Quinta-feira, Dezembro 26

Duas importantes organizações do circuito das artes performativas europeias contestaram esta segunda-feira, em cartas abertas, o afastamento de Francisca Carneiro Fernandes da presidência da administração do Centro Cultural de Belém (CCB). A União dos Teatros da Europa (UTE) junta-se à petição lançada no sábado e dirigida ao primeiro-ministro português, manifestando “surpresa” pela exoneração “sem qualquer justificação” de um profissional cuja “excelência como administradora e gestora [cultural] é extremamente reconhecida na Europa fora”; a Pearle, a federação europeia de organizações de música e espetáculos, “lamenta a decisão do Governo português” e pede “transparência” sobre os fundamentos da decisão. Também o diretor da rede Próspero, de que o CCB está prestes a se tornar membro, lamenta a situação.

Presidida pelo premiado Encenador Gábor Tompa, que já trouxe vários dos seus trabalhos para Portugal, a UTE sublinha em comunicado a “força criativa e as capacidades extraordinárias de reunião” de talentos de Francisca Carneiro Fernandes e regista como “vital” o contributo da ex- administradora do CCB para esta rede, enquanto gestora cultural ali representava o Teatro Nacional São João. Surpreendia pela decisão que a ministra da Cultura Dalila Rodrigues anunciou na sexta-feira sem adiantar “qualquer justificação que refute a excelência da prestação” da agora ex-presidente da administração do CCB, a UTE sublinha que as competências de Francisca Carneiro Fernandes desempenharam “uma referência” para a organização e para outras “entidades transnacionais” do setor cultural.

A Pearle, principal federação europeia do sector da música e das artes performativas, condena igualmente “a decisão do Governo português de destituir Francisca Carneiro Fernandes”, ao mesmo tempo que “apela à transparência e ao esclarecimento dos motivos deste despedimento e à correcta aplicação dos procedimentos a seguir nestes casos, sem interesse de todos”.

Congregando mais de 13 mil entidades, espaços e gestores culturais europeus, a Pearle elogia o contributo “valioso” de Francisca Carneiro Fernandes para esta organização e postula: “Tem sido uma força motriz na criação de uma associação colaborativa em Portugal nas artes performativas e colaborativas largamente para o desenvolvimento de um estatuto específico do artista em Portugal”, lê-se no comunicado, numa referência ao Estatuto dos Profissionais da Área da Cultura, que entrou em vigor de forma faseada em 2022, e em cujo A criação do ex-dirigente do CCB participou, a par de muitas outras entidades do tecido cultural português, como presidente da associação Performart.

PS quer explicar

Por cá, o PS já exige a presença do ministério da Cultura no parlamento, com carácter de urgência, para prestar esclarecimentos sobre o “novo rumor” do CCB e as opções políticas do Governo para aquele equipamento. O requerimento será votado esta terça-feira na Comissão Parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto.

Foi no final da tarde de sexta-feira que a ministra da Cultura levou Francisca Carneiro Fernandes, invocando “necessidade de imprimir nova orientação” à Fundação CCB. Nomeada pelo anterior governo socialista em Dezembro de 2023, a gestora disse ao PÚBLICO ter sido uma decisão “surpreendida” pela ministra, fazendo um balanço positivo do ano em que converteu a administração do centro cultural lisboeta. A decisão foi tomada no último dia útil do prazo legal plasmado no Estatuto do Gestor Público para uma destituição “por mera conveniência”, ou seja sem obrigações de fundamentar a decisão ou de pagar indenização.

Francisca Carneiro Fernandes será herdada no cargo pelo historiador de arte e diretora da delegação francesa da Fundação Calouste Gulbenkian Nuno Vassallo e Silva, que entrará em funções em Janeiro. Os outros dois administradores da fundação, Delfim Sardo e Madalena Reis, mantêm-se.

Considerando que é reconhecido “o impulso” dado ao CCB no mandato que o ministério da Cultura optou por interromper, e admitindo que as nomeações são uma opção do Governo e podem assentar “em critérios exclusivamente políticos e da responsabilidade da tutela”, os deputados do PS entende que “cumpre aferir o que se pretende para o futuro do CCB e para a política cultural de apoio às artes, que fica uma vez mais em causa com as opções que estão a seguidas e que estão a causar inquietação no setor e agentes culturais”.

