Em Portugal, a interrupção voluntária da gravidez está prevista no artigo 142.º do Código Penal e pode ser realizada por opção da mulher desde que estejam reunidos um conjunto de suposições, sendo estas: que seja realizada no SNS ou clínica privada acreditada; que seja feito por médico, ou sob a sua direção; que as condições que tornam o aborto não punível sejam atestadas por médico diferente daquela que realiza a IVG e que se observe um período de reflexão de pelo menos três dias a contar dos dados da primeira consulta. Além de todas estas premissas, a gestação não poderá ultrapassar as dez semanas, um prazo manifestamente curto, que faz da lei portuguesa a mais restrita dos países da UE onde o aborto foi despenalizado.
O modelo de regulação do aborto em Portugal é o da criminalização com exceções, ou seja, criminaliza a mulher que aborta exceto se estiverem reunidas todas aquelas condições.
Hoje, o aborto é um direito constitucionalmente protegido na França. A Noruega e a Dinamarca alargaram recentemente o prazo legal para o aborto a pedido da mulher, das 12 para as 18 semanas. Na Alemanha, um grupo de peritos e associações da sociedade civil insta o governo a retirar o aborto do Código Penal. Na Espanha, o aborto por opção da mulher até às 14 semanas é legal desde 2010. Na Inglaterra, onde o prazo para abortar vai até às 24 semanas, o aborto é acessível através de telemedicina desde 2022.
Em Portugal, da esquerda à direita, nenhuma proposta muda o paradigma. Com mais ou menos semanas, todas elas criminalizam a mulher que aborta.
Está na hora de debater seriamente o direito ao aborto em Portugal. Falemos no fim da consulta prévia e do período de reflexão, elementos da nossa lei que funcionam como entraves à organização dos serviços e cuja mensagem é que as mulheres não têm capacidade para tomar decisões sobre o seu projeto de vida. Falemos na forma como a lei coloca os profissionais de saúde sob suspeitas, ao exigir a participação de dois médicos naquele momento que é um processo clinicamente simples e seguro. Falemos no aumento do número de semanas em que o aborto é legal. Falemos também em alargar o prazo de 16 semanas a todas as mulheres, já previsto na nossa lei em casos de violação, evitando ainda que as sobreviventes de violência sexual sejam obrigadas a revelar que foram vítimas de crime.
Importa atualizar verdadeiramente a lei do aborto e retirá-lo do Código Penal. Importa ter uma lei que deixe de nos colocar na cauda da Europa no que toca aos direitos reprodutivos das mulheres.
Deverá o legislador português colocar-se ao lado dos Estados-membros que escolhem expandir os direitos, atualizar as suas leis e retirar o estigma ao aborto? Este é o caminho que permite às mulheres a cidadania plena, que inclui o direito ao livre desenvolvimento da personalidade. Ou deverá, pelo contrário, colocar-se ao lado da direita italiana e do antigo governo polaco, na restrição de direitos reprodutivos?
Manter o limite de dez semanas, impor acompanhamento psicológico ou medidas draconianas – como a suposta possibilidade de ouvir o coração do feto – é usurpar o lugar de decisão da mulher. É decretar que o Estado Português continue a obrigar aqueles de nós que podem viajar para a Espanha ou fazer abortos ilegais. E é decretar que o Estado Português continue a obrigar as mulheres pobres, os imigrantes e as mais vulneráveis, a parir.
Nesta sexta-feira, os deputados da Assembleia da República votaram. Amanhã, as mulheres votarão de acordo – nas autárquicas, nas presidenciais, nas legislativas – até ao aborto ser direito.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico