Sábado, Outubro 12

A indústria do chocolate está em crise. Os preços do cacau duplicaram desde o início do ano, uma vez que as plantações na África Ocidental – que produzem 80% do cacau mundial – foram atingidas por secas, agravadas pelas alterações climáticas. Como resultado, as fábricas de transformação, em países como Gana e Costa do Marfim, pararam ou reduziram a produção, enquanto os principais fabricantes aumentaram os preços e reduziram as estimativas de vendas.

Esta crise recente vem juntar-se a outros problemas relacionados com a produção de chocolate. O cacau é um dos principais responsáveis pela desflorestação ilegal e há provas de trabalho infantil e escravatura em explorações em África e no Brasil. O cultivo das árvores de cacau também requer muita água, embora apenas as sementes do fruto sejam colhidas.

Uma forma de enfrentar estes problemas é produzir chocolate sem utilizar grãos de cacau — a semente fermentada do cacaueiro. O chocolate sem cacau já existe, mas cientistas de todo o mundo estão à procura de novas formas de o tornar mais ecológico e saudável, utilizando novas técnicas e ingredientes.

Alternativas mais sustentáveis

Encontrar os ingredientes certos pode, no entanto, demorar algum tempo. “Entre o nosso primeiro protótipo e a fórmula atual, tivemos 500 iterações – e nada desse produto inicial sobreviveu ao produto comercial”, diz Max Marquart, da empresa alemã Planet A Foods, que produz o ChoViva, uma alternativa ao chocolate feita a partir de sementes de girassol e aveia, bem como sementes de uva, manteiga de karité e açúcar.

A Planet A apenas fornece outros fabricantes, incluindo o gigante suíço Lindt, e o ChoViva é usado como ingrediente em mais de uma dúzia de produtos vendidos na Alemanha. A empresa também produz cacau em pó e substitutos da manteiga de cacau. “O pó é produzido através de um processo semelhante ao da fermentação, enquanto para a manteiga utilizamos um processo semelhante à produção de cerveja, utilizando estirpes de levedura específicas”, explica.

Marquart define o processo de fabricação como “curto e sustentável”, uma vez que os ingredientes são obtidos perto das instalações de produção na Chéquia. Por enquanto, o ChoViva é usado principalmente em snacks de chocolate e cereais, e não para fazer barras de chocolate. “Não estamos a competir com o Cadbury Milk ou com as suas barras de chocolate puro, não é esse o nosso objetivo”, afirma Marquart.

Os cofundadores de Planet A Foods, os irmãos Sara e Max Marquart. Planet A Foods

O preço, acrescenta, é uma consideração importante quando se trata de convencer as pessoas a trocar o chocolate com cacau pelo sem cacau. “Não faz sentido tentar mudar o comportamento das pessoas, não resultaria. O que se pretende é chegar até elas, facilitando-lhes a vida: sem alteração de sabor, sem alteração de preço, mas, ao mesmo tempo, obtêm mais sustentabilidade de graça.”

Há outras empresas com receitas diferentes. “Em vez de sementes de cacau, usamos favas provenientes de explorações agrícolas do Reino Unido e da Europa, e fermentamo-las de forma semelhante à que os produtores de cacau fermentam os seus grãos” diz Ross Newton, CEO da Nukoko, uma startup com sede no Reino Unido que pretende lançar-se no mercado nacional no próximo ano.

“Acreditamos que estamos muito próximos do perfil de sabor do cacau tradicional ganês. Aspetos como a textura e a sensação na boca são um pouco mais fáceis de conseguir, porque as gorduras e açúcares ajudam. O ajuste do sabor é mais complicado, mas como o nosso processo é tão semelhante à fermentação real do cacau, podemos chegar mais perto do que ninguém de corresponder ao verdadeiro sabor do cacau”, antecipa Newton.

As favas também têm vantagens nutricionais, de acordo com Newton. São mais ricas em proteínas e mais baixas em gordura, em comparação com o cacau em pó, e devido à sua capacidade de fixar azoto no solo podem reduzir a utilização de fertilizantes químicos. Embora o cacau contenha compostos antioxidantes que podem melhorar o fluxo sanguíneo e reduzir a inflamação.

Newton acredita que as alternativas ao chocolate tornar-se-ão uma parte importante do mercado nos próximos cinco anos. “Os dados de modelação climática mostram que cerca de 25% das explorações de cacau serão incapazes de abastecer o mercado. Substituir completamente o chocolate ou apenas misturar produtos alternativos, como queremos fazer para reduzir o teor global de cacau, pode ajudar na sustentabilidade – mas também os custos.”

