Sexta-feira, Janeiro 3

Dezembro é mês de encontros, mas também de despedidas. Do ano velho, de familiares e amigos, das loiças antigas que se atiram pela janela. Muitos reencontros só ficam prometidos para o dezembro seguinte.

O pior são as despedidas inesperadas. Se as por morte são sempre dolorosas, nesta altura parece que magoam ainda mais. Quem fica demorará a voltar a gostar desta quadra, em que se espera que fiquemos alegres, felizes, cheios de esperança.

Mas não é só através da morte que chega o adeus que dói.

Neste Dezembro, vemos a caixa de e-mail encher-se de mensagens de despedida. Colegas, amigos, companheiros (palhaços não) que decidiram aproveitar o processo de rescisão amigável aberto por quem gere administrativamente o PÚBLICO.

Despede-se quem está perto da reforma e também quem está longe. Cansaço, desmotivação, falta de reconhecimento, promoções e aumentos há muito adiados, desencanto, possibilidade de pagar empréstimos sem comissões, mudança de vida, mais tempo para a família, novos projetos, tudo razões lógicas e ponderadas.

Mas ninguém parece realmente feliz por sair.

“Até já”, “Um adeus português”, “A minha gente”, “Addio, adeus, auf wiedersehen, adeus!”, “Saltos altos” foram alguns dos títulos escolhidos para as mensagens de despedida de trabalhadores que saem agora do PÚBLICO. Muitos foram nossos companheiros nestas últimas duas ou três décadas. Vou fazer falta, muita falta. Às redacções de Lisboa e Porto, aos leitores e ao país, cada vez menos democráticas.

Por estes dias, recuperaram-se fichas técnicas dos “números zero” e das primeiras edições. Ali eram nomes a quem alguém chamou “príncipes do jornalismo”. Muitos mortos, alguns despedidos coletivamente. Tristeza.

É sabido que os jornalistas não devem ser notícias. Vamo-nos já defendendo: isto não é uma notícia e o jornal não é feito só por jornalistas.

Num dos últimos aniversários, alguém jovem perguntou, perplexo: “Quem é que fica 30 anos a trabalhar no mesmo site?” A verdade é que o PÚBLICO nunca foi “o mesmo sítio”. E não estamos a falar de moradas ou instalações, que foram diferentes.

Quem aqui ficou 30 e mais anos foi sentado em lugares diferentes, com novas aprendizagens, desafios inesperados, adaptações ao mundo. E tanto que ele mudou.

Longe vão os telexes, faxes, estafetas em viagens noturnas apressadas para as gráficas, com fotolitos enrolados em tubos de cartão. Notícias ditadas do Iraque ou de Timor por telefones-satélite pesadíssimos. Coletes antibala com proporções desadequadas para mulheres repórteres. Quando se falava em gênero, era de gramática que se tratava; em rede, era de pesca.

Internet, correio eletrônico, novas plataformas, diferentes procedimentos e rotinas, edição on-linemultimídia, podcaststudo foi incorporado num cotidiano cada vez mais intenso e criativo, com uma adaptação e dedicação de todos, os visíveis e invisíveis. Mais velhos e menos velhos. Se algo falhou, não foi na parte editorial.

“Quem é que fica 30 anos a trabalhar no mesmo sítio?” Nós, que planejamos ficar só três meses. Mas na redacção podíamos discutir, crescer, discordar, cantar, chorar e até dançar. Não é fácil desistir de um lugar assim.

Sair ou não? A decisão terá de ser tomada até ao Dia de Reis, 6 de Janeiro. Certo é que se demorará a voltar a gostar desta quadra. Como quando morre alguém.

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