Sexta-feira, Outubro 18

Milhões de venezuelanos deverão ir às urnas este domingo, 28 de julho, no que muitos veem como as eleições mais importantes do país desde que o seu líder, Nícolas Maduro, chegou ao poder há mais de uma década.

A eleição opõe o autoritário Maduro – que tem estado ao leme de níveis sem precedentes de pobreza e emigração do país – a Edmundo Gonzalez Urrutia – um avô calmo, amante de pássaros, que montou uma forte base de seguidores apesar de ser a terceira escolha da oposição, depois de os seus dois candidatos preferidos terem sido impedidos de se candidatar.

Mas os especialistas alertam para o facto de o resultado da votação poder vir a ser contestado. Maduro tem o hábito de se agarrar ao poder, apontam: o seu governo há muito que é acusado de manipular votos e as eleições de 2018 que levaram Maduro ao cargo foram descritas como ilegítimas por uma aliança de 14 nações latino-americanas, pelo Canadá e pelos Estados Unidos.

O populista e o ex-diplomata

Maduro, que assumiu o comando do movimento populista Chavismo após a morte do seu antecessor Hugo Chávez em 2013, está a tentar obter o seu terceiro mandato consecutivo de seis anos. A sua última eleição foi largamente boicotada pela oposição. A Organização dos Estados Americanos classificou essa votação como uma “farsa”, afirmando que foi “realizada com uma ausência generalizada de liberdades públicas, com candidatos e partidos proscritos e com as autoridades eleitorais sem qualquer credibilidade, sujeitas ao poder executivo”.

O presidente venezuelano Nicolas Maduro com a mulher, Cilia Flores, durante a apresentação de um filme biográfico e de um livro sobre ele no Teatro Teresa Carreño a 14 de julho de 2024, em Caracas (Jesus Vargas/Getty Images)

Nos eventos de campanha deste ano – geralmente eventos animados e cheios de dança – Maduro classificou seus opositores como “fascistas” e “manipuláveis”, alegando que pretendem privatizar a saúde e a indústria petrolífera do país e “oferecer a nossa riqueza”.

Apesar de estar sob o seu controlo, a Venezuela assistiu ao rápido colapso da sua democracia e quase oito milhões de pessoas fugiram do país. A inflação disparou e a escassez de alimentos alastrou à medida que o país sofria “o maior colapso económico de um país não conflituoso em quase meio século”, como afirmou o Fundo Monetário Internacional (FMI).

O candidato presidencial da oposição venezuelana, Edmundo Gonzalez, e a líder da oposição, Maria Corina Machado, acenam a apoiantes na Universidade Central da Venezuela em Caracas, a 14 de julho de 2024 (Pedro Rances Mattey/Anadolu/Getty Images)

Gonzalez, um antigo diplomata, é candidato por uma coligação da oposição conhecida como Plataforma Democrática Unitária. As suas prioridades incluem a contenção da inflação, atualmente de 64% ao ano, e o restabelecimento da confiança nas instituições de poder do país, como o sistema judicial, atualmente repleto de simpatizantes de Maduro. No entanto, não apresentou um roteiro sobre como conseguiria convencer um governo autoritário a abandonar voluntariamente o controlo e a liderar uma transição democrática.

Nas últimas semanas, os seus comícios, ao lado de Maria Corina Machado, a carismática líder da coligação da oposição que foi proibida de se candidatar à presidência no início deste ano (juntamente com a sua colega Corina Yoris), atraíram multidões surpreendentes, incluindo partes da população há muito devotadas ao chavismo. As duas prometeram construir um país capaz de acolher os milhões de venezuelanos que partiram em massa nos últimos anos devido ao desespero económico.

Vários outros candidatos também estão a concorrer, mas têm um apoio mínimo e são vistos pela principal oposição como aliados do governo.

De acordo com Oswaldo Ramírez, diretor-geral da ORC Consultores, a oposição encontrou apoio em “quase todos os cantos do país”.

“A energia eleitoral está de volta às ruas da Venezuela”, diz ele. “Nunca, nos anos desde o início desta era política, a oposição teve intenções de voto que a favorecessem de forma tão ampla.”

Apoiantes do presidente Maduro distribuem panfletos​​​​​​ no bairro de Agua de Maiz, em Caracas, a 11 de julho de 2024 (Juan Barreto/AFP/Getty Images)

As eleições vão ser justas?

