Está cada vez mais difícil e caro ver desporto em Portugal – e para quem é do Benfica ainda é pior

Aconteceu algo que ainda não tinha acontecido este século: não há jogos do campeonato ou das competições europeias em canal aberto. E por isso a Sport TV e a DAZN estão mais caras – mas está longe de ser o único problema

Os adeptos do Benfica têm de pagar pelo menos mais 24% que os rivais de Sporting e FC Porto se quiserem ver todos os jogos da sua equipa este ano. A diferença está na necessidade de assinatura de dois canais – BTV e Sport TV -, uma vez que os jogos dos encarnados em casa são transmitidos pela televisão do clube.

Este é o preço que diz respeito apenas às assinaturas premium mensais, que terá sempre de acrescer ao valor base que o consumidor já paga por ter a box a funcionar. E esta conta diz apenas respeito ao período entre agosto e maio, durante o qual duram as provas dos clubes portugueses – exclui-se aqui o Mundial de Clubes, uma vez que ainda não está esclarecido o ponto das transmissões televisivas.

As contas são da DECO Proteste, que analisou as opções de mercado para os consumidores portugueses, num ano de grandes mudanças nas transmissões televisivas. Os preços podem ainda sofrer alterações, pelo menos para os adeptos de Benfica e FC Porto, uma vez que ainda não se sabe como será a transmissão da primeira edição do novo Mundial de Clubes, onde aqueles dois clubes vão participar no fim da época.

Segundo explica à CNN Portugal António Alves, team leader na área de Tecnologia na DECO Proteste, há um problema de fundo que passa pela transmissão cada vez menor de jogos em sinal aberto – este ano apenas alguns jogos da Taça de Portugal, da Taça da Liga e a Supertaça serão transmitidos neste formato.

Duas assinaturas diferentes

É que, e excluindo da equação o Mundial de Clubes, os adeptos do Benfica têm de pagar duas assinaturas diferentes – BTV para seguirem os jogos em casa para o campeonato e Sport TV para acompanharem as deslocações na Liga e todos os jogos na Liga dos Campeões. De referir que o preço da Sport TV neste pacote subiu dos 25,99 euros do ano passado para os 34,99 euros agora em prática.

Ao todo, isso significa que o valor mensal mínimo a pagar são os 11,49 euros da BTV mais os 34,99 euros da Sport TV. É verdade que deixa de ser necessário pagar a Eleven, agora DAZN, uma vez que a Sport TV adquiriu os direitos de transmissão dos jogos portugueses nas competições europeias, mas há um senão nesta mudança: o pacote de base da Sport TV, que inclui a Liga Portuguesa, não chega para ver também o mínimo de oito jogos da fase de grupos da Liga dos Campeões.

O mesmo é dizer que, caso queira ver a participação do seu clube nas competições europeias, um adepto, seja de que clube for, está obrigado a pagar um extra de 10 euros, já que só o pacote Sport TV HD total + multiscreen, que custa 34,99 euros, tem a Sport TV 5, onde vão ser transmitidas estas partidas.

Já os adeptos de Sporting e FC Porto têm um custo menor para ver os jogos da sua equipa, uma vez que apenas precisam da Sport TV para acompanhar Liga e Liga dos Campeões, no caso dos leões, ou Liga Europa, no caso dos dragões. Há, para estes adeptos, apenas um senão: é que o jogo que as equipas têm no Estádio da Luz, contra o rival Benfica, é transmitido na BTV.

Na prática, os adeptos do Benfica têm de pagar por mês mais 24% do que os dos rivais para verem todos os jogos da equipa. Se a conta for feita a nível anual, um benfiquista terá de pagar 431,82 euros entre agosto e maio, enquanto os sportinguistas e portistas pagam “apenas” 314,91 euros.

Ainda assim, e com base no fim das transmissões de jogos de clubes portugueses na DAZN, é importante referir que os adeptos dos três grandes estão, para todos os efeitos, a pagar menos para verem apenas os seus clubes.

Na época anterior esse custo significava o pagamento, para o adepto do Benfica, de 11,49 da BTV, 25,99 da Sport TV e 17,99 da DAZN. Os adeptos de Sporting e FC Porto tinham de pagar apenas as duas últimas parcelas. Isto significa que o benfiquista estava a gastar 55,47 euros por mês (499,23 euros por época), enquanto os rivais gastavam 43,98 euros mensais (395,82 euros por época).

