O relato ficou dado quase no final da intervenção do ministério e foi uma resposta ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que tinha sido muito crítico da atuação política minutos antes. “É uma das regras do jogo democrático: as decisões políticas gerem os recursos públicos e são avaliadas, politicamente, pelo mérito das suas decisões. Aos tribunais o que é da aplicação da justiça; ao Governo o que é da política de justiça”, afirmou a a ministra Rita Alarcão Júdice depois de ter ouvido várias críticas da bastonária dos Advogados, do procurador-geral da República e, sobretudo, do Cura Mariano.
Mesmo antes, vincara que “a política de justiça é definida pelo Governo”, a quem cabe “a gestão, a administração, os investimentos, a afectação de recursos, as prioridades legislativas e orçamentais”. Ou seja, o Ministério da Justiça “exerce as suas competências, toma as decisões que lhe parecem mais adequadas e sujeitas-se ao escrutínio técnico e político”, descreveu, sem sequer usar o termo “diálogo” para falar sobre a relação com o setor .
Antes, não deixaremos a ideia de que o apelo de Marcelo Rebelo de Sousa para um pacto de regime para a reforma da justiça continuará sem resposta. Depois do Governo ter sido enveredado pelo caminho de apresentar planos de acção ou de emergência para vários sectores – da saúde à imigração, passando pelas obras públicas e os meios de comunicação social, entre outros -, a crer nas palavras de Rita Alarcão Júdice estará fora de questão o anúncio de algo grandioso como uma reforma de fundo da justiça. “Eu sei o que fazer para que a reforma da justiça não tenha resultados: é fazer anúncios de grandiosos ‘planos estratégicos'”, afirmou a ministra. “E também sei o que fazer para a justiça seja reformada: resolver os problemas um a um, mesmo que não sejam imediatamente perceptíveis para o cidadão”, prometeu.
Depois de no início do Verão passado ter apresentado a Agenda Anticorrupção com 32 medidas – um capítulo do que seria uma reforma global da justiça -, um governante anunciou que ainda este mês ficará pronto a proposta legislativa sobre a perda alargada de bens, conhecida como ” confisco” de bens apurados por corrupção.
Será também criado um grupo de trabalho para abordar as “matérias de promoção da celeridade processual e de combate aos expedientes dilatórios”, nomeadamente a fase de instrução no processo penal, o reforço dos poderes do juiz na gestão processual, e os recursos na sede de Código de Processo Penal. E está também em preparação uma proposta de lei para a revisão dos estatutos dos magistrados judiciais e do Ministério Público, assim como o estatuto dos tribunais administrativos e fiscais e a lei orgânica do sistema judiciário.
Uma “aliada” dos oficiais de justiça
A ministra referiu-se também à vigília silenciosa convocada pelos oficiais de justiça para dizer que têm em si uma “aliada” e lembrar que já tiveram tentativas a “boa-fé do Governo” que aumentaram o suplemento de recuperação de processos já no ano passado, está a rever o estatuto profissional e recrutou quase 600 novos profissionais em seis meses.
Falou em seguida de reformas pontuais de funcionamento, como a tramitação electrónica do inquérito no processo penal – que já “poupou 238 dias de trabalho de um oficial de justiça” -, e afirmou que está quase pronto um decreto-lei que vai regular “de forma global e sistematizada como assessoria em todos os tribunais”.
Rita Alarcão Júdice, que iniciou o seu discurso pelo caso de Alcinda Cruz que foi morta pelo marido há poucos dias à frente dos dois filhos menores, referiu que a queixa que esta mulher apresentou em 2022 acabou arquivada no ano seguinte. A ministra usou o exemplo para criticar que a questão da violência doméstica seja suavizada ao faltar sempre uma referência que é “crime, crime de violência doméstica” – mas nenhuma outra ilação tirou de uma realidade que o Governo do PSD/CDS-PP disse querer combater. O governante defendeu apenas que “as vítimas de todos os crimes” devem “ocupar um lugar cimeiro do sistema judicial” – e até equiparou a violência doméstica aos crimes económicos e financeiros que “ficam com as vidas desfeitas”.