Quinta-feira, Dezembro 19

O custo dos medicamentos continua a representar uma barreira, exceto a principal, no acesso aos cuidados de saúde e as pessoas com maiores carências econômicas são, subsequentemente, aquelas com maior probabilidade de não adquirirem os medicamentos necessários para o seu tratamento. Estas são duas das principais explicações de um estudo, publicado esta quinta-feira, que analisou o acesso aos cuidados de saúde em Portugal, em 2023, que aferiu que barreiras encontramos os doentes presentes num episódio de doença. Eliminadas a maioria das taxas moderadoras no Serviço Nacional de Saúde (SNS), os autores defendem: “A discussão das barreiras financeiras no acesso aos cuidados de saúde deve centrar-se nas despesas com medicamentos”.

Da autoria de Pedro Pita Barros, especialista em Economia da Saúde, e de Carolina Santos, o relatório Acesso a cuidados de saúde, 2023 (impulsionado pela Iniciativa para a Equidade Social, uma parceria entre a Fundação “la Caixa”, o BPI e a Nova SBE) mostra que “as dificuldades financeiras reportadas no acesso a consultas e urgências extravasam os verdadeiros custos associados a taxas moderadoras no SNS e podem dever-se a despesas com medicamentos prescritos na sequência de uma ida a uma consulta ou urgência, ou aos custos de transporte necessários para transporte ao serviço de saúde”.

De acordo com as conclusões da investigação, no ano passado, cerca de 11,26% dos inquiridos que sofreram um episódio de doença optaram por não utilizar o sistema de saúde (quase três pontos percentuais inferiores ao valor registado em 2022) e, destes, 75,6% optaram por se automedicar, com os autores a referirem que “a percentagem elevada e crescente de indivíduos que reportam automedicar-se sinalizando que este é um comportamento que deve ser treinado e monitorizado, pelas consequências que pode ter, tanto para a saúde da população, como para a sustentabilidade e eficiência dos cuidados prestados no sistema de saúde”.

Quanto ao gasto, um componente mais importante nesta área continua a ser o que está relacionado com medicamentos. Segundo o relatório, em 2023, a despesa média com medicamentos correspondeu a cerca de 70,5% das despesas médias totais nas idas às urgências e a 89,5% nas idas aos cuidados de saúde primários. Recorde-se que uma das medidas do Governo neste campo é a comparticipação total de medicamentos aos beneficiários do Complemento Solidário para Idosos (CSI), que passou a ter acesso a medicamentos de que necessitam gratuitamente, necessitando apenas de apresentar uma receita médica na farmácia.

As diferenças socioeconômicas não se discutem no que diz respeito à saúde. Desde logo porque as desigualdades se repercutem no risco maior ou menor de ocorrência de um episódio de doença: em 2023, a probabilidade de virem a sofrer um episódio ligado à saúde atingia 66% dos indivíduos do grupo com maiores restrições financeiras, num risco que baixava para apenas 29% entre as pessoas das classes socioeconômicas mais favorecidas.

“Ainda que os episódios de doença não sejam, por norma, previsíveis, o contexto social de cada indivíduo influencia a sua ocorrência, fazendo com que esses episódios não se distribuam de forma completamente periódica”, explicam os autores no relatório. E acrescenta: “Em primeiro lugar, como esperado, os episódios da doença são mais frequentes em indivíduos de idade mais avançada. Em 2023, a probabilidade de uma pessoa com 65 e mais anos ter tido um episódio de doença foi superior a 50%, mesmo tendo em consideração características adicionais dos indivíduos, como classe socioeconómica e nível de escolaridade.”

A análise debruça-se também sobre a cobertura dada por médicos de família à população, colocando o Algarve, a Grande Lisboa e o Centro Litoral como as áreas onde se verifica uma maior escassez destas clínicas, e conclui que “se em 2020 a probabilidade de um indivíduo ter médico de família atribuído no SNS era de 91%, em 2023 era de apenas 80%. Segundo dados do portal da transparência do SNS, 1.566.436 utilizadores não tinham médico de família em Portugal continental em Outubro deste ano.

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