Há crimes tão ousados que ficam para a história. Este é um deles. Em 1972, juntamente com quatro cúmplices, George Wright desviou um avião, com um milhão de dólares de resgate e voou de Miami até Argel. Foi a última vez que o FBI soube do seu paradeiro. Só em 2011 é que o viriam a localizar em Portugal, onde vivia tranquilamente com a família.
Ninguém diria que aquele senhor amável, que vivia numa aldeola de Sintra, onde era conhecido por Jorge, tinha atravessado três continentes em fuga, sem deixar rasto. Em 1972, quando chegou à Argélia, o país era um porto de abrigo para exilados políticos. Entre eles, destacava-se uma dúzia de militantes do Black Panther Party, o famoso grupo armado norte-americano que lutava pela igualdade de direitos dos negros.
Se, como Wright afirma, o seu objetivo era político (ajudar financeiramente os Black Panther), o plano não correu bem. Mal o avião aterrou, o governo argelino confiscou o dinheiro e o avião e devolveu-os aos EUA.
Um golpe de sorte
Wright e os seus comparsas foi autorizado a permanecer em Argel, mas viu-se numa situação precária, sem meios de subsistência, numa terra estranha onde não conhecia os hábitos, nem a língua (árabe ou francês). Os Black Panthers, que não o conheciam, nem estavam a par do desvio do avião, pouco podiam ajudar. Para onde poderia ele ir, sem documentos, nem apoios e com o FBI em alerta máximo?
Cerca de nove meses depois, surgiu um golpe de sorte. Uma ativista política que tinha em mãos a falsificação de passaportes para os Black Panther poderem circular, arranjou também para George Wright, que passou a usar o nome Jack Ragland. Foi assim que, em 1974, chegou a França, onde trabalhou em limpezas, nas vindimas e outros trabalhos ocasionais.
Um amor improvável
Em 1976, os cúmplices foram presos em Paris. Wright não foi apanhado porque, entretanto, tinha-se separado do grupo. Receoso da polícia, alguém lhe sugeriu Portugal. Vivia-se então o período da Revolução de 1974, e Wright poderia passar despercebido entre os retornados oriundos das antigas colónias. Além disso, Portugal era uma boa porta de entrada para África, onde ele se poderia refugiar.
Já em Portugal surgiu uma história de amor improvável. Na passagem de ano de 1977/78, à porta da discoteca Manhattan, na zona da Parede, em Cascais, Wright conhece Rosário Valente, uma jovem da burguesia lisboeta, filha de um general. Ela tinha 23 anos e ele 35. Em 1980, decidem construir uma vida em comum na Guiné-Bissau.
Tiveram uma ajuda de peso. Um influente militar português recomendou-o ao governo guineense, que o recebeu, de forma sigilosa e ofereceram-lhe casa e emprego (treinador de basquete). Não é claro se o governo guineense, quando teve este gesto de boa vontade, conhecia o verdadeiro passado criminal de George Wright ou julgaria estar a proteger um perseguido político, como ele apregoava.
O “nascimento” de Jorge Santos, o guineense
Mas o passo decisivo para George Wright se tornar invisível aos olhos da polícia foi uma falsificação de documentos que se desenrolou em três Conservatórias do Registo Civil: Em Bolama, em Prabis e em Bissau.
Através de certidões forjadas, passou a ter pais guineenses na filiação; o seu local de nascimento passou a ser Bissau; o nome passou a ser José Luís Jorge dos Santos e a nacionalidade, guineense. George Wright deixava de existir e nascia assim Jorge Santos, o guineense. Com o rasto americano totalmente apagado, podia andar à vontade, sem ser detetado.
O fugitivo que o FBI não esquece: o americano (episódio 1)
O que não falta a George Wright é audácia. Aos 19 anos foi condenado por homicídio, aos 27 fugiu de uma prisão americana, aos 29 desviou um avião, com um milhão de dólares de resgate.
Quarenta anos depois, o FBI descobriu que vivia em Portugal, após ter andado fugido por França, Argélia e Guiné-Bissau. Nesse dia, teve de encarar mulher e filhos e contar-lhes todos os segredos do seu passado.