Segunda-feira, Outubro 21

Uma análise sobre o outro lado dos fogos que assolaram o Norte e Centro de Portugal em setembro passado

Durante três dias em meados de setembro, os fogos florestais rapidamente devastaram várias partes de Portugal, tornando o céu de um vermelho infernal e esfumaçado, em contraste com aquilo que antes eram colinas verdes no norte do país. Já no centro, um incêndio engoliu uma autoestrada, isolando a parte superior da parte inferior do país. Nove pessoas morreram. 

Poucas pessoas noutras partes da Europa e dos Estados Unidos da América tomaram consciência de que alguns produtos que utilizam no dia a dia desempenharam um papel fundamental na hora de tornar estes fogos ainda piores. Algumas marcas de papel higiénico, de lenços de papel e de papel para escritório são produzidas com materiais extraídos dos eucaliptos, uma espécie que não é originária de Portugal.

O eucalyptus globulus – também conhecido como eucalipto-comum ou eucalipto-da-Tasmânia – mostra-se uma árvore ideal para o cultivo comercial, porque tem um crescimento mais rápido, maior quantidade de fibra e produz mais polpa do que a maioria das outra espécies. Isto significa que pode ser transformado em papel e tecido de alta qualidade de uma forma eficiente e económica.

O problema é que o eucalipto é um tipo de árvore altamente inflamável. É algo particularmente perigoso à medida que o planeta aquece devido a quase dois séculos de queima de combustíveis fósseis a uma escala industrial.

O eucalipto é nativo da Austrália, fornecendo comida e alimento a koalas, entre outros animais selvagens. Espalhou-se rapidamente por outros países também, incluindo Portugal, onde foi introduzido no início do século XIX.

Enquanto as indústrias portuguesas do papel e da madeira cresciam em meados da década de 1900, também cresceram as plantações de eucalipto. Este espécie agora cobre praticamente um milhão de hectares. É quase um décimo de todo o território de Portugal, bem como um quarto da área florestal portuguesa.

Em termos proporcionais, Portugal tem mais eucaliptos do que qualquer outro país no mundo. São quilómetros e quilómetros de árvores que cobrem a paisagem como “desertos verdes”, como descrevem alguns portugueses. Contudo, não é a única nação que permite a propagação desta espécie. Na Califórnia, o eucalipto naturalizou-se, o que quer dizer que agora também cresce além dos locais onde foi plantado.

Bombeiros tentam extinguir o fogo em Albergaria-a-Velha a 16 de setembro (Patrícia De Melo/AFP/Getty Images)
População recorre a mangueiras e baldes para tentar impedir que as chamas consumam as suas casas em Albergaria-a-Velha a 16 de setembro (Patrícia De Melo Moreira/AFP/Getty Images)

O debate sobre o papel dos eucaliptos nos fogos florestais está a ganhar forma, tanto em Portugal como na Califórnia, com alguns estudos a mostrar que têm pouca influência no agravamento dos incêndios. Contudo, vários especialistas alertam que estas árvores – especialmente, as suas cascas, ramos e folhas – são mais inflamáveis do que outras espécies. Na Califórnia, o serviço responsável pelo parque nacional, faz uma gestão das árvores desta espécie como sendo um fator de perigo para incêndios.

O grupo ambientalista português Quercus – o nome científico do carvalho – quer evitar a propagação de eucaliptos e incentivar maiores plantações de carvalho, que é uma espécie nativa do país.

Domingos Patacho, engenheiro florestal da Quercus, defende que uma das causas pelas quais os eucaliptos são tão inflamáveis é o facto de as suas folhas e ramos se decomporem muito lentamente no solo português, que ainda não se adaptou a esta espécie, deixando ramos que acabam por servir como combustível às chamas.

Os incêndios florestais que queimam eucaliptos propagam-se mais rapidamente e saltam mais facilmente para outras áreas, explica.

Árvores queimadas perto da cidade de Águeda a 19 de setembro (Brais Lorenzo/Bloomberg/Getty Images)

“Tem uma casca que se abre, se liberta, e ao pegar fogo é projetada a grandes distâncias”, diz Patacho à CNN.

“Estas partículas incandescentes de casca de eucalipto são transportadas pelo vento – às vezes, ao longo de quilómetros – e podem criar “ignições secundárias”, abrindo outras frentes, trocando as voltas aos bombeiros, concretiza.

O noroeste de Portugal também tem outras fatores que jogam contra si na hora de aumentar o risco de incêndio, avisa Henrique Pereira dos Santos, arquiteto paisagista.

Ao contrário de algumas parte da Grécia e de Itália, por exemplo, onde verões escaldantes significam que as ervas daninhas e outras plantas que podem alimentar incêndios podem acabar a crescer mais devagar, o noroeste de Portugal, com a sua proximidade ao Oceano Atlântico, mantém-se mais fresco e húmido – condições de cultivo ideais para este tipo de vegetação, diz Pereira dos Santos. Assim, os combustíveis naturais do fogo, que normalmente param de crescer durante as estações frias em locais como a Finlândia, continuam a florescer no inverno ameno de Portugal.

