Em vários países que ocupam lugares mais competitivos na economia, no funcionamento do Estado, mas também na confiança nas instituições públicas, ter uma administração pública mais forte, mais independente, mais robusta e mais capaz é a fórmula para uma melhor missão de serviço público. A Bélgica já passou longos períodos sem governo, mas os serviços públicos continuaram a funcionar. Países como a Noruega e o Reino Unido mostram que administrações robustas, independentes e homologadas a um propósito geram maior estabilidade e legitimidade, como destaca o relatório da OCDE de 2024 sobre confiança nas instituições públicas.
Quando há continuidade na implementação de políticas e maior transparência, a confiança dos cidadãos nos serviços públicos aumenta. Em Portugal, no entanto, essas recomendações muitas vezes não são acompanhadas por medidas concretas que consolidem o funcionamento da administração pública, perpetuando uma relação instável entre governo e gestão pública.
Não quero dizer com isto que um governo não deve orientar, trabalhar na prossecução de melhores políticas públicas, fornecer instrumentos humanos, materiais e financeiros, ou ajustar o funcionamento das instituições públicas quando necessário. Mas o que tem sido repetidamente selecionado em Portugal — e de forma tão visível ultimamente — é uma total subordinação da administração pública ao governo e aos líderes políticos.
Sucessivamente, alteram-se nomes, com escolhas políticas e partidárias, mais ou menos evidentes, dependendo dos casos. Só que uma organização é muito mais do que apenas o rosto de uma administração. É a combinação de uma fórmula difícil e frágil de equipes multidisciplinares, de um trabalho comum e, sobretudo, de pessoas que devem compartilhar um plano e um propósito claro, de forma a atingir resultados.
Quem esteve na administração pública no tempo da troika assistiu a anos sucessivos de referências ao Estado — e, por consequência, aos servidores públicos — como sinónimo de despesa, burocracia e inutilidade. Este discurso trouxe consequências que ainda permaneceram, porque desmotivou e tirou milhares de pessoas da vontade de mudar.
A realidade das nossas equipas também está marcada por outros desafios estruturais, como aponta um recente artigo da Revisão de negócios de Harvardtanto no setor público como no privado, muitas equipes caem em padrões disfuncionais: apatia, falta de colaboração ou uma cultura isolacionista, sem alinhamento estratégico, que revelam as maiores falhas na liderança. No setor público, essas dinâmicas ainda são agravadas por mudanças políticas constantes que interromperam projetos antes de atingirem maturidade.
Não há nada mais desmotivante para um trabalhador do que investir horas a fio num projeto, incentivado por um líder, para, no dia seguinte, ver a orientação política mudar e a prioridade ser outra. As pessoas fecham-se, pensam na sua vida, na sua família ou até na sua reforma. Temos, afinal, uma administração envelhecida.
O trabalho mais complexo de um líder político não é o de produzir legislação: é o de colocar em prática as políticas públicas e saber medir o seu sucesso. Para isso, é preciso sair do gabinete, conhecer a realidade, ir aos organismos, falar com as pessoas, motivar, dar condições e fornecer instrumentos para atualização do capital humano. E, sobretudo, saber acompanhar.
É fundamental ser exigente na entrega no prazo certo, mas também em saber estar junto das equipes para celebrar as conquistas ou para aprender com os momentos que correm menos bem.
Não se governa imputando problemas aos dirigentes e abrindo inquéritos a cada falha, através de um modelo punitivo, baseado na ameaça. É preciso dar tempo para criar equipes.
Também não serve de muito culpar continuamente o governo anterior por problemas que estão para além desse período político. Ou temos uma administração mais independente e autônoma, capaz de mudar, transformar, ser mais eficiente – e conseguir atrair e recrutar nas novas gerações – e oferecer respostas com qualidade, ou perpetuamos o alheamento e a incapacidade de melhorar os nossos serviços.
“Senhor Doutor, a lei não permite”, dizia-me muitas vezes sempre que queria iniciar um projeto mais transformador, mas faltava motivação. A minha resposta foi a mesma: “Estamos aqui coletivamente para permitir que isso seja possível. Com soluções inovadoras que respondam aos problemas reais e com as soluções jurídicas mais eficazes”.
É esta combinação árdua, mas produtiva que realmente muda um país. Na Saúde, na Segurança Social, na Justiça, na Administração Interna — por tantas áreas, persistem muitos que querem mudar e têm vontade de continuar. Mas estas pessoas não podem trabalhar na instabilidade de um gabinete político. É preciso estar lá, conhecer e dar espaço para fazer, em nome de um melhor serviço ao cidadão.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico