O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAF) condenou o Estado a indemnizar, em 30 mil euros, uma mulher de um operador florestal que ficou gravemente ferida nos incêndios de Pedrógão Grande, em Junho de 2017.
“(…) Julgo parcialmente procedente à presente acção e, em consequência, condeno o demandado [Estado] a pagar à autora indemnização no valor de 30 mil euros, acrescida de juros de mora à taxa legal, contabilizados desde a citação e até efectivo e pagamento integral”, lê-se na sentença, de 26 de Novembro e à qual a Lusa teve hoje acesso.
Esta acção administrativa contra o Estado iniciou no TAF em 2020, assim como outras idênticas, da mulher de Rui Rosinha, bombeiro que também ficou gravemente ferido naqueles incêndios. Esta ação tem julgamento marcado para Março de 2025.
Nas ações é pedido que seja reconhecido às duas mulheres a qualidade da vítima ao abrigo do diploma que estabelece medidas de apoio às vítimas dos incêndios florestais ocorridos em Portugal continental em Junho e Outubro de 2017 (Lei n.º 108/2017), disse o advogado Gonçalo Ribeiro à Lusa em Junho de 2022.
Segundo Gonçalo Ribeiro, nestes casos o entendimento da Provedoria de Justiça foi de que as duas mulheres não poderiam ser consideradas vítimas, pelo que intentaram as acções para serem indemnizadas pelos danos patrimoniais e não patrimoniais.
Nos factos considerados provados na sentença, lê-se que no dia 17 de Junho de 2017 o operador florestal estava a trabalhar com mais duas pessoas num pinhal no Maranhão, Troviscais, concelho de Pedrógão Grande.
Devido à aproximação do fogo, todos decidiram fugir numa viatura em direcção ao Mosteiro (o objectivo era alcançar o Itinerário Complementar 8), sendo que no trajecto um dos pneus rebentou devido ao intenso calor do incêndio.
Com o despeito da viatura, que ficou imobilizada, os ocupantes abandonaram-na e “colocaram-se imediatamente em fuga, a pé, sempre fustigados pelo fumo, calor e pelas chamas, tendo sido expostos a temperaturas muito elevadas”.
Diante desta situação, o operador florestal sofreu várias queimaduras (cerca de 60% da sua superfície corporal) até ter sido resgatado pelas equipes de socorro.
A sentença elenca as intervenções cirúrgicas a que o ferido grave foi sujeito, assim como as lesões e sequelas, como por exemplo o facto de terem sido amputados os dedos de ambas as mãos, e as múltiplas tarefas que estão impossibilitadas de fazer, assinalando que tem uma incapacidade permanente global de 81%.
O documento apresenta depois o impacto que esta situação teve na vida sexual, pessoal, familiar e profissional da mulher, que “sempre acompanha (e acompanha) o seu marido” e de quem este depende “para todas as atividades básicas do cotidiano”.
Tendo em conta que o Estado falhou “nas atribuições que lhe cabem” ao nível da protecção da vida e da integridade física dos cidadãos, a juíza assinala que essa conduta provocou “uma grave ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros”, no caso, como vítimas de incêndios e seus familiares.
O tribunal ressalva que “tal concluiu não obsta a eventual responsabilização (civil ou criminal) de determinados órgãos, funcionários ou agentes cuja conduta omissiva possa ter contribuído para os eventos” de Junho de 2017, mas “tal não excluiu a responsabilidade que, em primeiro lugar linha, cabe ao Estado em matéria de protecção civil”.
A juíza nota que o Estado já assumiu a sua responsabilidade perante as vítimas dos incêndios ocorridos naquele ano ao reconhecimento de que se integra no conceito de vítima “as pessoas singulares directa ou indirectamente afectadas na sua saúde, física ou mental, nos seus rendimentos ou no seu património”.
“Portanto, este conceito é abstratamente suscetível de abranger terceiros que, como autor, viram a sua esfera jurídica indiretamente afetada pelos acontecimentos”, acrescenta a sentença.
Para o TAF, “os danos descritos, pela sua gravidade, atentas às repercussões ao nível da vida pessoal e familiar do autor e do seu bem-estar físico e emocional, merecem efectivamente tutela do direito, admitindo-se que as situações descritas são suficientemente perturbadoras (…)”.
O Tribunal conclui que a mulher “padeceu (e padece) de um sofrimento acrescido, que ultrapassa o quadro médio das perturbações inerentes à vida em sociedade, face ao estado de saúde do seu marido após os incêndios em causa, bem como por todas as repercussões que esse estado teve e tem na [sua] vida familiar e pessoal”, justificando a atribuição de indemnização por danos não patrimoniais.
Os incêndios que deflagraram em Junho de 2017 em Pedrógão Grande e que alastraram os concelhos vizinhos, nomeadamente Castanheira de Pêra e Figueiró dos Vinhos, provocaram a morte de 66 pessoas, além de ferimentos a 253 populares, sete das quais sepulturas. Os fogos destruíram cerca de meio milhar de casas e 50 empresas.