Quinta-feira, Janeiro 16

Por muitas dificuldades que há, e há, ao nível da Previdência e da protecção que temos, o Estado Social é uma conquista e característica do nosso modelo social. Podemos discutir sobre incentivos ao trabalho (enormes divergências políticas), sobre a (des)protecção ao cuidador informal, ou diferentes perspectivas sobre a desigualdade de rendimento. Mas temos como pilares a dignidade, a luta contra a pobreza e a exclusão e, em suma, a defesa do subsistema de protecção social de cidadania (o nome técnico na Lei de Bases da Segurança Social). Também este pilar deve ser olhado de uma forma crítica para melhoria das políticas públicas, porque a falta de eficácia de muitos desvios faz com que se pudesse olhar para elas sem o mantra de se querer acabar com o Estado Social. As políticas públicas, quando mal definidas, geram efeitos perversos; além disso, os incentivos estão na elaboração de medidas de curto prazo, e não estruturais. Isto faz com que o trabalho o longo prazo, sobretudo em temas que precisam de tempo para amadurecer, como a inclusão social, tenha, infelizmente, tudo para ser maltratado.

Outro problema claro é uma fase de política fácil, de populismo e imediatismo que irresponsavelmente nos arrasta no tema dos imigrantes. Vai desde os grandes responsáveis ​​políticos pela onda de imigrantes indocumentados terem um apagão de memória sobre a responsabilidade neste processo (a par dos partidos e da comunicação que não os relembram), ao total desregrar de gestão que faz com que não se controle o acesso ao SNS, tornando-o alvo de turismo de saúde não pago, com o impacto que isto tem na falta de nível do serviço e nos tempos de espera (para além de custos). Nada disto tem que ver com inclusão, tem sim que ver com mais política e mais gestão. E já sabemos que todos vamos assistir em breve na campanha autárquica a uma adulteração de “culpas”, de anos de mais decisões no Governo em falsas culpas autárquicas. São as regras de jogo, dizem talvez os mesmos que afirmam que é preciso ter alfabetização sobre as instituições.

Outros dos problemas que estão a ser polarizados são o racismo e a xenofobia. Nós não somos um país estruturalmente racista e somos conhecidos por acolher bem. Politicamente, você vai ignorar que temos um modelo econômico estagnado e pobre num grupo de ricos. Tal como se ignora que milhares de pessoas não trabalham, não falam português, não têm rede de apoio social e não têm documentos – tem tudo para não funcionar bem. Evidentemente que todos lutamos pela inclusão a dignidade, obviamente que a multiculturalidade é positiva e todos os demais princípios que honram as liberdades e a vida humana. Mas há que considerar o facto de uma sociedade coesa e solidária passar por valores comuns, e esses têm de ser partilhados. Inclui direitos das crianças, mulheres e liberdade individual. Socialmente, há uma maior predisposição para ajudar quem é semelhante, o que é, nos termos, contraditório com a inclusão. Importa pôr o dedo na ferida: como manter o Estado Social que hoje é oferecido? Desde logo, falar neste tema sem os constrangimentos acima mencionados requer duas coisas: não começar por acefalamente acusar quem fala de que o seu objectivo é destruir o Estado Social; e ser intelectualmente honesto quanto ao papel de contribuição dos imigrantes para a sustentabilidade da Segurança Social. Nenhum dos dois ocorre no espaço público em geral. Não se pode depois estranhar que, afinal, “não fique tudo bem” e que as pessoas optem pelo “mas”.

A autora é colunista do PÚBLICO

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