Segunda-feira, Janeiro 6

“Foi ela que mo roubou, levou-mo, ela também era tão provocadora”, ouvi há dias numa mesa de café, referindo-se ao termo de uma relação de 15 anos de casamento. “E fazia coisas, sabes, dava-lhe aquilo”, tentando explicar o motivo pelo qual tinha perdido o marido. O discurso de ataque à ‘outra’, desconsiderando a escolha do companheiro de uma vida, de imediato fez surgir na minha mente, uma imagem dos pastores a colocarem às costas, algum cabrito perdido ou mais gaiteiro.

São os maridos cabritos, uma espécie que salta muros, sempre em busca de pasto verde, ignorando a pastora, que mal o apanha nos braços, o afaga, tratando-o como o bebê que é. Lava-lhe a roupa, seca, estende, prepara as refeições e de noite, ensaia algumas acrobacias desajeitadas, para que o cabrito não sonhe pular a cerca. Parece um discurso do passado, mas ainda há muitos maridos cabritos por aí e muitas pastoras prontas a acolher e a venerar estes bichos.

Por outro lado, ao mesmo tempo e na mesma medida em que idolatram estes cabritinhos e estão prontos a perdoá-los e a recebê-los no lar, também odeiam e maltratam as outras ‘cabritinhas’, que normalmente são apelidadas de ‘vadias’, ‘ perdidas’ ou mesmo ‘putas’. São no fundo elas que enfeitiçam os cabritos indefesos, que seduzem, que dão tudo, não olhando a meio para conquistá-los.

E os cabritinhos, quando são encostados à parede, unem-se às suas pastoras, pedindo clemência e apontando todos os machos à ‘outra’. E se não for à ‘outra’, denunciam os maus tratos e descuido da pastora, que já não é a mesma, que não se arranja, que só tem olhos para os filhos e que, por isso, o cabrito pulou a cerca, porque tinha muita fome e sentia-se mal-amado.

É, portanto, hora da pastora se transformar novamente na fada do lar. Ela vai mudar de visual, comprar roupa nova, arranjar-se ainda mais, porque desta vez, o cabritinho prometeu não fugir. Mas ele fugirá outras vezes, e na maioria delas, a pastora não saberá sequer. Na verdade, o cabritinho, não ama nem a pastora nem como ‘outras’, mas aprecia a sensação de conhecer novos pastos verdesjantes. E não viria mal ao mundo, se antes de vender a ideia de sonho de uma família tradicional, abraçasse de vez o poliamor.

Só cai na conversa destes cabritinhos, outras cabritinhas inexperientes que ouvindo os testemunhos de quão maltratados são em casa, se apressam a dar-lhes guarida, muitas vezes apaixonando-se por eles, para concluir no final, que não valeram o investimento em feno.

Estes cabritinhos podem não ser especialmente atraentes, mas sempre fazem a questão de que suas pastoras tenham essa percepção, do que são desejados por todas as outras cabritinhas. “Sabes pastora, aquela cabritinha linda, olha sempre para mim de um jeito…” A pastora, normalmente insegura, acredita e pragueja contra todas as cabritinhas lindas, que usam decotes pronunciados e que pintam a boca de vermelho, sem desconfiar que o cabritinho, desta vez, anda a fugir para estar com uma cabra, feia por sinal.

Enfim… Está na essência do cabritinho ser maroto. A pastora perdoará.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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