Segunda-feira, Outubro 7

As novas tabelas de retenção na fonte de IRS vão deixar-lhe, até ao final do ano, mais umas centenas de euros na conta. Não muitas, mas as suficientes para escolher um de dois caminhos: o bom e o mau. Não diremos qual é o melhor, talvez ambos sejam bons

No filme “Recordações da Casa Amarela”, de João César Monteiro, o personagem — e alter-ego do realizador — João de Deus está no hospital psiquiátrico Miguel Bombarda e recebe do amigo Lívio (Luís Miguel Cintra) um maço de notas, “muito bago” mas “dinheiro honrado”, que promete — ou avisa que vai — “gastar mal gasto”. Gastar mal gasto não é necessariamente gastar superfluamente. Os utopianos de Thomas Mann pensavam que “todas as nossas ações e mesmo as nossas virtudes” estavam “intimamente ligadas ao prazer”. Nenhum prazer será supérfluo, mas lá dizia o senhor Mann no livro “Utopia”: “Cobiçamos tudo o que é naturalmente agradável”, e isso é por vezes mais caro, custa mais bago. 

Assim, serve este artigo para ensinar (sem qualquer presunção) o leitor a gastar bem, a investir, a rentabilizar, a proteger, mas igualmente a utilizar o dinheiro para usufruir de alguns prazeres — aquilo a que os jornais e revistas do presente vêm chamando de “lifestyle” e que é tão abrangente que devia antes ser chamado de “life itself”. Não importa. 

O que importa é que dinheiro lhe sugerimos gastar bem e gastar mal: o valor que terá “a mais” na conta como resultado das novas tabelas de retenção na fonte de IRS. Quanto é? Pois, isso depende. Mas o nosso salário médio, em Portugal, está hoje nos 1.649 euros. “Ah, mas eu não ganho isso!” Calma. Tomemos um exemplo, um ordenado bruto de 1.500 euros. Se assim for, os ordenados de setembro e de outubro trazem, cada um, mais 191 euros. Os de novembro e dezembro já resultam das novas regras e trarão bem menos, só mais 14 euros cada. Os mesmo 14 euros que terá no subsidio de Natal. Feitas as contas, no final do ano há mais 524 euros à disposição. “Bem bom!” Calma. 

Importa avisá-lo que é dinheiro que vai abalar em pouco tempo, caro leitor, quando entregar a declaração de rendimentos no próximo ano. Aí pode não só não vir a ter direito a qualquer reembolso, como ainda ter de pagar IRS. Não choremos sobre o leite que ainda nem derramado foi. Pensemos em que se o leite derramar (na declaração), já temos mais um pacotinho no frigorífico, que é como quem diz “no banco”. 

Pedimos a António Ribeiro, especialista em assuntos financeiros da DECO PROteste, que sugerisse investimentos e poupanças com o que sobra de retenção na fonte. 

Uma anuidade de ginásio seria um bom investimento, certamente seria, mas ultrapassa os 524 euros. Também poderia comprar combustível numa baixa de preço, antecipando as subidas que aí vêm em 2025, mas é ilegal (e perigoso) armazenar jerricãs (devia utilizar-se mais esta palavra) e a multa vai até 2.750 euros. Ainda ficava a perder. Portanto, António Ribeiro sugere outras soluções. Ou “caminhos”, como prefere dizer. 

Caminho 1 – Criar ou reforçar o fundo de emergência (depósitos e certificados de aforro)

Pela sua simplicidade, o depósito a prazo é o produto financeiro mais popular em Portugal. A par dos certificados de aforro, é a aplicação indicada para fazer face a imprevistos, porque tem elevada liquidez (facilmente resgata o dinheiro). 

Pelo facto de ser o produto mais penalizado pelo efeito da inflação, já que o dinheiro fica parado e, no final do prazo, recebe um rendimento que, na maior parte das vezes, fica abaixo da inflação (2,5% para 2024 e 2,1% em 2025, segundo estimativa recente do Banco de Portugal), a Deco Proteste sugere que escolha um depósito com taxa líquida superior.

No contexto atual, em que as taxas dos depósitos estão em queda e se prevê que assim continuem, numa progressiva descida, opte por um depósito de um a cinco anos, que permita a mobilização antecipada. Alguns bancos não permitem levantar o capital antes do final do prazo, o que é uma desvantagem caso necessite dele. Além disso, alguns depósitos, sobretudo os que proporcionam taxas mais elevadas, exigem um montante mínimo elevado (25 ou 50 mil euros), o que pode inviabilizar a aplicação do reembolso do IRS nessas contas. Tenha atenção a estas questões antes de formalizar o depósito. 

Quanto aos certificados de aforro, a taxa base está no valor máximo (2,5% brutos). Portanto, abaixo das remunerações proporcionadas pelos melhores depósitos. Ainda assim, há vantagens nestes títulos de dívida do Estado que não devemos descurar: o mínimo de subscrição é baixo (100 euros); são permitidas entregas a qualquer momento com o mínimo de 10 euros; capitalizam juros a cada três meses; podem ser resgatados após o primeiro trimestre; o prazo máximo é de 15 anos, o que permite fazer uma poupança de longo prazo com entregas regulares ou esporádicas; beneficiam da garantia do Estado, o seu emitente, já que se trata de um produto de dívida pública (na prática, está a emprestar dinheiro ao Estado); e têm um prémio de permanência, que varia entre 0,25% e 1,75 por cento. Face a outros produtos de capital garantido, esta é a sua maior vantagem. 

A taxa base dos Certificados de Aforro é calculada de acordo com as últimas 20 observações da Euribor a três meses, pelo que acompanha a evolução das taxas de curto prazo. Pode simular o rendimento no simulador de certificados de aforro da Deco Proteste.

Caminho 2 – Criar ou reforçar o complemento de reforma (fundos PPR e seguros PPR)

A criação de um complemento à pensão de reforma deveria ser uma das principais preocupações financeiras de quem tem, neste momento, menos de 40 anos de idade, já que deverá sofrer os maiores cortes nas pensões. 

Segundo o Ageing Report de 2024, a Comissão Europeia prevê que, em 2050, as pensões do sistema público correspondam a apenas 38,5% do último salário. Uma boa razão para se precaver.

Há vários produtos destinados a esse fim que até proporcionam benefícios fiscais. É o caso dos já mencionados planos de poupança reforma, dos certificados de reforma e dos fundos de pensões. Preferimos os PPR pela variedade da oferta e flexibilidade do produto. Existem sob a forma de seguro, geralmente com capital garantido e rendimento mínimo, e sob a forma de fundo de investimento, por regra sem capital garantido. Os PPR funcionam como “mealheiro” para a reforma, pois permitem entregas regulares de pequenos montantes. No entanto, e daí a flexibilidade, podem também ser resgatados sem penalizações fiscais em caso de doença grave, desemprego prolongado, incapacidade para o trabalho e até para pagar a prestação mensal da casa. 

Excecionalmente, até ao final deste ano, há mais três exceções para fazer face à subida da inflação. Assim, se ainda não tem um PPR, pode aplicar o reembolso do IRS numa das “escolhas acertadas” que a Deco Proteste recomenda e ir reforçando de acordo com as suas possibilidades.

Para os mais conservadores, que não querem correr risco, ou para quem já tem 57 anos ou mais, a Deco Proteste recomenda o Lusitânia Poupança Reforma PPR. Permite entregas únicas ou programadas, com um mínimo de 20 euros mensais. Este seguro, além de garantir o capital, tem um rendimento mínimo definido anualmente (1,75% em 2024). Os subscritores da Deco Proteste Investe beneficiam de condições especiais resultantes do protocolo com a Lusitânia Vida.

Para quem ainda está a dez anos ou mais da reforma, é preferível um PPR sob a forma de fundo. Mais não é do que um fundo de investimento misto, com uma carteira diversificada. Embora não tenha garantia de capital, o rendimento potencial é bastante superior, pois investe nas bolsas de forma diversificada.

A Deco Proteste recomenda dois fundos PPR, com diferentes níveis de risco: o Alves Ribeiro PPR/OICVM, com cerca de 26% em ações; e o mais agressivo, o BBVA Estratégia Investimento PPR. O montante mínimo para subscrever estes fundos é de 50 e 25 euros, respetivamente. 

No caso do Alves Ribeiro PPR, precisa de abrir conta no Banco Invest, com um montante de 1.000 ou de 5.000 euros, consoante seja ou não subscritor e associado da Deco Proteste. Ao subscrever o Alves Ribeiro PPR/OICVM ao abrigo do protocolo da Deco Proteste com o Banco Invest, beneficia de outras vantagens, como a isenção de comissões e bonificação, e de um prémio de fidelização anual de 0,2%. Este prémio é convertido em pontos – 1 ponto equivale a 1 euro, que podem ser usados para subscrever novas unidades de participação. 

Caminho 3 – Fundos de investimento 

Se já tem um fundo de emergência, bem como um PPR, pode aplicar numa carteira de fundos, a longo prazo (mais de cinco anos). Uma alternativa mais simples são um dos três fundos que replicam as três carteiras da Deco Proteste Investe (defensiva, equilibrada e agressiva) em três fundos da Optimize.

Na prática, tem disponíveis três fundos de investimento mistos, que agregam as recomendações de investimento em fundos de ações e obrigações da equipa de especialistas. São eles Optimize Selecção Defensiva, Optimize Selecção Base e Optimize Selecção Agressiva. 

A percentagem aplicada em ações é o que os distingue: a versão defensiva aplica 25% em ações, a base investe 55% e a agressiva 75% no mercado acionista. Por norma, quanto maior a percentagem de ações, maior o risco, mas também o potencial de rendimento. Por exemplo, nos últimos dez anos, até agosto de 2024, as carteiras da Deco Proteste renderam 2,1%, 2,9% e 4,4%, respetivamente, ao ano. 

Mas os fundos foram bastante penalizados nos últimos anos, devido ao efeito da guerra na Ucrânia e à crise da inflação. Ainda assim, nos últimos 12 meses, tiveram boas recuperações (5%, 4,3% e 4,3%, respetivamente). É, por isso, recomendado que invista sempre por prazos mais longos (acima de cinco anos), de forma a recuperar de crises que possam ocorrer. Qualquer que seja a versão, o montante mínimo é de dez euros. 

Por mais tentador que seja gastar este dinheiro extra, ver as poupanças crescer é aliciante. E ter uma “reserva” para imprevistos e um complemento de reforma é ainda mais.

“Vem aí mais dinheiro para os (seus) bolsos”. Veja aqui o episódio de As Pessoas Não São Números sobre “o bem-bom de final de ano”

Agora voltamos a João César Monteiro e ao seu “gastar mal gasto”. As sugestões não são já da Deco Proteste e o especialista António Ribeiro não tem nada que ver com isto. É responsabilidade unicamente, e pessoalmente, do jornalista. 

(Mau) caminho 1 – Fruta

Alguém, não sei já quem, um certo dia, e não sei já quando, recomendou-me comprar pitaias. Não sabia do que se tratava, achei que seria uma ave canora talvez. Não era, era fruta — e era silenciosa. Lá me dirigi a um hipermercado, à zona do exotismo frutícola, e peguei num bom e velho par de pitais, invulgares mas deleitosas. E sigo, ingénuo, cândido até, para uma caixa. Avanço logo confiante para o terminal de pagamento, nem quis um saco — um par de pitais assim é para se ver. Na hora de pagar, é possível que o meu corpo tenha experienciado o equivalente a levar com um pau. Era caro, era caríssimo: 11,63 euros o quilo. Mas lá diz o ditado, “enquanto o pau vai e vem, folgam as costas”. E paguei. Não por causa de nenhum ditado, paguei porque tive vergonha de dizer um “desculpe, deixe ficar”. 

Longa introdução feita, a sugestão do jornalista é: compre nove quilos de cada uma das frutas mais caras. Nove quilos de pitaia (11,63 €/kg), nove quilos de pepino melão (12,99 €/kg), nove quilos de granadilha (13,99 €/kg) e nove quilos de maracujá amarelo (14,99 €/kg). É muita fruta? É. Mas caiu em desuso (até nos casamentos) uma das instalações artísticas mais bonitas de sempre: a cascata de frutas. Faça uma, deve ser relaxante.

No total, gastou 482,40 euros, ainda lhe sobram 41,60 euros — que, lamentavelmente, poderá ter de gastar em medicação para o desarranjo do baixo ventre.

(Mau) caminho 2 – Tecnologia

Como a nova PlayStation é “pro” e custa os olhos da cara, compre a versão “normal” e “barata”. Portanto, dos 524 euros vão 399,99 para a PlayStation 5. Mas para não ter uma máquina que é só verbo-de-encher, terá de adquirir um jogo: pode ser um EA Sports FC 25 (o nome mudou mas é só o “FIFA” e custa a módica quantia de 79,99 euros) que lhe garantirá algumas horas de diversão e de vício —  talvez largas horas, talvez um fim de semana inteiro, talvez ligue ao patrão na segunda-feira e diga que está com febre, talvez precise de procurar um especialista em adições. Na verdade o vício pode ser breve se se irritar (aí procure outro especialista) e atirar o comando à televisão — o “rage quit” é um fenómeno de TikTok, vale a pena procurar pelas compilações de jogadores aziados. 

