Sábado, Outubro 19

O Governo já começou, e deverá continuar, a descongelar a taxa de carbono, o que implicará um aumento dos impostos que recaem sobre os combustíveis em 2025. Empresas de transporte e retalhistas avisam que, se isso acontecer, o esforço adicional acabará refletido nas famílias. Há o receio de que, com um choque no preço do petróleo, se dê uma nova crise inflacionista, como aquela de que o país parecia ter acabado de se libertar

 Imagine um pão, pode ser uma carcaça simples. Para tornar-se uma realidade, é preciso que a farinha chegue à padaria. E depois da transformação, que o resultado siga para as lojas.

E se lhe dissermos que em 2025 essa carcaça pode ficar mais cara? E não é só por causa da tradicional subida do preço da farinha a que assistimos a cada ano. Antes, por causa do combustível que é preciso durante toda a cadeia logística.

O problema é que não é só no pão que isto poderá acontecer. As associações que representam as empresas de transporte de mercadorias e as empresas de distribuição admitem que, perante a subida prevista no valor dos combustíveis em 2025, poderá ser necessário refletir esses novos custos no consumidor final.

“Ou pagam na bomba ou no supermercado”, simplifica Pedro Silva, analista de mercado e sustentabilidade da Deco Proteste. Isto porque esta subida dos impostos nos combustíveis acabará, de uma forma indireta, a penalizar até aqueles que não têm carro para abastecer.

O Governo espera, como se pode ler na proposta de Orçamento do Estado para 2025, obter mais 650 milhões de euros em receita fiscal com os combustíveis rodoviários. A maior fatia, de 525 milhões, vem do descongelamento da taxa de carbono. Coincidência ou não, a nova versão do IRS Jovem – encarada como uma força de cedência às linhas vermelhas do PS – também custará 525 milhões de euros, praticamente metade da proposta original.

Quem paga? O consumidor final

Nem todas as viaturas de transporte de mercadorias são afetadas pelo descongelamento da taxa de carbono. Pedro Polónio, presidente da Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM) explica que as viaturas acima das 35 toneladas estão isentas.

Mas há todas as outras que também garantem a chegada de mercadorias. “Há muita entrega nos supermercados que é feita em camiões de 19 ou 26 toneladas, que são afetadas”, vinca. Para essas empresas, os combustíveis vão custar mais. E, para muitas, tornando-se impossível absorver esses novos custos, irão refleti-los nos clientes. E, por sua vez, no consumidor final. “É o mais provável”, admite o responsável.

Para a ANTRAM, a solução passaria por aplicar o regime do gasóleo profissional a todas as viaturas de transporte de mercadorias, independentemente da sua tonelagem, e não apenas às que têm mais de 35 toneladas.

“Se tivermos aqui um desvio nos custos associados ao transporte ou à logística, haverá impacto”, reconhece Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), que representa o grande retalho, onde diz, as margens são “reduzidas, de 2 a 3%”.

O impacto, a fazer-se sentir, não será imediato. “É algo a médio prazo. Não podemos dizer que, por subirem os combustíveis, os preços vão subir amanhã. Até porque os contratos preveem um prazo mínimo para fazerem efeito”, vinca o porta-voz.

“Quando há um aumento generalizado dos custos de transporte, é evidente que o custo se vai fazer sentir transversalmente. Por muito que haja concorrência, é difícil fugir a este aumento de preços”, insiste.

(EPA)

Uma nova espiral de inflação?

Neste momento, a inflação está relativamente controlada. Contudo, há o receio de que, a juntar à subida de impostos em 2025, um choque repentino e acentuado no preço do petróleo – à custa, por exemplo, da tensão crescente no Médio Oriente – possa fazer escalar a inflação. E, com ela, o preço dos alimentos.

Lembra-se do final de 2021 e de 2022? É isso que pode voltar a acontecer. Foi à custa dessa crise inflacionista que o anterior Governo decidiu congelar a taxa de carbono. O atual Governo, já depois de o preço do petróleo inverter, começou a descongelá-la em agosto deste ano.

E, embora a maior parte do descongelamento já tenha acontecido, os efeitos vão fazer sentir-se mais no próximo ano, explica Pedro Silva, analista de mercado e sustentabilidade da Deco Proteste: “No próximo ano, já vai ser cobrada durante 12 meses, os efeitos já vão sentir-se durante todo o ano”.

“Estamos num mundo não muito distante daquele em que vivíamos no final de 2021. Neste momento, com toda a incerteza política, em especial no Médio Oriente, seria prudente não voltarmos a uma situação limite, com os preços que tínhamos em 2021, onde o preço por litro quase chegava aos dois euros”, avisa.

Mas a pressão nos bolsos das famílias chegará também por outras vias. “A estrutura de distribuição de mercadorias está muitíssimo dependente dos custos de gasóleo. Vai refletir-se na alimentação ou na roupa”.

Em resumo: “de uma forma ou de outra, vai criar pressão nas famílias”. Quem acaba a perder é, necessariamente, a própria economia. De orçamento apertado, o consumo das famílias tende a diminuir. Sem consumo, as empresas veem-se obrigadas a travar na produção. É uma espiral a que ninguém quer regressar.

Empresas de transporte vão abastecer a Espanha

Quem rapidamente veio criticar os planos do Governo foi a Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis (ANAREC), que representa as gasolineiras.

“Vemos a situação com muita preocupação. Aumentando o preço do combustível, haverá um aumento generalizado de todos os produtos. Isso faz a inflação voltar a aumentar, penalizando empresas e particulares”, reitera a vice-presidente Mafalda Trigo.

A responsável alerta que Portugal, com a sede de arrecadar impostos, poderá ficar a perder. Ou não estivesse Espanha aqui tão perto, com preços mais atrativos nos combustíveis: “Sei que há empresas de transporte de mercadorias que estavam a abastecer em Portugal, mas que, agora, só abastecem o suficiente para chegar à fronteira. A maioria dos abastecimentos é feito do lado de lado da fronteira”.

Mafalda Trigo insiste que a mudança de tendência se verificou a partir do momento em que o governo começou a descongelar a taxa de carbono. Os postos de fronteira, diz, estão “praticamente parados”.

A ANAREC defende que o caminho devia passar por voltar a congelar a taxa de carbono.

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