Acusações de “beneficiar os mais ricos, incluindo futebolistas”, com o IRS Jovem; de que o Governo está contra a polícia ou de dívidas aos animais. O primeiro-ministro ouviu e prometeu responder, só que o tempo não deu para tudo. Um mau presságio, ironizaram os socialistas
Luís Montenegro prometeu gerir o tempo de que dispunha “com o mesmo rigor e responsabilidade” com que se compromete a gerir o Orçamento do Estado para 2025 (OE2025). Uma promessa que o atraiçoou mais tarde, quando esgotou o tempo para responder aos deputados.
Antes, falou-se de futebol. Sim, a coordenadora do Bloco de Esquerda (BE), Mariana Mortágua, confrontou o primeiro-ministro com o facto de o IRS Jovem “beneficiar sobretudo os mais ricos, incluindo futebolistas, que têm sido a diversão dos últimos dias na comunicação social de indicar quais são os jovens futebolistas com salários milionários que vão beneficiar destas políticas”. Lembra-se do salário de Viktor Gyökeres?
Luís Montenegro reconheceu a “divergência” entre Governo e BE nessa matéria, mas recusou que a medida tenha sido desenhada para beneficiar jogadores de futebol, assinalando que o benefício “tem um limite”. Esse limite existe de facto, aplicando-se a partir dos 28 mil euros anuais. Ainda assim, mesmo em casos de futebolistas como o avançado do Sporting, haverá um benefício.
Continuamos na bola, com uma acusação a Mariana Mortágua de ter estado por detrás da “maior borla fiscal” para futebolistas, ao apoiar o programa Regressar, que foi aprovado em 2019. “A maior borla fiscal para jogadores de futebol foi o programa Regressar que a senhora deputada apoiou com o PS e que fez regressar a Portugal futebolistas de primeira linha que aproveitaram para vir pagar 20% de imposto sobre todo o seu rendimento. Não havia sequer um tecto, senhora deputada”, denunciou o primeiro-ministro. Um programa que beneficiou atletas como, por exemplo, Pepe, que regressou ao futebol português via FC Porto e teve um benefício fiscal com este mesmo programa.
“Eu estou à vontade, porque gosto de futebol, sou praticante de futebol, mas não estou a pensar nos jogadores de futebol quando aqui trago esta proposta de IRS Jovem”, gracejou o primeiro-ministro, acrescentando depois, já num tom mais sério, que está “preocupado” sim na retenção de talento em Portugal.
O primeiro-ministro admitiu não saber se a medida do Governo vai ter os resultados esperados nesse sentido, mas disse acreditar “fortemente” que este benefício fiscal “é decisivo para que muitos jovens fiquem em Portugal”.
Ventura acusa Governo de não se reunir com polícias, Montenegro desmente (e os polícias abandonam as galerias)
O debate ocorreu sob o olhar atento de vários polícias, alinhados nas galerias, vestidos à civil, para reivindicar a atualização do suplemento de risco para o mesmo valor atribuído à Polícia Judiciária. André Ventura aproveitou a ocasião para falar sobre os tumultos que têm ocorrido em vários bairros da zona de Lisboa, na sequência da morte de um homem baleado por um agente da PSP.
O líder do Chega lamentou que os polícias estejam a ser “achincalhados” pela opinião pública e acusou o Governo de não ter convidado representantes da PSP e GNR para a reunião com associações de moradores dos respetivos bairros. “Ontem [terça-feira] o Governo decidiu fazer uma reunião sobre os tumultos que se alastram no país. Foi reunir com os polícias? Não. Foi reunir com as forças de segurança? Não. Foi reunir com os moradores que se sentem afetados pela violência? Não. Foi reunir-se com homens como Mamadou Ba, que chamou bosta à bófia, que diz que os polícias e o homem branco deviam ser aniquilados. E temos um governo PSD que, perante a violência, deveria dar um sinal inequívoco ao país. O sinal era este: ao lado da polícia contra os bandidos. E fizeram o contrário.”
“O senhor deputado está equivocado”, respondeu o primeiro-ministro, afirmando que o Governo “está em contacto permanente com as polícias”, tendo convidado representantes das forças de segurança para aquela reunião. “O diretor nacional da PSP e o comandante-geral da GNR estiveram na mesma reunião” de terça-feira, corrigiu o primeiro-ministro.
