Domingo, Outubro 20

O discurso estava bem estudado, totalmente alinhado, ninguém destoou. Em Braga, o PSD quis mostrar que, livre das amarras do OE2025, entra agora numa nova fase. Montenegro vincou as diferenças que se podem esperar em relação ao legado socialista. Na sala, ouviram-se os mais rasgados elogios ao trabalho feito em tempo recorde. De OE2025, quase não se falou. À tarde, quando o 42º Congresso do PSD parecia perder força, um desfile de notáveis inverteu o cenário. Marques Mendes não desfez o tabu eleitoral, Santana Lopes apareceu de surpresa. Montenegro tirou os seus ministros das vice-presidências do PSD, para distinguir o partido do Governo. Em Braga, até agora, ninguém notou essa diferença. Estes são seis pontos altos deste primeiro-dia

1. O ATAQUE AO LEGADO DO PS

“Ai, não pisem o presidente”. À entrada, uma faixa no chão recorda os feitos de Luís Montenegro ao longo dos últimos dois anos, com várias fotografias do agora primeiro-ministro. Os primeiros militantes não quiseram pisar, com os pés, o rosto do líder.

Afinal, ninguém veio a Braga para o 42º Congresso do PSD para pisar ou ferir Luís Montenegro. Se havia algo (ou alguém) para atacar, ficou claro com o passar do dia: o PS, mesmo depois de Pedro Nuno Santos ter anunciado a abstenção socialista ao documento. Montenegro encara-a apenas como uma “posição”, não como um apoio. 

E depois abriu as hostes. Quem o viu a entrar, dizendo aos jornalistas que não seria “edificante lançar sobre o secretário-geral do PS” a dúvida se Pedro Nuno Santos iria, na fase da especialidade, “adulterar ou descaracterizar”. Falou mesmo da “história” e da responsabilidade do PS”.

O mesmo PS que, minutos depois, havia de rasgar com vários exemplos. O PS dos “powerpoints incongruentes”, de quem herdou “uma bagunça e demasiado descontrolo” na imigração, bem como uma classe média “fustigada por impostos e contribuições por todos os lados”. Dúvidas houvesse e esta frase dissipou-as: “Não somos descendentes de pântanos, de bancarrotas nem de empobrecimentos”.

(Hugo Delgado/Lusa)

2. O ELOGIO DO TRABALHO FEITO EM TEMPO RECORDE

O discurso estava bem estudado. O PSD veio a Braga para mostrar o trabalho feito em tempo recorde, em 200 dias de governo, a contrastar com oito anos de governança socialista, onde os problemas que o PS hoje diz serem “fáceis” ficaram por resolver.

“Por mais que se esforcem, nós não somos iguais àqueles que nos antecederam. Nós viemos para mudar. E estamos a mudar Portugal”, disse Montenegro. Num congresso onde se fazia questão de separar o Governo do partido – com quatro ministros a abandonarem as vice-presidências do PSD com esse argumento -, praticamente não se notou a diferença. Montenegro nunca tirou o fato de primeiro-ministro.

Aos militantes menos conhecidos que iam falando entre o forte ruído na sala, juntaram-se, ao final da tarde, os ministros. A atenção redobrou-se na sala. Todos com o discurso alinhado, nenhum a destoar da narrativa estudada. Mensagens de unidade, de coesão, de trabalho feito. E os ataques à imaturidade da oposição socialista, ao seu legado cheio de lacunas e ao caráter intempestivo de Pedro Nuno Santos.

“Ganhámos e governamos. Não estamos bloqueados pela esquerda ou pela direita radical que estão desorientados. O não é mesmo não. E o socialismo não voltará”, atirou António Leitão Amaro. 

“Sabemos que os nossos adversários foram surpreendidos por este TGV que lhes passou de repente, tanta ação, tanto ímpeto reformista em apenas seis meses, aparentam estar zangados e estarem amargurados”, completou Miguel Pinto Luz.

Já Pedro Duarte acabou a lembrar o “passado”, os casos da era de António Costa, para vincar que o atual governo “devolveu a paz e credibilidade às instituições”.

(Hugo Delgado/Lusa)

3.UM DESFILE DE QUASE-CANDIDATOS: MARQUES MENDES, SANTANA LOPES E CARLOS MOEDAS

No Fórum Braga, uma placa mostra que é possível a convivência entre PS e PSD: Mário Soares inaugurou o edifício em 1987, Marcelo Rebelo de Sousa cortou a fita da ampliação e da remodelação em 2018. Entre os sociais-democratas, todos querem que Belém continue em tons laranja – mesmo que neste congresso o PSD tenha abdicado da sua histórica cor, a favor do azul da Aliança Democrática.

O final da tarde em Braga foi um desfile de quase-candidatos e quase-recandidatos, que ajudaram a recuperar a energia que parecia perdida no encontro. A presença mais esperada era a de Luís Marques Mendes, que só desfaz o tabu da candidatura presidencial em 2025. Foi com “simpatia” que recebeu as palavras de Montenegro a admitir que o seu perfil encaixava no desejado pelo PSD. Mas o antigo presidente social-democrata garantiu não ter vindo a Braga para medir o pulso ao apoio, até porque só falou aos jornalistas. Houve uma razão “afetiva” – “é a minha família política”, com a qual tem uma “dívida de gratidão” -, mas também por uma razão “política”: “Venho para dar um abraço a todo o partido, mas sobretudo a Luís Montenegro, que iniciou um novo ciclo político”. Até à sala principal, distribuiu beijos e abraços por onde conseguiu.

(Hugo Delgado/Lusa)

Surpresa maior foi a vinda de outro ex-presidente, Pedro Santana Lopes, que neste momento não é sequer militante do PSD. Há quem o aponte na corrida a Belém, mas o autarca da Figueira da Foz quer mesmo é uma nova corrida pela câmara. “Camarário, autárquico. O mais natural na minha é a recandidatura autárquica”. E admitiu que pode levar os símbolos do PSD na folha de voto. A visita a Braga foi relâmpago, apenas para expressar “solidariedade com o trabalho que está a ser feito”.

(Hugo Delgado/Lusa)

Apresentado por Miguel Albuquerque como o homem que “tirou o catalisador de esquerda caviar de Lisboa”, Carlos Moedas também quis manter-se no congresso como um quase-recandidato. “Há três anos que estamos a batalhar em Lisboa numa situação difícil”, admitiu apenas. Moedas havia de conseguir o aplauso mais forte da tarde. O alvo do discurso: PS. “Eles não têm palavra, não têm consciência, não têm solidez”. Pelo contrário, têm apenas uma técnica política: “aquilo que eles não fizeram é culpa nossa”.

(Hugo Delgado/Lusa)

Outra das visitas de peso foi a de Maria Luís Albuquerque. Contudo, a nova comissária europeia entrou muda e saiu calada.

5. O TABU ORÇAMENTAL

Além do tabu eleitoral, houve o tabu orçamental. Por vontade própria, Luís Montenegro nunca falou do Orçamento do Estado para 2025. Montenegro entrou no congresso a vincar que este é “o primeiro orçamento desde que há memória onde não sobe um único imposto” – argumento depois reforçado por vários ministros em palco.

Como a música oficial desta reunião magna, e sem obstáculos nas contas de 2025, Montenegro está agora focado no longo prazo: “agora é hora de fazer o meu país mudar”. 

Joaquim Miranda Sarmento, ministro das Finanças, também não quis falar da “novela” do OE2025, porque este é apenas “um instrumento das políticas económicas do Governo”, apesar de defender as prioridades que ele encerra. “A novela orçamental ficou encerrada e ainda bem”.

Mas será que ficou mesmo? É que o secretário-geral do PSD, Hugo Soares, braço-direito de Luís Montenegro não deixou de alertar que PS e Chega continuam a protagonizar votações conjuntas, lembrando as semelhanças entre os principais rivais. Ou seja, é sinal de que ainda há riscos daqui para a frente.

(Hugo Delgado/Lusa)

6. O FANTASMA DAS REGIÕES AUTÓNOMAS

Numa manhã de chuva, foi o mau tempo vindo dos arquipélagos a ganhar destaque. É que Miguel Albuquerque e José Manuel Bolieiro – entretanto reconduzidos na Mesa do Congresso – não estão nada satisfeitos com o possível corte de verbas para as regiões autónomas. E admitem um voto dos deputados insuladores contra o OE2025.

“Não se trata de uma ameaça, trata-se de uma constatação”, disse Albuquerque. E o tema tomou conta da parte da manhã da reunião magna social-democrata. Montenegro mostrou-se aberto discutir o assunto, lembrou o “espírito de diálogo” – mas não neste fim de semana. “Não é aqui que se decidem estas coisas”. Ainda assim, nas estruturas sociais-democratas é forte a crença de que, com “sentido de responsabilidade”, as conversas vão chegar a bom porto.

(Hugo Delgado/Lusa)

7. UM NOVO MILITANTE (E UMA NOVA DIREÇÃO)

À entrada, Sebastião Bugalho, agora eurodeputado, fugiu à pergunta: quando ia assinar a ficha de militante? Montenegro daria a resposta pouco depois, em palco: o eurodeputado, cabeça de lista como independente, já é social-democrata. “Entro no PSD por uma questão de gratidão, não de ambição”, havia de justificar Bugalho depois.

Este congresso fica marcado também por uma dança de cadeira ligeira nos órgãos do PSD. Esperada, até porque Montenegro já tinha escrito na sua moção de estratégia que quer deixar clara a diferença entre o Governo e o partido.

Para isso, escolheu Leonor Beleza, antiga ministra da Saúde pelo partido e atual conselheira de Estado, para sua primeira vice-presidente. Para vice-presidentes vão também Rui Rocha, Lucinda Dâmaso, Alexandre Poço, Inês Palma Ramalho e Carlos Coelho.

Assim, os quatro ministros que também eram vice-presidentes do PSD – António Leitão Amaro, Miguel Pinto Luz, Margarida Balseiro Lopes e Paulo Rangel – passam a vogais deste órgão do partido.

(Hugo Delgado/Lusa)
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