Terça-feira, Outubro 8

Meios de comunicação social portugueses destacam a necessidade de uma reformulação e regulamentação dos media e aplaudem o Governo pelas medidas anunciadas para o setor, mas destacam que é preciso ir mais além e atuar também nas plataformas digitais internacionais – como o Facebook e a Google

O agrado – mesmo que ainda com algumas dúvidas – é verbalizado em uníssono: os meios de comunicação social falam em “coragem” do Governo em prol da sustentabilidade dos media em Portugal. O fim gradual da publicidade na RTP, confirmado esta terça-feira pelo Governo, foi igualmente aplaudido de forma consensual.

Na conferência O Futuro dos Media, Francisco Pedro Balsemão, CEO do grupo Impresa, que detém os títulos Expresso, SIC e SIC Notícias, entre outros, abriu o painel “A Sustentabilidade e Modelos de Negócio dos Media”, moderado por Anselmo Crespo, com uma certeza: “Hoje é um dia histórico”, referindo-se ao anúncio do fim progressivo da publicidade na RTP, algo que outros meios de comunicação têm vindo a reivindicar. 

“Era algo que pedíamos há muito tempo”, disse, embora mais à frente tenha admitido: “Não há razão para estarmos com luvas de boxe em relação à RTP. A RTP presta um serviço público, mas nós também prestamos”.

Pedro Morais Leitão, CEO da Media Capital (dona da CNN Portugal e da TVI), destacou também o fim da publicidade na RTP entre as medidas anunciadas pelo Governo. Morais Leitão sublinhou que é uma “medida de continuidade” em relação à criação da taxa do audiovisual, criada por Morais Sarmento. Pedro Morais Leitão disse, no entanto, ter dúvidas de que a verba em publicidade que agora é canalizada para RTP seja depois distribuída pelas outras televisões. “Vai claramente haver uma transferência de publicidade para as plataformas digitais. Não é evidente que os seis minutos sejam transferidos para as outras televisões”, afirmou Pedro Morais Leitão.

Nicolau Santos, presidente do conselho de administração RTP, defendeu a importância de “olhar para um setor que está a atravessar uma profunda crise” e que, nesse sentido, “quando há uma falha de mercado grave, os governos devem intervir para regular o setor”. 

Sobre a RTP em concreto, canal que acabou por ser um dos destaques deste painel, Nicolau Santos defendeu que “o nosso problema não é obviamente de oferta, é claramente de procura”, lembrando que os shares de audiências diminuíram de 30% para 15% nos últimos anos. E perante o facto de o mercado publicitário ter diminuído, Nicolau Santos afirmou assim: “Não me parece que seja dramático”. No entanto, admitiu que obviamente está preocupado com o fim da publicidade no canal público e como esse valor será colmatado. “A saída da RTP do mercado publicitário implica também a perda de relevância da RTP”, vincou Nicolau Santos, que adiantou ainda que o plano de rescisão de  250 trabalhadores da RTP foi negociado entre a RTP e o Governo e que todas as saídas vão ser voluntárias.

E o Facebook? E o Google?

Luís Santana, CEO da MediaLivre (proprietário de Correio da Manhã, CMTV, Jornal de Negócios, Sábado, entre outros), começou por sublinhar “a coragem” deste Governo em fazer este pacote: “Não houve até hoje outro Governo que tivesse este grau de intervenção”. Também Francisco Pedro Balsemão destacou a “coragem” do Executivo de Luís Montenegro, mas criticou, porém, a ausência dos ministros da Cultura e da Economia no debate desta terça-feira, dizendo que são duas pastas ligadas à sustentabilidade e regulação dos media. A regulação dos media foi um dos aspetos mencionados e Balsemão deixou claro que é preciso um consenso mas que, no final, “compete aos jornalistas e redações saber o que é e o que não é notícia”.

O cónego Paulo Franco, presidente do conselho de administração Grupo Renascença Multimedia, defendeu que os anúncios do Governo são “já um passo importante para o futuro, um passo importante para o bem da sociedade democrática, informada, livre, onde todos nós somos sentimentos para que isso aconteça”. “Estamos todos num objetivo comum”, disse – e destacou que “é natural que algumas destas medidas venham ao encontro das nossas expectativas”, uma vez que, garantiu, o Governo mostrou-se disponível para “escutar meios de comunicação”. Ainda assim, o grupo Renascença não se “vê espelhado” nas medidas. 

Sobre as medidas apresentadas pelo Governo, todos os meios de comunicação que participaram nesta conferência defenderam que é necessário ir mais além, sobretudo no que toca às plataformas digitais, como a META (do Facebook e Instagram) e o Google. O cónego Paulo Franco defendeu mesmo que a ausência de medidas neste sentido foi “o que deixou um bocadinho a desejar [no pacote apresentado pelo Governo]”, instando que “é urgente uma regulação desta matéria, da publicidade, a produção dos conteúdos produzidos por nós e são usados de forma abusiva e sem qualquer retorno para quem produz, sem qualquer respeito pelos nossos jornalistas”.

Embora tenha defendido que uma medida “muito importante é o combate à desinformação” – e que esperava “que vá até ao ponto de criminalizar aqueles que usam os nossos conteúdos sem qualquer tipo de contrapartida para os que os produzem” -, Luís Santana, da MediaLivre, considerou que devia haver uma “ação mais musculada” na regulamentação destas plataformas digitais. O CEO da dona da CMTV e do Correio da Manhã lembrou mesmo que o crescimento do mercado publicitário está assente no crescimento das plataformas digitais. 

Santana acompanhou os outros intervenientes na preocupação com a utilização de conteúdos em plataformas digitais e lembrou que apenas 12% dos portugueses estão dispostos a pagar por conteúdos jornalísticos, mas “estão dispostos a usufruir dos nossos conteúdos” distribuídos pelas plataformas. “Para fazer face a esta erosão de receitas, temos de criar novos modelos de negócio”, vincou. “Este é um mundo cheio de dificuldades que estamos a enfrentar, temos de continuar a criar novas soluções para tentar criar mais receitas.” 

Para Francisco Pedro Balsemão, a grande incógnita das plataformas digitais é a necessidade de regulamentar e taxar. “Depois de estarmos todos no mesmo barco, vamos depois falar da questão das plataformas digitais. Temos dois temas em relação às plataformas digitais: o tema dos conteúdos e o tema da publicidade”, disse, sublinhando a necessidade haver regulamentação e de equacionar uma taxação. Em sintonia esteve Cristina Soares, administradora executiva do Público, que disse que “as plataformas digitais têm as receitas e continuam desreguladas”. E apresentou números: “De 2019 a 2022, a internet dos meios nacionais cresceu 10 milhões, a dos meios globais cresceu mais de 50 milhões e a imprensa desceu 30 milhões. isto é uma equação muito difícil de resolver”. 

Pedro Morais Leitão concorda que a grande discussão mundial será, sem dúvida, sobre as plataformas digitais e que a utilização de conteúdos produzidos pelos meios de comunicação tem de ser paga – e não pode sê-lo com os valores irrisórios que estão a ser propostos. Também Nicolau Santos vincou que as plataformas de nível internacional, as “Netflixes” desta vida, “estão a entrar no nosso negócio, estão a comprar os grandes eventos desportivos e de entretenimento”, devendo haver algum controlo nesse sentido.

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