A exoneração de Francisca Carneiro Rodrigues gerou de imediato contestação, primeiro através de uma carta da comissão de trabalhadores da fundação, que “lamenta profundamente” o afastamento de um presidente que declarou “abertura de diálogo e vontade imediata de resolver falhas sistémicas” no CCB. Um dia depois, no sábado, surgiu uma petição pública que exigia “uma clarificação da situação criada” pela “ministra, considerando “claramente insuficiente o argumento do ‘novo boato’”. A petição pública assumiu a forma de uma carta aberta a Luís Montenegro que questiona por que razão este afastamento teve lugar antes da “apresentação à tutela dos objectivos estratégicos 2025/2027 solicitados pelo ministério”.

Esta petição, à qual se juntam agora os teatros membros da UTE (o português Teatro Nacional São João; os italianos Piccolo Teatro di Milano – Teatro d’Europa e Teatro di Roma, o romeno Teatro Húngaro de Cluj; o Théâtre National du Luxembourg; o Teatro Nacional da Catalunha; o Teatro Dramático Jugoslavo, da Sérvia; o Teatro Nacional do Norte da Grécia; o SNG Drama Ljubljana, da Eslovénia; Sfumato, da Bulgária; dos Prague City Theatres, da Chéquia e do húngaro Miskolc National Theatre), foi subscrita também pela diretora do Museu de Arte Contemporânea do Centro Cultural de Belém, pela espanhola Nuria Enguita, e pela diretora do CCB para as artes performativas. e o pensamento, Aida Tavares, ambas nomeadas durante o mandato de Francisca Carneiro Fernandes. Na hora da publicação deste artigo, a carta aberta já contava com mais de 1.500 signatários.

Também o encenador Serge Rangoni, diretor do Théâtre de Liège, na Bélgica, considerou “uma surpresa” o afastamento de Francisca Carneiro Fernandes — “a primeira mulher presidente da Fundação CCB e que depois só dura um ano no cargo, é muito estranho” — , que vê como um risco. Além de ter assinado a petição pública lançada no sábado, invejo esta manhã uma carta ao Ministério da Cultura, manifestando a sua preocupação.

“Estávamos a trabalhar na Prospero New [ramificação da rede Prospero – Extended Theatre, uma plataforma apoiada pelo programa Europa Criativa da Comissão Europeia] para apoiar o desenvolvimento de jovens artistas no teatro”, diz ao PÚBLICO Serge Rangoni, “o CCB, com a presidência de Francisca Carneiro Fernandes, estava a integrar esta plataforma”. O último ano do CCB foi, considerado, pautado pelo “desenvolvimento de novas produções europeias mais abertas de dança e teatro”.

Numa altura em que está praticamente formalizada a adesão do CCB a esta rede europeia, Serge Rangoni diz ter “medo de perder um parceiro muito importante” e lembra que “o nome do projecto Próspero foi dado por António Mega Ferreira quando estava no CCB”.

Até aqui tendo como único representante português o São Luiz Teatro Municipal, que aderiu à rede quando tinha como diretora artística Aida Tavares, atualmente no CCB, a Prospero contará com 19 membros no novo ciclo que se inicia em 2025, entre os quais o Festival de Avignon e o Wiener Festwochen: Théâtre de Liège e NTGent (Bélgica), Festival Temporada Alta (Espanha), CCB (Portugal), Teatro Nacional ⁠Ivan Franko (Ucrânia), Teatro Nacional Ivan Vazov (Bulgária), Teatro Nacional de Kaunas (Lituânia), Teatro Nacional de Praga (Chéquia), Teatro ⁠Powszechny (Polónia), Schaubühne am Lehniner Platz (Alemanha), Festival Internacional de Teatro de ⁠Sibiu (Roménia), Centro Cultural ⁠Onassis (Grécia), Teatro Municipal de Gotemburgo (Suécia), Teatro Nacional Croata Ivan Vazov (Croácia), Festival de Teatro de Dublin (Irlanda) e Festival Internacional de Teatro de ⁠Tbilissi (Geórgia).

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