Na prática estão a pagar menos, mas é preciso não esquecer que, com o fim da DAZN, também acaba o acesso a muitos outros conteúdos desportivos, nomeadamente os campeonatos inglês, espanhol, alemão ou francês, mas também todos os jogos das competições europeias que não envolvam clubes portugueses (num total de 489 partidas) ou de competições como a liga de futebol americano.

Refira-se que as três marcas têm opções que tornam um pouco mais barata a subscrição, mas que obrigam a uma assinatura anual.

É também importante assinalar que para os adeptos do Sporting de Braga a coisa pode ser ainda mais complicada. Como a Sport TV garantiu apenas o direito de preferência a um jogo por dia. Isso não traz “problemas” ao canal na Liga dos Campeões, onde Benfica e Sporting jogam sempre desfasados, mas na Liga Europa a história é outra: FC Porto e Sporting de Braga partilham o dia em seis das oito jornadas da fase de liga, o que significa que o canal terá de escolher qual dos jogos quererá transmitir, sendo que a escolha recai sempre nos dragões.

Na prática, o adepto do Sporting de Braga que queira ver todos os jogos da equipa é o que sai mais prejudicado, ficando obrigado à assinatura extra da DAZN, para lá da assinatura da Sport TV.

O mesmo pode vir a aplicar-se a Benfica e Sporting na última jornada da fase de liga da Liga dos Campeões. Sendo a última jornada, na qual muitas decisões de classificação ainda vão estar em aberto, todos os 36 clubes têm de jogar à mesma hora. Assim, é bem provável que um desses dois jogos seja transmitido pela DAZN.

Um “problema preocupante”

António Alves diz à CNN Portugal que este é um “problema preocupante” para o consumidor, que vê os preços subirem, nomeadamente na Sport TV, sendo ainda obrigado à opção Multiscreen caso queira ver mesmo todos os jogos. “Se já era caro, agora estão a forçar as pessoas [a pagar mais]”, afirma.

O responsável da DECO Proteste lembra que as pessoas já têm várias despesas correntes, sendo que a subida do pacote da Sport TV ou da DAZN vai muito para lá da subida dos salários no mesmo período.

“A partir de agora há um monopólio no premium. As pessoas que gostam de seguir a sua equipa têm de pagar um aumento de preços excessivo”, acrescenta.

António Alves fala mesmo num “cocktaik explosivo” de preços, até porque deve ser tido em conta outro tipo de consumidor, aquele que gostaria de consumir vários produtos, e não apenas os jogos da sua equipa.

O team leader da área de Tecnologia da DECO Proteste lembra que a Fórmula 1 chegou a dar em sinal aberto durante vários anos na RTP, mas que há muito tempo passou para os canais de subscrição.

“A Sport TV tem um controlo quase absoluto, embora a DAZN tenha muitos direitos de transmissão. O problema é que a Sport TV tem o exclusivo do campeonato e das equipas nacionais na Europa. Para o consumidor português tem quase o monopólio”, acrescenta, lembrando que o controlo da empresa, detida em partes iguais de 25% pelos três maiores operadores (MEO, NOS e Vodafone), também dificulta a entrada de novos atores no mercado.

Embora não sejam muitas, a DECO Proteste recebe algumas queixas relativas à subscrição destes canais. O problema nem é, muitas vezes, o preço aplicado, mas sim a maior dificuldade em desativar o serviço, por exemplo. António Alves nota que “a adesão é muito fácil, mas depois, quando se tenta cancelar, e embora em teoria se possa cancelar através da box, existe uma mensagem a dizer que só podemos após os primeiros 30 dias”.

A juntar a isso há ainda outro problema, e que é especialmente notório este ano, o primeiro do século em que não há transmissão de jogos das equipas portuguesas nas competições europeias, sendo que até perto do fim da primeira década, nomeadamente na TVI, havia transmissões de jogos do campeonato.

António Alves lembra que a lei estipula que existam eventos de interesse público que devem ser transmitidos em canal aberto. No entanto, não existe uma obrigatoriedade do mercado para que isso aconteça. Existe, isso sim, uma legislação que permite aos canais de sinal aberto acederem aos jogos a um preço considerado não discriminatório.

Na prática, se TVI, RTP ou SIC tiverem intenção de comprar um destes conteúdos, a Sport TV tem de disponibilizar um jogo por jornada a esse preço dito não discriminatório. Em caso de não cumprimento do canal, os concorrentes podem apresentar queixa na Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que pode emitir uma decisão a seu favor e obrigar a Sport TV a ceder os direitos. No entanto, e depois de anos com transmissões em sinal aberto, nenhum canal parece ter avançado para essa opção, sobretudo porque o preço é demasiado alto para o retorno conseguido.