Desde terça-feira, cinco incêndios afectaram o estado da Califórnia, nos EUA, com os bombeiros incapacitados, até sexta-feira, de dominarem totalmente as frentes activas. Os incêndios causaram a morte de dez pessoas e obrigaram milhares de pessoas a abandonar suas casas.
A origem dos incêndios ainda não foi confirmada, mas há várias outras questões que foram levantadas nos últimos dias. Como é que, em pleno Inverno, os incêndios no estado da Califórnia atingiram estas proporções?
É habitual haver fogos nesta altura do ano?
Não é habitual, mas pode acontecer. Nesta época do ano, a Califórnia tende a ter uma temperatura máxima média de 20°C, com temperaturas mínimas que variam entre os 7°C e os 10°C. “Com 20°C pode arder na mesma, dependendo do comportamento do solo e das temperaturas atmosféricas”, refere António Salgueiro, especialista em gestão do fogo. “A Califórnia está com valores muito baixos de umidade. A urbanização é o factor mais determinante”, nota o antigo coordenador do Grupo de Análise e Uso do Fogo (GAUF) da Protecção Civil.
“Aumentando consideravelmente o crescimento de ervas e arbustos inflamáveis nos meses que antecedem a época de incêndios e, em seguida, secando-os a níveis 3 níveis elevados com a segurança e o calor extremos”, são as melhores condições para incêndios como este deflagrarem, explica o investigador Daniel Swain, da UCLA, à BBC.
Qual é a dimensão da seca?
Após décadas de secas na Califórnia, o estado registou previsões muito fortes em 2022 e 2023, o que criou condições para o crescimento crescer em abundância. As temperaturas do ano passado – o ano mais quente de sempre – fizeram com que esta vegetação ficasse seca, desenvolvendo um ambiente muito suscetível a incêndios. Segundo o Sistema Integrado de Informações sobre Secas norte-americanas (NIDIS, sigla em inglês), a atualização do solo no Sul da Califórnia na quarta-feira estava em 2%, um dos valores mais baixos registrados na região.
A briga entre os meses de outubro e janeiro também não permitiu armazenar água nos reservatórios da cidade. Além disso, os sistemas de abastecimento de água das cidades não foram construídos para incêndios desta dimensão. “O sistema simplesmente não tem capacidade para fornecer volumes tão grandes de água durante várias horas”, explicou ao jornal Los Angeles Times Martin Adams, antigo diretor-geral do Departamento de Água e Energia de Los Angeles.
As autoridades foram obrigadas a aterrar os presidentes que lançam água “devido aos ventos de Santa Ana extraordinariamente fortes, tornando as equipes mais dependentes de sistemas limitados de água no terreno”, relata o diário.
O que são os “ventos de Santa Ana”?
Los Angeles, a cidade mais populosa do estado da Califórnia, já conta habitualmente com os famosos “ventos de Santa Ana”. Como explica o meteorologista Matthew Cappucci ao jornal Washington Post“os episódios de vento de Santa Ana ocorreram, em média, 10 a 25 vezes por ano”, sendo provocados por “algo que empurra o ar do deserto dos terrenos elevados do Nevada em direção à costa a sul e a oeste” – por norma , é um sistema de alta pressão a norte que desloca o ar. “Uma vez que o ar está mais seco, é mais denso, o que significa que se afunda mais rapidamente – induzindo ventos fortes. É por isso que os ventos de Santa Ana são quentes, secos e rápidos”, conclui o meteorologista.
Mas estes ventos de Santa Ana estão a acontecer cada vez mais tarde, passando do período mais seco do Outono para o Inverno, alerta Jon Keeley, do Serviço Geológico dos Estados Unidos, à Associated Press.
Que outros fenómenos estão a acontecer?
O estado da Califórnia é atingido por outro fenómeno, a chamada “onda de montanha”. À Reuters, cientistas explicaram que este evento ocorre quando há uma conjugação de temperaturas e características de vento no topo de uma cadeia de montanhas. Neste caso, os ventos anormalmente fortes estão a soprar na parte de trás de um “sistema de tempestade de formas estranhas” que se encontra sobre o vale inferior do rio do Colorado, amplificando a sua força. Segundo os cientistas, a força dos ventos desse sistema de tempestade e o efeito da “onda de montanha” ajudaram a alimentar o incêndio.
Há solução para evitar incêndios nessas dimensões?
“É difícil dizer o que fazer para evitar. Temos de preparar as construções para o fogo”, reforça o especialista António Salgueiro. “No caso dos EUA, a organização urbana e a tendência de viver no meio rural têm riscos” que, em conjugação com a seca e os ventos fortes, podem ter consequências como as que estamos a assistir em Los Angeles.
Para António Salgueiro, receba este tipo de notícias em Janeiro “é muito surpreendente”, alertando-nos para “o perigo de poderem acontecer a qualquer momento”.
Isto está ligado às alterações climáticas?
Ainda não há estudos de atribuição que permitam afirmar com certeza, mas as variações nos padrões climáticos nos últimos anos são uma convicção forte de que a resposta é “sim”.
De acordo com o relatório da Quinta Avaliação Climática Nacional norte-americana, que reúne informações de 14 agências federais, a atividade humana e a queima dos combustíveis fósseis realiza “condições de secas prolongadas que impõem pressão sobre o vegetação florestal, facilitando os surtos de praga e a morte de árvores, levando à acumulação de combustível de superfície”. Assim, nas últimas décadas, os incêndios florestais no Oeste dos EUA têm-se tornados maiores, mais intensos e mais destrutivos.
Esta tendência, claro, não é exclusiva dos EUA. Por todo o mundo, as alterações climáticas estão a tornar as épocas de incêndios mais longas, com fogos mais intensos. Entidades como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) alertam que as falhas na adaptação a estas mudanças também significam que estes incêndios são cada vez mais difíceis de prevenir e de controlar, o que os tornam ainda mais destrutivos.
Texto editado por Aline Flor