Segunda-feira, Setembro 23

As negociações para o Orçamento são importantes, mas este enredo das reuniões-que-não-há é tão infantil e tão entediante que talvez o país não esteja a ver o que se está a passar. É natural, porque não se está a passar nada. É uma espécie de Secret Story, a engendrar segredos para as audiências. E é a política Tupperware, dedica-se à embalagem – e, como a célebre empresa, qualquer dia vai à falência sem que se dê por isso

Nas escolas faltam professores, nos hospitais faltam médicos, nas prisões faltam guardas – mas na Assembleia da República não faltam políticos, falta só bom senso. Está desde ontem em cena uma algazarra entre o governo e o PS que é tão ridícula que nem é para levar a sério, nem para levar a brincar, nem para levar a lado nenhum. É uma espécie de reality show sobre uma reunião que não se consegue marcar.

Como encenação, é uma xaropada, não tem interesse nenhum e não interessa a ninguém.  É um jogo de sombras, no faz-de-conta que já começou sobre este Orçamento do Estado, cujas negociações hão de ser descritas como “as mais difíceis de sempre”. Ou as mais dramatizadas. São-no sempre.

Ora veja a novela:

– no domingo, o gabinete do primeiro-ministro emitiu um comunicado (um comunicado!) a queixar-se de que está há três semanas a tentar marcar uma reunião com o líder do PS e que este não lhe responde. Parece que tinham encontro marcado para dia 18, o PM até tinha cancelado outros compromissos (sim, isto está no comunicado) mas Pedro Nuno Santos cancelou. Montenegro acusou-o de “indisponibilidade recorrente”, uma espécie de obstipação dialogante.

– pouco depois, Pedro Nuno Santos desmentiu: “as agendas de ambos não permitiram ainda esse agendamento”, houve uma primeira reunião desmarcada por falta dos dados das contas públicas “exigidos pelo Secretário-Geral do PS” e uma segunda data desmarcada –  o dia 18 – “depois do PS ter exigido que da mesma fosse dado conhecimento público prévio”. O PS quer um strip tease de reuniões, que sejam públicas para se saber quem anda a encontrar-se com quem.

– respondeu o primeiro-ministro que “não há reuniões secretas na Residência Oficial do primeiro-ministro”, como se alguém acreditasse que não há reuniões políticas de que ninguém sabe.

– queixou-se Pedro Nuno Santos de “fugas de informação deturpada para a imprensa” (bocejo).

– e marcou-se então uma reunião, é sexta-feira às 15:00.

Portanto, o primeiro-ministro faz-se de Carochinha mas leva uma tampa dia 18 e amua à frente do país; Pedro Nuno Santos não faz de João Ratão para não cair no caldeirão e amua depois do amuo pedindo agenda marcada à frente do país. Só falta fazer do Presidente da República uma secretária para marcar a dita da reunião à frente do país. (Bom, talvez Marcelo esteja amuado por agora estar tão fora da agenda das reuniões do PM e do PS).  

Repare-se: não estamos a discutir o Orçamento, não estamos a discutir a negociação do orçamento, não estamos sequer a discutir avanços e recuos nas reuniões – estamos a discutir a agenda da reunião da negociação do Orçamento. A agenda! 

Já percebemos que está tudo preocupado com o photo-finish do Orçamento, de quem cedeu e não cedeu, de quem perdeu e ganhou, do ónus de quem criou ou salvou o país de uma crise política. OK, mas ninguém parece preocupado com o espetáculo deprimente que estão a dar, o da bolha da política fechada sobre si mesma e que se dedica a expor-se ao ridículo de fazer comunicados sobre uma reunião de trabalho tão banal como um bananal.

Dêem-lhes bom senso, para perceberem que a infantilização das pessoas é a infantilização deles mesmos. Dêem-lhes cornetas e bodycams para se fazerem ouvir e ver. Dêem-lhes um Tinder para fazerem match. Dêem-lhes importância quando eles a merecerem.

 

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