Resumindo: é dinheiro “mal gasto” — muitas amizades e relações se quebram por causa de videojogos —, mas ao mesmo tempo é tecnologia e fica bem dizer que somos todos “tec”, mesmo que às vezes não saibamos abrir o Word.

(Mau) caminho 3 – Restauração

O Pedro, filho do mítico Evaristo do Solar dos Presuntos, não me pagou — nem me conhece. Mas se é para gastar num restaurante, vão até às Portas de Santo Antão e gastem a bem gastar. 

De entrada, é para vir logo o queijo amanteigado de ovelha, 6,20 euros, umas amêijoas à Bulhão Pato, 27,50 euros, e um prato de presunto Joselito (de um cerdo que só se alimenta de bolotas) fatiado no momento, 28,50 euros. Avancemos agora para peixes e mariscos. A lagosta nacional a 115 €/kg vem primeiro e triunfal, depois um arroz de lavagante, a 96 €/kg; os filetes de peixe-galo com arroz de tomate (38 euros) e o polvo à lagareiro com batata a murro e grelos (34 euros) podem vir ao mesmo tempo — que depois logo se decide a ordem pela qual descem. Espaço para carne? Claro-que-sim. Um entrecote angus marmoreado no josper com arroz e batata frita (34,50 euros) e um cabrito assado à moda de Monção com batata assada e arroz de forno (28,50 euros) para a mesa deste cavalheiro endinheirado, se faz favor! E nem pensar em partir sem um crepe Suzete com gelado de baunilha (36 euros). Tudo o anteriormente sugerido e digerido não pode ser regado por Barca-Velha de 2011 (1.790 euros), mas estes 524 euros ainda dão para um Niepoort Bastardo de 2020, por 69,50 euros. 

Tudo somado, saí do Solar dos Presuntos com 513,70 euros investidos (recuso-me a dizer que um cabrito assado à moda de Monção é “gastar”) e um troco de 10,30 euros. O Kompensan para o enfartamento é 5,30 — portanto, leva cinco no bolso.

(Mau) caminho 4 – Hotelaria

A Comporta já não é só espíritos santos e mosquitos do demónio: por 455 euros já pode ir dormir uma noitezita ao Sublime. É só uma noite, pois sim, mas inclui pequeno-almoço — e os ovos (plural; são dois) Benedict são do domínio dos deuses. Sobram-lhe 69 euros.

Sugiro-lhe duas opções. A primeira é jantar. Jante no restaurante “Canalha”, do chef João Rodrigues, que fica lá mesmo, no Sublime, e é pegar ou largar, porque só está aberto até final de outubro. Se ainda está a fazer digestão (visual) do enfarta-brutos no Solar dos Presuntos, invista 65 euros no SPA do Sublime e opte pelo “Envolvimento Corporal”. Leva 35 minutos. E antes que haja equívocos, descrevo a experiência como diz no site: “Um tratamento de nutrição, hidratação e rejuvenescimento com extrato de noz”. E mais não digo porque mais não sei.

Sei que lhe sobram quatro euros. Sei que deve chegar para atravessar a Ponte 25 de Abril se tiver um carro de categoria C1. Se vai para lá num SUV, ainda mete mais 60 cêntimos do seu bolso.

(Mau) caminho 5 – Cultura

Ah, a cultura! Não vou aqui citar João César Monteiro sobre “as más-línguas” se o leitor discordar da sugestão de gastar-mal-gasto cultural. Mas posso citar o Ortega y Gasset, para quem a cultura era “uma necessidade imprescindível”. O Bukowski dizia uma coisa melhorzinha: “Great art is horse shit, buy tacos” — dispensa tradução e nós de comida já falámos demasiado. Adiante. 

A sugestão é ir ver o “Coriolano” de William Shakespeare ao National Theatre, em Londres. É ir, ver e regressar. Para dormir já não vai dar. O bilhete de teatro é 106,95 euros e o voo de ida e volta (vai em primeira classe, mas é uma low-cost; portanto, a bucha é seca e o café aguado, mas tem mais espaço para as pernas) custa-lhe 287 euros. Gastou 393,95 euros, sobrariam 130 euros. Sobrariam mas não sobram. 

Andar de transportes leva-lhe logo uma parte e a outra, sugestão do jornalista — não diga que vai daqui —, é para o leitor gastar no Florattica Rooftop Bar, uma vista que-sim-senhor, enquanto se serve de brunch (48 euros) e para não se embuchar pede dois cocktails (a 21 euros cada). Ah, a cultura!

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