Vinte e cinco anos depois de Chávez ter levado a sua visão socialista para os corredores do poder em Caracas, as eleições marcam uma rara oportunidade para os venezuelanos refazerem o país – se Maduro estiver disposto a abdicar do controlo no caso de uma derrota. Contudo, os analistas apontam para o historial de Maduro de alegada intromissão eleitoral, sugerindo que é improvável que ele permaneça em silêncio.

“Esta pode ser a última oportunidade para a Venezuela restaurar a democracia por um longo tempo”, diz Ryan Berg, diretor do Programa das Américas no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla inglesa). “O nível de fraude de que [o governo de Maduro] vai precisar vai ser tão óbvio para todos que não há como eles avançarem com credibilidade na eleição. Vão ser apanhados com a mão na massa.”

O partido no poder já está a interferir nas eleições há meses. Em janeiro, Machado foi impedida de exercer cargos públicos durante 15 anos pelo Supremo Tribunal, controlado por Maduro. Os EUA afirmaram que a decisão contrariava uma promessa feita pelo governo venezuelano em 2023 de realizar eleições livres e justas. Gonzalez foi nomeado candidato depois de a substituta designada por Machado, Yoris, ter sido igualmente impedida de se candidatar.

Entretanto, o governo de Maduro diz ter frustrado uma série de planos duvidosos, apoiados pela oposição, para sabotar infraestruturas públicas e interferir nas eleições. Os analistas veem nesses planos as sementes de um pretexto que Maduro poderia utilizar para adiar ou cancelar as eleições à última hora.

Os especialistas alertam para o facto de Maduro poder também provocar uma crise militar com a vizinha Guiana Essequiba, depois de ele e os seus apoiantes terem intensificado as suas ameaças de anexar uma parte das terras desse país, rica em petróleo.

Alguns têm especulado que Maduro poderia usar a crise como desculpa para suspender as eleições.

O governo de Maduro também tem sido acusado de tentar semear a confusão antes do dia das eleições, incluindo a mudança de nome de cerca de 6.000 escolas, locais que normalmente servem como assembleias de voto. O governo também criou impedimentos significativos ao voto dos venezuelanos que deixaram o país, incluindo requisitos de passaporte e residência amplamente inatingíveis, dizem especialistas em eleições.

Apoiantes da oposição num encontro com o candidato presidencial, Edmundo Gonzalez, e a líder da oposição, Maria Corina Machado, na Universidade Central da Venezuela, em Caracas, a 14 de julho de 2024 (Pedro Rances Mattey/Anadolu/Getty Images)

Como vai a eleição desenrolar-se?

Há mais de 21 milhões de eleitores registados na Venezuela, incluindo cerca de 17 milhões de pessoas que vivem atualmente no país.

Um grupo limitado de observadores eleitorais, incluindo uma equipa do Centro Carter – uma organização sem fins lucrativos criada pelo antigo presidente dos EUA Jimmy Carter – estará no terreno para monitorizar a eleição, depois de as autoridades venezuelanas terem revogado, em maio, um convite à União Europeia (UE) para enviar uma delegação, invocando as sanções impostas pelo bloco ao país.

Mas as opções para a oposição e a comunidade internacional são limitadas se Maduro se recusar a ceder o poder, indica Berg, do CSIS. “A oposição pode sair às ruas, pode mobilizar-se, pode exigir certas coisas, mas se o regime entrar e tiver por trás o poder de fogo para a reprimir, como vimos noutros casos sob Maduro, a coisa pode ficar muito feia”, aponta.

Se a oposição conseguir a vitória, é provável que um período de transição de seis meses inclua uma intensa negociação em torno da amnistia para Maduro e para os membros do seu governo, que, segundo os analistas, Maduro irá certamente exigir antes de uma eventual transferência de poder.

Maduro enfrenta atualmente acusações formais de tráfico de droga e corrupção nos EUA e está sob investigação por crimes contra a humanidade pelo Tribunal Penal Internacional (TPI).

Machado indicou nos últimos meses que a oposição manifestou ao governo venezuelano a vontade de estabelecer uma “negociação séria com garantias” para Maduro e os seus aliados – caso Maduro e seu Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), no poder, se afastem perante uma derrota.

“Sabemos da responsabilidade que temos com a História e, se há sentimentos que animam este processo, são os de reunificação, convivência e justiça, nunca de vingança e perseguição”, disse Machado no início deste mês.

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