“Temos uma combinação de solos pobres, uma topografia desfavorável e um clima que favorece a acumulação de combustíveis finos”, resume o especialista, referindo-se a gramíneas, ramos e folhas que podem incendiar-se rapidamente quando estão secos.

Os eucaliptos tomam praticamente um décimo do território português (Juan Manuel Castro Prieto/Agence Vu/Redux)
O eucalipto foi introduzido em Portugal no início do século XIX, contudo as plantações expandiram-se em força com o crescimento da indústria do papel e da madeira em meados da década de 1900 (Juan Manuel Castro Prieto/Agence Vu/Redux)

Uma cidade transformada

A cidade de Albergaria-a-Velha, no centro-oeste de Portugal, esteve entre as mais atingidas pelos fogos de setembro, com áreas de plantações de eucalipto a arder à sua volta.

O nome da cidade lembra o passado da cidade a acolher os peregrinos que viajavam pela Península Ibérica. Contudo, em setembro, o ambiente tornou-se inabitável, até mortal, com os incêndios a espalharem-se pela cidade e a consumirem casas e empresas.

Quatro pessoas morreram e pelo menos 40 famílias ficaram desalojadas, com o fogo a consumir mais de 21 mil hectares de terreno naquela cidade.

Alguns pequenos proprietários da zona vendem a madeira dos seus eucaliptos através de uma cooperativa chamada Associação Florestal do Baixo Vouga. A maioria segue para a Navigator Company, uma multinacional portuguesa dedicada à pasta e papel.

Uma fábrica de papel perto de uma extensão de eucaliptos em Constância, Abrantes, no centro de Portugal (Patrícia De Melo Moreira/AFP/Getty Images)

A empresa – a maior produtora de materiais de eucalipto em Portugal – representa cerca de 1% do PIB do país, exportando os seus produtos para todo o mundo. A Navigator afirma produzir o “papel premium mais vendido no mundo” e de ter uma quota de mercado significativa nos Estados Unidos da América”.

A empresa e as suas subsidiárias também produzem lenços de papel, papel higiénico e rolos de cozinha, que são vendidos na Europa. No Reino Unido esses vendidos são vendidos com as conhecidas marcas Elegance, Magnum ou Softy.

A Navigator é dona ou arrenda mais de 105 mil hectares – uma área maior do que a cidade de Nova Iorque. A empresa também compra a pequenos proprietários e a cooperativas.

“Sou um grande defensor do eucalipto enquanto espécie, porque é a única que atualmente permite tirar partido do investimento feito na floresta”, diz Luís Sarabando, diretor técnico da Associação Florestal do Baixo Vouga. “Mas temos de corrigir alguns erros e excessos do passado, nomeadamente a falta de respeito pelos valores ambientais”.

Sarabando identifica a expansão excessiva para áreas que não são produtivas, bem como plantações que não são diversificadas com outras espécies. Combinar eucaliptos com outras espécies estimula a biodiversidade e ajuda a proteger contra a rápida propagação dos incêndios. 

Num email enviado à CNN, a Navigator confirmou que as suas plantações foram afetadas pelos fogos de setembro, mas vincou que os eucaliptos não foram a principal causa para isso, apontando antes aos fortes ventos, às altas temperaturas e à baixa humidade que se registou naquele período. A empresa ainda está a avaliar os danos, assegurando contudo que resistiram ao fogo as suas áreas que são mais bem geridas.

Bombeiros a trabalhar para extinguir as chamas na cidade de Arouca (Octávio Passos/Getty Images)
Árvores queimadas numa floresta perto de Águeda a 19 de setembro (Brais Lorenzo/Bloomberg/Getty Images)
Carros destruídos pelos incêndios florestais num concessionário em Albergaria-a-Velha a 18 de setembro (José Sarmento Matos/Bloomberg/Getty Images

A Navigator diz gastar cerca de três milhões de euros anualmente em projetos de prevenção e gestão de incêndios. Assegura ainda que gere o combustível florestal através da limpeza de vegetação rasteira, de queimadas controladas e do uso de herbicidas. A empresa explica que oferece apoio técnico e formação gratuita a pequenos proprietários, em parceria com outras companhias, e que emprega também bombeiros próprios.

A Navigator acrescenta que apoia 10 mil pequenos proprietários ao longo dos últimos seis anos, ajudando-os a melhorar a gestão de 90 mil hectares de terreno.

Outro problema na gestão do eucalipto em Portugal assenta no facto de quase toda a floresta no país estar nas mãos do setor privado. No Centro e no Norte, o território tem sido em parcelas cada vez mais pequenas de geração em geração.

Sarabando diz que a área abrangida pela cooperativa que representa é uma das “mais bem geridas em Portugal”, devido, em parte, ao apoio recebido da Navigator e de outros parceiros. Contudo, apenas 30% da floresta do país é mantida nas condições adequadas. Cerca de 40% foi totalmente abandonada, refere.

Ainda assim, a extensão dos grandes fogos de setembro acabou por surpreendê-lo. “Nunca imaginei que uma coisa destas pudesse acontecer na minha região”, confessa.

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