Em vez de sementes de cacau, a Nukoko utiliza favas provenientes do Reino Unido e da Europa. Nukoko

Como o verdadeiro, mas em laboratório

Uma abordagem diferente vem da cultura celular, na qual grãos de cacau são cultivados em laboratório a partir de uma pequena amostra do verdadeiro. “Pegamos numa ou duas sementes de cacau e colocamo-las numa cultura celular, dando-lhe açúcar, vitaminas e água”, descreve Michal Beressi Golomb, CEO da Celleste Bio, uma startup israelita. “Depois, as células multiplicam-se até obtermos uma grande biomassa; colhemos a manteiga de cacau e ficamos com o cacau em pó.”

A empresa fabricou o seu primeiro protótipo no final do ano passado, após oito meses de trabalho. “Conseguimos extrair manteiga de cacau de qualidade para chocolate e somos os primeiros no mundo a fazê-lo utilizando tecnologia de cultura celular. Tem o mesmo perfil químico da manteiga de cacau tradicional. Pode ser um substituto imediato no processo de fabrico de chocolate.”

No entanto, o custo de produção da manteiga de cacau desta forma ainda é proibitivamente elevado e há obstáculos regulamentares a ultrapassar antes de o produto poder ser vendido. “Isso será em 2027, com a igualdade de custos”, diz Beressi Golomb. Em relação à aprovação, vão “começar pelos EUA, que têm um processo regulamentar mais rápido” – “a Europa e o Reino Unido têm uma acumulação de pedidos”.

Em comparação com a produção tradicional de sementes de cacau, o cultivo em laboratório permite um maior controlo sobre o produto final, segundo Beressi Golomb. “Estamos a combinar biotecnologia, agrotecnologia e Inteligência Artificial para criar as condições ideais de crescimento para as células. Utilizamos sistemas de modelação computacional que podem conduzir a uma variedade de produtos no futuro, como ter um ponto de fusão mais elevado com a manteiga de cacau, para que o chocolate possa ser vendido em climas mais quentes, ou um cacau em pó menos amargo para colocar menos açúcar no produto.”

Para produzir duas toneladas de manteiga de cacau tradicionalmente, de acordo com Beressi Golomb, são necessárias quatro toneladas de vagens de cacau, utilizando 2.000 árvores e mais de 9.000 metros quadrados de terra. A mesma quantidade pode ser produzida num laboratório usando um biorreator de 1.000 litros com uma área de aproximadamente 1,4m2. “Nunca mais precisaríamos de cortar uma árvore (para abrir caminho para plantações de cacau) – isto é um impacto enorme.”

Reduzir o desperdício

Há também formas de incorporar ainda mais componentes naturais da planta de cacau no processo de fabrico. Um estudo publicado este ano mostra que é possível fazer chocolate utilizando apenas a vagem do cacau, substituindo o açúcar tradicional por um gel de cacau. A substituição tem efeitos positivos não apenas na sustentabilidade mas também no perfil nutricional do produto final.

“Nós (normalmente) usamos muito pouco do fruto – é como cultivar uma abóbora para usar apenas as sementes”, compara Kim Mishra, professor do Departamento de Ciências da Saúde e Tecnologia do Instituto Suíço de Tecnologia em Zurique e principal autor do estudo.

O processo consiste em triturar parte da casca até à obtenção de um pó e em obter um sumo a partir da polpa que envolve as sementes. Ambos os componentes são geralmente descartados ou compostados e têm pouco ou nenhum valor económico para os produtores. Quando combinados criam um gel que pode atuar como um adoçante. “O chocolate é feito apenas com componentes da fruta e não com o açúcar cristalizado convencional de beterrabas. Isto aumenta a sustentabilidade do produto porque se converte mais biomassa do cacaueiro,” acrescenta Mishra.

Segundo o investigador , a textura do produto final é semelhante à do chocolate preto de alta percentagem, mas a doçura é diferente, pois desenvolve-se um pouco mais lentamente e com um toque frutado. Em comparação com o chocolate açucarado tem mais fibra e menos ácidos gordos saturados, destaca.

A desvantagem é que há etapas adicionais de produção para fazer o gel e um novo processo de regulamentação devido à utilização de partes da vagem que atualmente não são consideradas comestíveis. Mas o estudo observa que o chocolate fabricado desta forma teria um impacto climático menor e proporcionaria oportunidades de diversificação dos rendimentos dos agricultores.

Talvez o melhor caminho a seguir para a indústria do chocolate não seja reinventar o seu produto, mas apenas utilizar mais do que já produz.

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