Quinta-feira, Setembro 19

A palavra “não”, frequentemente associada a limitações e frustrações, possui um potencial formativo, muitas vezes, subestimado. Longe de ser um instrumento de repressão, a negativa, quando empregue com prudência e sensibilidade, torna-se um pilar fundamental na construção de pessoas autónomas, resilientes e socialmente adaptadas.

A psicanalista Françoise Dolto postula que a experiência do “não” é crucial para a construção da subjetividade infantil. Ao ser confrontada com os limites, a criança internaliza a impossibilidade da satisfação imediata de todos os seus desejos, desenvolvendo a capacidade de lidar com frustrações e preterir gratificações – atributos essenciais para a saúde mental e o sucesso em diversos âmbitos da vida. A ausência dessa experiência, a confrontação com o não, pode levar a dificuldades na regulação emocional, impulsividade e baixa tolerância à frustração, impactando negativamente a saúde mental e o bem-estar.

Mas os impactos da ausência do “não” não se ficam pela lado da construção socio emocional.

Jean Piaget, nos seus variadíssimos estudos sobre o desenvolvimento cognitivo, reconhece o valor da negativa como promotora da aprendizagem. O “não” desafia a criança a questionar as suas próprias ações, a procurar alternativas e a elaborar novas estratégias para alcançar os seus objetivos, fomentando a curiosidade, a criatividade e a capacidade de resolver, autonomamente, os problemas.

Por seu lado, Lev Vygotsky, psicólogo russo, destaca a importância da interação social na aprendizagem e no desenvolvimento. O “não”, nesse contexto, atua como um mediador entre a criança ou jovem e o mundo, estabelecendo limites e regras que a protegem de perigos e a auxiliam na acomodação de normas sociais, contribuindo para o desenvolvimento do sentido de responsabilidade e do autocontrolo. Vários estudos corroboram a narrativa de Vygotsky e indicam que a ausência de limites claros pode levar a comportamentos de risco, dificuldades de adaptação social e problemas de relacionamento interpessoal.

Montessori defende o uso parcimonioso da negativa para fomentar a autodisciplina e a perseverança, enquanto Freire vê no “não” um estímulo à autonomia, ao pensamento crítico e ao questionamento do status quo. Por tudo isto, o “não”, quando empregue com prudência e sensibilidade, configura-se como um recurso valioso na formação de indivíduos resilientes, conscientes e preparados para os desafios da vida. Longe de ser um instrumento de repressão, a negativa, utilizada de forma adequada, atua como catalisador para o desenvolvimento integral da criança e do adolescente, abrindo portas para um futuro de realizações e conquistas. A educação, na sua essência, é um processo de construção e transformação. O “não”, nesse contexto, emerge como um elemento crucial, capaz de moldar caracteres, estimular o pensamento crítico e preparar as novas gerações para um mundo em constante mudança.

Se todos estes “benefícios” do uso do “não”, não forem suficientes para o começarmos a usar na educação das nossas crianças e jovens, vejamos então o perigo da sua ausência.

Durante a infância e adolescência, a ausência de ouvir um “não” pode ter consequências significativas na vida adulta.

Logo à cabeça a dificuldade em lidar com a realidade. Cria-se a crença de que tudo é possível e que os seus desejos devem ser sempre atendidos. Obviamente, esta crença, pode levar a frustrações e dificuldades em lidar com a realidade, que muitas vezes impõe limites e desafios.

Para além disso, essa dificuldade em lidar com a realidade, com a frustração e com os fracassos pode levar a uma autoestima frágil, que se baseia na aprovação externa e na realização de todos os seus desejos. Por sua vez, a dificuldade em aceitar limites e respeitar os desejos e necessidades dos outros pode levar a conflitos e relacionamentos disfuncionais, tanto na esfera pessoal quanto profissional.

Tudo isto leva a que não se desenvolvam mecanismos de autocontrolo, tornando-se pessoas com comportamentos impulsivos e irresponsáveis com consequências negativas para si e para os outros.

Portanto, é fundamental que pais e profissionais da educação compreendam a importância do “não” na educação e o utilizem de forma consciente e construtiva, proporcionando às crianças e adolescentes as ferramentas necessárias para se tornarem adultos emocionalmente saudáveis, resilientes e capazes de lidar com os desafios da vida.

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