Se for um candidato de palavra, o futuro Presidente Trump vai penalizar fortemente as exportações europeias para os EUA. Para já, os analistas ouvidos pela CNN Portugal não confiam nas palavras do futuro presidente e preferem esperar para conhecer a sua equipa económica. Mas se Trump concretizar mesmo a ameaça de aplicar direitos aduaneiros universais de 10% sobre todas as importações, a Europa será apanhada desprevenida e com o seu motor económico, a Alemanha, à beira de gripar. Como resultado poderá mesmo sofrer uma recessão. “O impacto é sempre muito negativo”
As reações dos principais líderes europeus à vitória de Donald Trump começaram por ser diplomáticas e, veremos que sem surpresa, de apelo a alguma cooperação — política, mas, sobretudo, económica.
Roberta Metsola, a presidente do Parlamento Europeu, garantiu que os europeus se consideram “prontos a manter laços transatlânticos fortes”, ressalvando que tais laços incluirão “mercados abertos”. Por sua vez, a presidente da Comissão Europeia referiu que os Estados Unidos e a União Europeia “são mais do que apenas aliados”. Ursula von der Leyen desafiou o futuro Presidente norte-americano a “trabalhar em conjunto numa agenda transatlântica forte”.
Já dois dos principais líderes de países europeus, o presidente francês e o chanceler alemão, também alinharam pelo discurso de cooperação com Trump. Emmanuel Macron declarou-se “pronto a trabalhar” como já fizera “durante quatro anos”, referindo-se ao anterior mandato de Donald Trump, enquanto Olaf Scholz também quer “trabalhar”, mas desta feita por uma Europa “mais unida, mais forte, mais soberana”, promovendo a “prosperidade em ambos os lados do Atlântico”.
Não, os discursos cautelosos e “negociantes” não surpreendem. É que a vitória de Trump pode mesmo, fazendo fé nas suas intenções e discursos e políticas, representar um problema sério na economia europeia. Desde logo se Trump vier a aplicar direitos aduaneiros universais de 10% sobre todas as importações dos EUA, afetando, na Europa, setores-chave como a exportação automóvel ou de produtos químicos — que lideram as exportações na Zona Euro e representam, se lhes juntarmos a indústria, quase 90% das exportações na UE.
Hoje, as relações económicas entre os Estados Unidos e a União Europeia representam 1,2 biliões de euros por ano. No entanto, se atendermos só às exportações, a União Europeia exportou em 2023 para os EUA mais de 502 mil milhões em bens.
Por curiosidade, Portugal exporta pouco mais de cinco mil milhões anuais, exportações oriundas, segundo o Instituto Nacional de Estatística, dos combustíveis, produtos farmacêuticos, borracha, bem como de máquinas, aparelhos e materiais elétricos. No entanto, Portugal, na Zona Euro, ocupa apenas um modesto 14º lugar nas exportações. A lista é liderada, destacadamente, pela Alemanha, que exporta 157 mil milhões de euros, seguida da Itália (67 mil milhões), Irlanda (51 mil milhões) e França (43 mil milhões).
Ora, se é verdade que o também já de si protecionista Inflation Reduction Act (IRA) de Joe Biden teve implicações na economia europeia, os analistas consideram (embora não de uma forma unanime) que uma decisão política como a dos direitos aduaneiros poderá, em última instância, fazer colapsar as exportações, arrastar a Europa para um longo conflito comercial, desvalorizar a moeda única (o que se pode igualmente traduzir em mais custos nas importações), abalar o por ora frágil “motor” económico europeu, que é a Alemanha, arrastando o restante bloco para uma recessão.
Num dos piores cenários, o PIB europeu sofrerá uma erosão até 1,5% (embora outros analistas não antevejam uma redução de mais de 0,11% no PIB), o equivalente a 260 mil milhões de euros.
Mas como é que aqui chegámos? O alemão Moritz Schularick, presidente do Instituto Kiel para a Economia Mundial e professor de Economia na Sciences Po, escreveu, logo após a mais do que certa vitória de Trump, que aquele triunfo “marca o início do momento económico mais difícil da história da República Federal da Alemanha” — e, é implícito no comentário, da história europeia recente, que, diz Schularick, sofrerá “pressão” no crescimento.
Ainda segundo este destacado economista e analista, os alemães (mas de novo se refere aos alemães referindo-se à Europa como um todo) foram “míopes e irresponsáveis” ao tornar as suas finanças e segurança “dependentes de eleitores indecisos nos EUA”. No fundo, o que o presidente do Instituto Kiel para a Economia Mundial diz é que a desorientação europeia, e a incapacidade de fazer uma reforma estrutural e profunda, precavendo-se para a eleição de um líder populista do outro lado do mundo, “vai cobrar o seu preço”. A solução? Moritz Schularick não apresenta uma solução miraculosa, mas refere que os alemães e os franceses devem “liderar o caminho”.
Um caminho passará necessariamente por o BCE avançar para um corte agressivo nas taxas de juro, de forma a amortecer o impacto das medidas protecionistas de Trump, antevendo alguns analistas que o BCE pode mesmo ser obrigado a reduzir as taxas até perto de zero no próximo ano. A recessão, essa, estará sempre no horizonte. Ou talvez não.
“A visão autárcica e protecionista de Trump pode trazer consequências negativas”
João Borges Assunção, economista, procura resfriar os ímpetos e promessas de Trump, “pois neste tipo de líder a palavra nem sempre se materializa numa ação”. À CNN Portugal, o professor da Universidade Católica Portuguesa diz que, embora uma medida como a dos direitos aduaneiros universais de 10% sobre todas as importações dos EUA “tivesse impacto na economia europeia e mundial, e o impacto é por si só suficiente para provocar uma recessão global”, a verdade é que “é ainda cedo para antecipar” as políticas de Trump, bem como a resposta a estas, devendo a Europa “esperar para ver qual é a administração, o representante na economia, no comércio internacional, conhecer a natureza e a calendarização de cada medida”. “Dependendo da natureza e da calendarização, o efeito pode ser mais pequeno ou significativo”, refere João Borges Assunção.
Também Pedro Brinca, economista e professor da NOVA SBE, antecipa à CNN Portugal que o protecionismo de Trump, se levado a um extremo, “não é bom”. E explica: “Se pensamos que hoje 50% do comércio mundial são cadeias de valor global, estão deslocalizadas em diferentes partes do mundo, e para concluírem o ciclo de produção vão passando por diferentes geografias, naturalmente que as tarifas aduaneiras são mais um custo e vão encarecer os produtos. Portanto, o impacto é sempre muito negativo”.
Outro economista, Ricardo Ferraz, diz à CNN Portugal que a “visão autárcica e protecionista” de Trump pode trazer “consequências negativas” para as relações económicas entre a UE e os EUA. “A confirmarem-se os aumentos das tarifas, a Alemanha, que é o principal motor da zona euro, poderá enfrentar ainda mais dificuldades, na medida em que tem nos Estados Unidos um parceiro comercial privilegiado. E claro que se a Alemanha, que já está a enfrentar graves problemas, sofrer ainda mais, isso também afetará os restantes membros — incluindo Portugal”, explica. Ainda assim, para o investigador do ISEG é “prematuro” afirmar que tal poderá causar uma recessão económica na UE ou na área do euro. “Devemos aguardar por decisões concretas da nova administração norte-americana para compreender melhor”, defende.
Os três especialistas ouvidos pela CNN Portugal confluem num ponto: a Europa, como um todo, e a Alemanha, em concreto, aconteça o que acontecer, sentirão um impacto para o qual não se precaveram.
“O relatório Draghi diz claramente que o modelo de crescimento da Europa, assente na exportação e não no desenvolvimento e consolidação do mercado interno, tem fragilidades e expõe a economia europeia à autonomia estratégica dos Estados Unidos e da China. O que estes dois países estão a fazer não é propriamente uma ‘desglobalização’, mas olham mais para dentro — e a Europa não o faz. Portanto, estamos perante uma nova era de autonomia. E isso traz desafios do ponto de vista da soberania, claro que sim”, refere Pedro Brinca, defendendo que a hipótese de o BCE baixar juros para amortecer o impacto é “possível”, e até haverá “pressão” nesse sentido”, no estando, refere, “baixar juros não é uma medida ‘amiga’ da inflação”.
Já para Ricardo Ferraz, a Zona Euro terá de, mais do que apresentar medidas conjunturais para fazer face a eventuais problemas, “adotar medidas estruturais”. “E isso passa, desde logo, por mais investimento tecnológico e por mais inovação. Caso contrário não será possível acompanhar os gigantes americano e chinês”, explica.
Para João Borges Assunção, se Trump for mesmo fiel à sua palavra, e se houver mesmo aumento de tarifas, “o impacto vai ser significativo logo no primeiro ano e a economia vai empobrecer”, cabendo às autoridades monetárias europeias “proceder à acomodação necessária para o impacto das medidas ser menor”, nomeadamente através da baixa das taxas.
Mas, de novo, a medida é imediata, mas não estrutural.
“As medidas estruturais importantes, na segurança social, na redução do peso do Estado, na menor tributação do sucesso das empresas, na simplificação da burocracia, no investimento em desenvolvimento tecnológico, tudo isso é mais bem aceite na sociedade americana do que em sociedades europeias. Portanto, as reformas de fundo esbarram na vontade global da sociedade na Europa. Ao mesmo tempo, a Europa é profundamente dependente — em termos militares, em termos económicos, em termos tecnológicos — da economia americana, como se vê. No curto prazo, e sem uma reforma europeia, isso [dependência] é inultrapassável”, conclui o professor da Universidade Católica Portuguesa.