Sábado, Janeiro 4

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Se mudar de país já não é algo fácil, imagine deixar tudo para trás no Brasil com mais de 50 anos? Recomeçar a vida num momento em que as pessoas já estão muitas vezes mais próximas da aposentadoria, ou pensar em pisar no freio, é um desafio e tanto. A reclamação mais comum, entre os expatriados, é a dificuldade em fazer amizade com os locais. Para a aposentada da Caixa Econômica Federal (CEF) Telma Caetano de Almeida, de 65 anos, conhece gente nova que tem sido um obstáculo para sua família. “Ainda por cima, acho que a relação com os imigrantes piorou”, observa a carioca, que mora no Barreiro, no distrito de Setúbal, desde 2020.

Outra questão que costuma preocupar quem tem mais de 50 anos é deixar os familiares no Brasil, principalmente quando são idosos. “Meus pais são vivos e ficaram com a minha irmã. Foi muito complicado para sem eles”, confessa Telma. Mas o assalto à mão armada que ocorreu dentro do apartamento onde Morava, na Barra da Tijuca, no Rio, acabou levando-o para o aeroporto. “Essa paz que eu encontrei aqui me faz muito bem”, afirma a aposentada, que, no início, estranhou a culinária portuguesa. “Na minha casa tem sempre arroz e feijão”, conta.

Telma Caetano deixou os pais no Brasil e veio em busca de segurança
Arquivo pessoal

Ela admite que é preciso ter coragem para recomeçar em outro país. Mas não queria mais adiar o plano de mudança para Portugal. “Se eu não viesse há quatro anos, acho que não viria mais. Eu quis me dar essa chance. Gosto de mudanças”, explica.

Com tecnologia na bagagem

Antes de tomar a decisão de deixar o Brasil, há seis anos, o empreendedor e cientista da computação Marco Aurélio Freitas, 59, visitou várias vezes Portugal para conhecer o país e ter certeza do passo que daria na sua vida. Além do incentivo aos amigos, que já estavam no território luso, o cenário político e econômico no Brasil foi um impulso para sua mudança.

Marco Aurélio Freitas atua na área de inteligência artificial
Arquivo pessoal

Freitas confessa, porém, que teve dificuldade de entrar no mercado português. Não pela idade, mas pelo povo ser mais “fechado, reservado”. “Queria internacionalizar a minha empresa de tecnologia. Cheguei com alguns projetos, como a prevenção contra incêndios florestais. Mas foi difícil. A dica é ter um sócio português, uma parceria com uma empresa daqui”, revela ele, que há quatro anos atua como arquiteto de Solução e Inteligência Artificial na empresa Nos Inovação. “Agora estou do outro lado do balcão, o que também é necessário. Estou aprendendo novas técnicas, me atualizando”, acrescenta.

Pai de dois filhos, Fellipe e Marcos, que ficaram no Brasil, e casado com a empresária Fafá Figuerôa, ele faz coro com a aposentada Telma e gostaria de ter mais amigos pelas vizinhanças. “Moramos num bairro muito residencial e, às vezes, vamos a lugares turísticos para ver gente”, relata.

Mudar pelos filhos

Já a ex-apresentadora e ex-modelo Chris Nicklas, de 58 anos, chegou a Lisboa em 2018. Na hora de pesar a bagagem, a idade não foi um problema. “Não tenho a sensação de que eu recomecei nada aos 50. Tenho a sensação de que fui abrindo e fechando ciclos”, diz. “Eu me sinto muito bem, muito viva aqui”.

Chris, que tem cidadania italiana, veio com o marido, o cinegrafista Flávio Zangrandi, e os filhos gêmeos, Nina e Luca. “Queríamos que os dois estudassem fora”, conta ela, que escolheu Portugal pela “facilidade do idioma” e por ser “a porta de entrada para o continente europeu”. Atualmente, aos 22 anos, Nina estuda Cultura Inglesa na Holanda e Lucas faz faculdade de Belas Artes em Lisboa. Ex-VJ da MTV, Chris também concluiu sua graduação e fez pós em psicologia clínica na Universidade Lusíada de Lisboa.

Para Chris Niklas, vir para Portugal foi uma mudança de ciclo
Arquivo pessoal

Mesmo tirando a letra da saída do Rio, onde Vivia há 20 anos, ela confessa que já foi vítima de xenofobia em Portugal. “Como muitos brasileiros, experimentam situações de preconceito. E, quando meus filhos passaram por isso, foi uma abertura para discutirmos um pouco o que é estar nessa posição do estranho, do estrangeiro, no sentido mais amplo da palavra”, frisa. “Eu e minha família temos um biotipo europeu: somos brancos de olhos claros. Sempre vivemos, no Brasil, numa posição privilegiada. Então, abrir a mão disso era importante. Apesar de ainda continuarmos numa situação mais confortável em Portugal, porque não somos pretos e não somos pobres, mas, numa medida menor, abrir a boca e falar ‘brasileiro’ tira a gente da zona de conforto”, observa.

Amor por Portugal

Filho de português, o desenvolvedor de software Jorge Antônio Mello de Carvalho, 61, só foi conhecer o país onde seu pai nasceu em 2016. E foi amor à primeira vista. “Achei Portugal um lugar muito interessante para se viver. O clima, a tranquilidade”, elogia.
Três anos depois da viagem de férias, ele já estava de mala e cuia em Lisboa. A decisão de deixar sua terra natal aos 57 anos não foi fácil. Principalmente porque havia uma grande preocupação: o etarismo que já tinha vivido no Brasil.

“Lá, tive uma experiência infeliz de ser recusado num emprego na função da idade, apesar de ser altamente qualificado. Aqui não vivi isso. Ao contrário, vou fazer 62 anos (em fevereiro) e continuar em plena atividade e ainda ajudando no desenvolvimento de profissionais mais jovens”, garante o profissional de TI. Pai de três filhas, ele veio para Portugal com a caçula e a mulher.

Jorge Mello de Carvalho veio para o país onde seu pai nascu
Arquivo pessoal

Pegar um avião de volta, por enquanto, não é uma opção. O desenvolvedor de software se vê adaptado ao cotidiano e aos costumes portugueses. E só de pensar no preço de um plano de saúde no Brasil, ele franze a testa. “Meu maior medo, se um dia eu tiver ou quiser regressar ao meu país, é esse. Vejo amigos gastando uma fortuna com saúde”, revela.

No palco

O ator Henri Pagnoncelli, 71, é mais um brasileiro que resolveu atravessar o Atlântico depois dos 50 anos. “Descobri que o oceano não é tão grande assim”, brinca ele, que já conhecia Portugal desde os anos 80. “Viajava muito a trabalho. Até o dia que me resolvo dar de presente para morar aqui. Não me preocupei com a idade”, diz Pagnoncelli, que chegou a Lisboa com 65 anos.

Para Pagnoncelli, que está em cartaz com o monólogo Caimuma adaptação do último romance de José Saramago, o principal ponto negativo do seu novo lar se chama burocracia. “A gente descobre de onde vieram os trâmites que enfrentamos no Brasil. Aqui é um papelinho pra cá, outro papelinho pra lá”, compara, imitando o jeito que os portugueses falam papel no diminutivo.

O ator sentiu saudade do filho, João Pedro, que ficou no Brasil, e da praia que ele frequentava em frente à sua casa, no Leme, com a mulher, a roteirista e dramaturga Teresa Frota. “Qualquer hora do dia e do ano, eu poderia dar um mergulho no mar”, lembra o carioca, que, mesmo assim, gosta mais do frio. “Quando faz 40 graus no Rio, fica insuportável sair de casa. Não se consegue trabalhar, não se consegue fazer nada”, reclama o ator, que também tem cidadania italiana.

Com realidades e histórias de vida diferentes, o único motivo que foi comum a todos na hora de deixar o país, independentemente da idade, foi a violência. “O brasileiro é neurótico, ninguém consegue mais sair à rua com um celular na mão, por exemplo. É assustador”, critica Pagnoncelli.

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