É uma grande oportunidade que existe neste momento, para que se possa fazer um financiamento robusto para a oferta de habitação.

Ainda há muita burocracia e escassez de bolsas de terrenos por parte dos municípios.

O que é que poderia acelerar esse processo?
Os tempos de apreciação, mas são sempre muito difíceis. O Governo anterior, dinâmico, o Simplex urbanístico, que tendencialmente era para diminuir os prazos, mas tem sorte de uma contestação muito grande da parte dos municípios que acham que não vieram facilitar, que não foi um instrumento útil.

Quantas casas é que acha que seria preciso construir na região de Lisboa para responder ao problema ou à pressão de procura de habitação?
Foram anunciados mais cerca de 26 mil fogos para o país, e eu acho que só a região de Lisboa precisaria desse número de fogos.

Diria que a habitação é o maior problema na região de Lisboa nesta altura?
Sim. O grande desafio para a região de Lisboa é a habitação e a mobilidade. Estando em curso a resolução destes dois grandes desafios, a área metropolitana poderia responder também aos desafios de acolhimento.

Quando se fala na necessidade de, só em Lisboa, ter 26 mil fogos, está a falar de Lisboa como região que inclui também Setúbal, por exemplo?
Sim. Os 18 municípios. As coroas do crescimento urbano estão intimamente relacionadas com o desafio da mobilidade. Se estas coroas forem bem servidas de transporte público, garantindo qualidade de vida aos seus residentes. Ainda hoje, a Fertagus anunciou comboios de 20 em 20 minutos na sua totalidade de carga horária. O que é altamente relevante para toda esta população que vem da península de Setúbal.

Quando olhamos para aquilo que são as respostas às políticas de habitação nesses 18 municípios, existem várias velocidades na forma como as autarcas em cada uma das regiões conseguem responder a isso? Onde estão os maiores problemas, em Loures?
Não diria isso. Vai ter tendências problemáticas. Há vários anos, o problema era o Bairro da Belavista, sempre houve dramas, indisciplina e criminalidade. E também o Plano Integrado de Almada. Hoje, felizmente, não se fala tanto nessa população porque houve trabalho de integração.

Agora fala-se em outros bairros. O Segundo Torrão, em Almada.
É uma ocupação recente. Há territórios de atractividade, territórios onde se têm registos concentrados de nova população residente, muitas vezes não nas melhores condições e derrotas. Enquanto urbanista, a grande dificuldade é regularizar, tentar encontrar territórios que não tenham condicionalismos. Não se pode regularizar onde há condicionalismos. E a experiência que temos assistido em Valência mostra bem como temos de ser rigorosos e não permite que se possa construir ou que se possa regularizar habitação em zonas que tenham problemas de cheias ou que tenham outro tipo de problemas, vulnerabilidade sísmica. A zona do Segundo Torrão é uma zona que não tem condições para se regularizar.

É em cima da praia.
Onde não há condições, uma autarca tem de ser firme e não pode facilitar.

Isso quer dizer o quê? Desesperar pessoas?
Encontrar soluções alternativas. Despejar não pode ser formulado. Isso era antigamente. Antigamente é que havia despejos e as pessoas não tinham protecção.

E, portanto, os ritmos de resposta não são equiparáveis. Há ritmos mais acelerados, com respostas mais rápidas, municípios que têm essa capacidade ou essa espécie de terem programados ou de terem territórios que não sejam tão vulneráveis.

Com a população aumentando a um ritmo superior ao que o Estado consegue arranjar solução para essas pessoas, é uma batalha perdida?
Não, não é perdido, é mais intenso.

Não se está na região de Lisboa a agravar o fosso das desigualdades, nomeadamente ao nível do direito à habitação?
É uma região com problemas.

A situação é pior há dez anos?
Francamente não tenho os números. Não lhe consigo dar uma resposta. Não sei se está pior ou se está mais bem quantificado neste momento.

Estamos a crescer, é um facto. Portanto, quer dizer que tem de haver respostas. Também posso dizer que as coroas de residência estão alargar-se porque há mais mobilidade.

O Governo quer criar uma nova divisão regional para beneficiários, no fundo, os concelhos do Norte desta região, que, assim, poderiam ter acesso aos fundos da coesão. Concorda? Faz sentido para si essa divisão?
A península de Setúbal é já uma NUTT autónoma à NUTT da Grande Lisboa, exactamente para poder proporcionar esse reconhecimento de que a região de Setúbal não tem as mesmas características de desenvolvimento que tem Lisboa. As autarcas da coroa Norte também receberam essa pretensão, justificadamente, e o Governo atual está a fazer os estudos necessários. Estas decisões são decisões, primeiro, da parte do Governo, e depois a Europa tem de aceitar.

Sem se perder a dimensão regional, será possível ter estratégias específicas para cada um destes componentes da NUTT que venham a ser consagrados. O que quer dizer mais proximidade. Não há outra região no país que tenha a diversidade da região de Lisboa. Portanto, é esse trabalho que já estamos a desenvolver para 2027.

Gostava de saber o que é que um presidente da CCDR de Lisboa e Vale do Tejo defende em relação à regionalização, tendo em conta que o actual primeiro-ministro é contra esta possibilidade.
São decisões da parte dos governos e a minha opinião não interessa. Sou presidente de uma região administrativa, que neste momento é consagrada de uma forma em que nos foi dada mais autonomia e mais competências, somos um instituto público.

Não houve uma regionalização, mas houve da parte do Governo anterior a vontade de que os serviços regionais da administração central de determinados ministérios passassem a ser geridos no contexto de uma CCDR. Mas não foi uma regionalização.

Foi um movimento fortíssimo de transferência de competências para as autarquias.

Acha que o país não está preparado para uma regionalização?
Não é que não esteja preparado, eu penso que são opções. Temos um país com duas regiões autônomas e são bons exemplos. A Europa está praticamente toda com regiões específicas. Somos quase uma exceção.

Tem pena que Portugal seja uma exceção?
Não tenho estados de alma. Cumpra aquilo que tenho por missão cumprir. Se para evoluir para uma região consagrada, é uma revolução no sentido em que tem de haver eleições, tem de haver um parlamento e tem de haver receitas.

Tudo isso custa dinheiro.
Custa dinheiro, mas também pode querer dizer dinheiro mais bem aproveitado.

Quando promulgou as novas competências da CCDR, o Presidente assinalou a falta de claro no plano estratégico sobre a transferência de competências do Estado para estes organismos. Passado um ano, acha que Marcelo Rebelo de Sousa tinha razão ou não, e como é que viram essas reservas manifestadas pelo Presidente?
Penso que as reservas, na altura em que o Presidente da República as colocou, foram sustentadas em processos que, ao serem desenvolvidos, sempre têm algumas situações que não estão completamente asseguradas e resolvidas.

Este Governo decidiu acrescentar entretanto um vice-presidente para a Agricultura. Isso não cria um problema de autoridade para quem é presidente da CCDR?
Isso é mais uma nova formulação que acolheremos. Neste momento, tenho quatro vice-presidentes e nenhum dos novos vice-presidentes foi indicado pelo Governo. O meu vice-presidente actual para a Agricultura e Pescas é uma pessoa absolutamente capaz e de grande competência. Nada indica que não seja ela a pessoa escolhida pelo senhor ministro da Agricultura e Pescas.

Com a nova lei, o salário dos presidentes da CCDR ficou equiparado ao do primeiro-ministro, sendo superior, portanto, aos dos ministros que tutelam as várias áreas. Acha que as pessoas compreendem bem esta alteração?
Na altura, a ministra Ana Abrunhosa respondeu a isso dizendo que os ministros é que ganham pouco. O nosso salário é igual às administrações dos institutos públicos.

Foi eleito em 2020 pelas autarcas da região de Lisboa. Foram eleições algo criticadas na altura. Houve acusações de terem sido uma farsa, uma espécie de combinação entre o primeiro-ministro e o então líder da oposição, Rui Rio. Sente-se confortável por ter sido assim eleito ou por ter sorte nesta interpretação?
Pois, a interpretação é evidente que é dura, mas devo dizer que me sinto mais legitimada depois desta eleição. No caso da região de Lisboa, foram 3200 autarcas por eleitor. Foi um bom processo que nos legítimou e que nos mudou dos territórios e das autarquias.

E a construção da terceira travessia do Tejo e do novo aeroporto poderá criar novas novas territoriais na Área Metropolitana de Lisboa? Como é que o Estado se pode preparar para isso?
Eu penso que não. Os territórios da península de Setúbal acabam por ter uma margem de crescimento superior aos territórios da margem Norte. A zona do aqui Arco Ribeirinho são territórios de oportunidade.

Acredita que ainda vai ser possível ver esse projeto sair do papel?
Eu acho que isso é resultado. Os territórios disponíveis estão. É uma questão de trabalhar, de investir, de realizar os melhores projetos e, portanto, de consolidar um território metropolitano que não seja desequilibrado, em que a margem Norte teve uma evolução histórica que disse que dois terços da população vivem no lado Norte e um terço vive na margem do lado Sul.

O desafio vai ser agora crescer mais na margem Sul?
É onde há oportunidade.

Haverá também uma oportunidade em relação aos terrenos da actual Portela, que, desmantelada,será uma oportunidade para exactamente o quê? Habitação?
Acho que será um local de descompressão, absolutamente. Portanto, penso que será, essencialmente, uma zona de lazer e que depois terá, com certeza, nas suas franjas, abrangendo assim, áreas para actividades económicas ou também para poder servir a habitação.

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