Sexta-feira, Julho 5

Pedro Adão e Silva escreve no Público que o governo de António Costa, em que era ministro da Cultura, caiu em resultado de um golpe de Estado que ninguém quer investigar

A expressão já tinha sido usada por Vital Moreira, mas não ainda por um membro do governo em causa, pelo menos publicamente e com todas as letras: “tivemos um golpe de Estado em Portugal”, escreve Pedro Adão e Silva esta quarta-feira em artigo de opinião no jornal Público.

Pedro Adão e Silva refere-se explicitamente à queda do governo de António Costa, no final do ano passado, na sequência da Operação Influencer, mediante a qual o então primeiro-ministro apresentou a sua demissão a 7 de novembro. Adão e Silva era ministro da Cultura desse governo que acabaria por cair, por decisão do Presidente da República.

O artigo de opinião não é explícito sobre quem será o autor do “golpe de Estado” nem quanto aos meios usados, mas é legítimo interpretar que o alvo é o Ministério Público. Intitulado “Comecemos pelo teste do pato”, o artigo de Adão e Silva recorre à lengalenga popular de que, se algo parece um pato talvez seja um pato, para dizer que “se se parece com um golpe de Estado e se age como um golpe de Estado, então o mais provável é tratar-se de um golpe de Estado”. O autor é identificado como “colunista do Público” – na coluna regular que inaugura com este artigo -, sem referência a ter sido ministro do governo em causa.      

“As definições tradicionais de golpe de Estado apontam invariavelmente para uma mudança de regime político, por meios violentos e à margem da lei”, escreve Pedro Adão e Silva. Mas “os golpes de Estado não têm de ser conduzidos por militares em chaimites”, ressalva. Neste caso, a “remoção de um primeiro-ministro”, foi “perpetrada por meios não violentos”. Depois, “o governo mudou”.

Pedro Adão e Silva questiona, no entanto, a ânsia de alterar as leis em torno da justiça, chamando a atenção “para o que se passa no Parlamento, pois suspeito que é aí que se negociará o pacto da justiça e os sinais que os partidos nos dão assustam”.

Mais do que isso, ou antes disso, seria sim necessário investigar judicialmente se houve ou não “golpe de Estado”, sugere. “Em matéria de justiça, ao contrário de outras esferas, há que provar objetivamente, em tribunal, que é de um pato que se trata. O que há muito deixou de ser a prioridade. No fundo, é esse o problema.”

A expressão “golpe de Estado” foi usada por Vital Moreira – constitucionalista e antigo eurodeputado independente eleito pelo Partido Socialista – no seu blogue a 11 de novembro de 2023, ancorando-se no uso da expressão pela jornalista São José Almeida em artigo de opinião no Público:

“Não sendo eu filiado no PS, nem tendo compartilhado do ataque à iniciativa do PSD, não tenho que respeitar essa obrigação de silêncio perante este verdadeiro “golpe de Estado” do MP (…), que levou à demissão do Primeiro-Ministro e deu o ambicionado pretexto ao PR para dissolver a AR e convocar eleições antecipadas, interrompendo a legislatura antes de decorrida metade dela”, escreveu Vital Moreira. O constitucionalista diz “tomar emprestada” a expressão “golpe de Estado do MP” do texto de São José Almeida, que no mesmo dia defendera a necessidade de provar “que não estamos perante um golpe de Estado judiciário para derrubar um primeiro-ministro apoiado por uma maioria absoluta na Assembleia da República democraticamente eleita.”

Quase oito meses depois, Pedro Adão e Silva parece defender o mesmo.

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