Domingo, Outubro 27

Aprenda aqui como ter uma relação mais saudável com a comida. E alguns sinais a que deve estar atento

Foi um dia difícil. A pior coisa que podia fazer era devorar aquelas bolachas de chocolate que sabem exatamente como as da sua infância, certo?

Nem por isso, diz Jennifer Rollin, fundadora do The Eating Disorder Center em Rockville, Maryland, nos Estados Unidos da América, que lida com distúrbios alimentares.

O ato de comer impulsionado pelas emoções, outrora conhecido como fome emocional, é muitas vezes descrito como assustador, pouco saudável, descontrolado. Contudo, a verdade é que se trata de algo muito normal e que pode fazer parte de uma relação saudável com a comida, acrescenta.

Claro, há uma linha onde a fome emocional se pode tornar prejudicial à saúde, mas é importante que as pessoas apliquem nuances na hora de comer, em vez de aplicarem regras duras e estratégias assentes na vergonha, descreve Robin Klein, nutricionista especializada em distúrbios alimentares em Fort Washington, na Pensilvânia.

Talvez seja tempo de colocar a fome emocional numa perspetiva apropriada, para aprender não a lutar com ela, mas antes a lidar com ela, para alcançar uma relação mais saudável com a comida, apontam os especialistas.

O que é a fome emocional?

A comida é algo inerentemente emocional, resume Jennifer Rollin.

Podemos pensar em determinados alimentos que ingerimos como parte integrante da tradição cultural, quando estamos a conectar-nos socialmente ou quando estamos a celebrar uma conquista, junta.

“Se pensar nisso, as nossas vidas giram à volta da comida. A comida pode ser realmente reconfortante. E muitos constroem tradições, em todas as culturas, à volta da comida, que se torna algo nostálgico e sentimental”, explica Robin Klein.

Os corpos humanos também estão construídos para apreciar a comida. Por isso, faz sentido que quando estamos a experienciar emoções fortes, procuremos algo que nos saiba bem ou nos faça sentir bem, confirma Jennifer Rollin. Não devemos sentir vergonha de nós mesmos se comer algo de que gostamos é uma das ferramentas que temos para lidar com as situações que nos acontecem.

“Não nos envergonhamos a nós mesmos quando usamos outros mecanismos de resposta às situações”, acrescenta. “Comermos algo, às vezes motivados pelas emoções, não é um problema e algo pelo qual precisemos de auto-recriminação”.

Klein explica que, tal como acontece com as outras ferramentas que encontramos para lidar com determinada situação, o contexto importa. Está a evitar comer algo delicioso depois de um dia difícil ou depois de celebrar uma conquista? Ou está a evitar lidar com um problema maior?

“Não podemos dizer sempre, de uma forma objetiva e completa, que isto é algo bom ou mau sem conhecermos todo o quadro da vida de uma pessoa”, junta.

O problema da comida como combustível

Não devíamos simplesmente eliminar toda a emoção da comida e pensar nela apenas como um combustível para manter o nosso corpo a funcionar?

Isso também não funciona, avisa Jennifer Rollin: “Sim, a comida é um combustível, fornece energia para o nosso cérebro e para o nosso corpo, mas é muito mais do que isso”.

Às vezes, quando as pessoas ficam demasiado preocupadas em comer apenas alimentos mais ricos em nutrientes, acabam por perder muitos momentos que envolvem a comida e que trazem prazer, socialização e ligação, argumenta a especialista.

“Se a nossa visão é de que a comida é apenas combustível, então parece que ir sair para tomar um gelado com um amigo quando não temos fome não é uma ‘opção saudável’”, diz. “Contudo, sabemos que, de facto, as relações sociais são um dos melhores indicadores de saúde e longevidade”. 

Outra preocupação está ligada ao facto de demasiadas restrições poderem, muitas vezes, resultar em perturbações alimentares, aponta Natalie Mokari, nutricionista em Charlotte, na Carolina do Norte.

“A compulsão alimentar [consumo de alimentos em grandes quantidades], geralmente, resulta de sentimentos como este: ‘Não devia fazer isto, não vou fazer, vou fazer em excesso, porque nunca mais vou comer’. É como se vivesse entre um banquete e a fome”, descreve.

Quando há motivos para se preocupar

Há uma linha em que a fome emocional se transforma num problema. E isso geralmente acontece quando o ato de comer é o primeiro caminho para alguém lidar com uma situação, explica Robin Klein.

É importante estarmos conscientes sobre a frequência com que comemos para lidar com emoções difíceis e se temos outras estratégias para processar essas mesmas emoções, diz.

Segundo Jennifer Rollin, estes são alguns dos sinais de alerta para perceber se está demasiado dependente da comida como uma ferramenta para lidar com os problemas ou se está a comer de uma forma compulsiva: comer quantidades maiores do que a maioria das pessoas num curto período de tempo, sentir que perdeu o controlo, sentir culpa ou vergonha, comer às escondidas, comer mesmo depois de já se sentir cheio, 

“Se está a comer mais do que aquilo com que se sente confortável, e depois aplica restrições, como uma espécie de purga, isso é outro sinal de que a sua relação com a comida é problemática”, acrescenta.

Como recalibrar

Uma relação saudável com a comida envolve flexibilidade e equilíbrio, resume Natalie Mokari. Consegue dar permissão a si próprio para comer todo o tipo de alimentos sem se sentir a perder o controlo?

O primeiro passo para uma relação mais saudável com a comida associada às emoções é a consciência, diz Jennifer Rollin. Em vez de limitar ou de procurar a comida sem pensar duas vezes, o conselho é que tome consciência do propósito que a comida serve e das necessidades a que responde, diz a especialista.

Talvez esteja a lidar com aborrecimento ou stress. Talvez queira participar num evento familiar ou assinar um momento especial com um bolo.

Essa consciência pode ser útil também na hora de avaliar os seus valores, acrescenta Jennifer Rollin. É importante para si ser conhecido como alguém que vai a uma festa de aniversário e não come bolo? Ou é mais importante criar memórias com as pessoas que ama? É alguém que tem dificuldades em lidar com os problemas? Ou quer encontrar ferramentas para lidar com eles?

A chave é avaliarmos os nossos valores, a nossa abordagem e a nossa relação com a comida com curiosidade, em vez de o fazermos como um julgamento, junta Robin Klein.

“As pessoas podem pensar nisto quase como se fossem um detetive a reunir informações sobre elas próprias”, compara. “É algo que se está a transformar num problema? Há alguma coisa com a qual só sou capaz de lidar através da comida? Há camadas mais profundas que precisam de ser trabalhadas?”.

Quer esteja a lutar para dar autorização a si próprio para comer ou a fazê-lo de uma forma compulsiva, será útil procurar ajuda de um terapeuta ou nutricionista especializado em distúrbios alimentares ou na gestão inclusiva do peso, aconselham Robin Klein.

“Garanta que encontra o profissional certo, para que possa processar os sentimentos que está a viver e não se sentir envergonhado, culpado ou como se estivesse a fazer algo mau ou errado”, conclui

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