Ato contínuo, os polícias abandonaram a sala e não ficaram para ver o resto.
Luís Montenegro defendeu ainda que “aqui não há nós e eles, não há polícias e não-polícias, há portugueses”.
“Nós não estamos aqui para lançar o ódio de uns contra os outros, mas para juntar uns e outros, para dar condições de vida a todos, a todos e a todos”, indicou.
Montenegro prometeu gerir tão bem o tempo como o Orçamento – acabou com o microfone desligado
Depois de ter sido informado pelo presidente da Assembleia da República de que dispunha de 70 minutos para intervir, Luís Montenegro arrancou o debate com uma promessa: “Senhor presidente, prometo desde já gerir este tempo com o mesmo rigor e responsabilidade com que geriremos o Orçamento do Estado.”
Mais tarde, porém, o primeiro-ministro foi acusado de não saber gerir o tempo para responder aos deputados, depois de esgotar os três minutos que lhe tinham sido atribuídos pela Mesa da Assembleia da República (AR) para responder a um conjunto de 11 pedidos de esclarecimento. O microfone de Luís Montenegro desligou-se a meio da sua intervenção e a bancada do PSD pediu mais tempo, argumentando que este não era “um debate regular”.
Durante mais de 15 minutos, as bancadas discutiram o tema, acusando o Governo de saber que ia ficar sem tempo para responder às questões dos deputados. Um mau presságio para este Governo, segundo os socialistas, que recordaram as palavras iniciais de Luís Montenegro. “O senhor primeiro-ministro é que disse que iria gerir tão bem o seu tempo como gere o orçamento…”, atirou Alexandra Leitão, líder parlamentar do PS.
“A verdade é que o senhor primeiro-ministro e o Governo já sabiam que eram 70 minutos e este problema aconteceu também no debate do Estado da Nação. E, na sua intervenção inicial, sabia que não ia ter tempo para responder. Se agrupar menos de cada vez, consegue responder, senhor primeiro-ministro”, argumentou a socialista, referindo-se ao facto de terem sido registados 33 pedidos de esclarecimento, que o primeiro-ministro disse querer responder em grupos de 11.
O presidente da AR, José Pedro Aguiar-Branco, recusou-se a alterar o regimento, argumentando que, se o fizesse, o debate seria “ingerível”, mas sugeriu que se as bancadas o quisessem alterar ‘ad hoc’ poderia interromper os trabalhos por meia hora, o que não foi aceite.
PAN exorta Montenegro a “pagar o que deve” aos animais
Os trabalhos prosseguiram, com a líder do PAN a exortar o primeiro-ministro a “pagar o que deve à causa animal” – palavras inscritas, aliás, num outdoor instalado pelo partido junto à AR, antes do início do debate – criticando a ausência no orçamento de verbas destinadas à proteção animal. Inês de Sousa Real acusou o Governo de “colocar em causa oito anos de trabalho” do Parlamento, “deixando de fora todas as verbas” para a proteção animal, designadamente “os 13 milhões de euros que no ano passado estavam previstos no orçamento e que este ano não constam na proposta”.
“Tem a oportunidade de pagar o que deve à causa animal e de corrigir este erro em especialidade”, defendeu, indicando que o PAN vai apresentar na especialidade uma alteração “para autonomizar estas verbas e garantir que é dada continuidade à prioridade na proteção animal”.
Na resposta, Luís Montenegro criticou a expressão usada pela deputada, acusando-a de utilizar uma linguagem que “não é tradicionalmente sua”. “É mais própria dos extremos”, atirou.
O primeiro-ministro assegurou depois que “o Governo não tem nenhuma intenção, tem zero intenção de cortar investimento no bem-estar animal”. “Pelo contrário”, acrescentou, “nós temos intenção de o reforçar e dar taxas de execução maiores do que nos últimos anos”.
Para Luís Montenegro, porém, “mais importante” dos que os 13 milhões de euros reclamados pela porta-voz do PAN, “era a luta que esperava ver da sua parte para executar as verbas que a senhora deputada ajudou a inscrever nos orçamentos anteriores e que depois ficaram sempre a metade na sua execução”, criticou.